Conversamos com Clara Bicho, artista promissora do cenário independente brasileiro, que se conecta com o público jovem através de músicas pessoais feitas em seu quarto
“Não achava que era uma coisa possível”, responde Clara Bicho ao ser questionada sobre o sentimento de colocar uma música no mundo. Em entrevista por chamada de vídeo, Clara Campos estava no mesmo lugar que compõe suas músicas – seu quarto. O que me fez pensar na música Anjos Tronchos de Caetano Veloso, onde num trecho canta sobre Billie Eilish fazer tudo do quarto com o irmão. Captei a mesma energia. E não demorou até contar que escreve ali e também produz com seu irmão Gabriel Campos, membro do coletivo Geração Perdida de Minas Gerais.
A artista independente de Belo Horizonte, MG, tem ganhado visibilidade após lançar seu primeiro single, Tarde, em outubro de 2023. Produzindo arte desde a adolescência, já integrou exposições como a “Mulheres Que Fazem Coisas”, em sua cidade, e escreveu o livro de poesias “Bicho”, em 2020, com sua amiga Eduarda Duarte. As composições começam a surgir nessa mesma época.
“Eu escrevi muito despretensiosamente. Não tive um grande pensamento, um grande planejamento”, conta sobre seu primeiro single. Desde o lançamento, sua música entrou em playlist de descoberta do Spotify e alcançou números expressivos nas plataformas de streamings. Além de chamar a atenção de admiradores da música independente brasileira. Clara Bicho saiu em nossa lista de indicações do ano passado, veja aqui.
“Você solta a música na internet, vai fazendo chegar até as pessoas e elas vão te achando. […] A Ana Frango Elétrico me seguiu, eu surtei. Porque é uma grande inspiração pra mim”, conta.
A artista parece ser o retrato de seu público jovem, com referências que vão desde Marcos Valle a Ana Frango Elétrico. Sua combinação entre as experiências pessoais com sintetizadores e grooves dançantes, fazem suas músicas soarem como uma mistura de lo-fi, indie pop e dream pop. Como em seu segundo e mais novo single, Luzes da Cidade, com um estilo sonoro que lembra o imaginário.
Muito se deve a sonoridade, mas também a forma suave que canta e o visual que transmite em suas capas, de produção própria. Essa estética lembra por vezes artistas como Terno Rei e Gab Ferreira, também presentes da cena independente brasileira. E talvez isso explique o porquê foi nomeada como Clairo de BH por seus seguidores no Twitter, artista com a qual seu trabalho se assemelha.
Entre conversas sobre o surgimento de seu nome artístico, futuro, geração Z e Twitter, ela nos contou que planeja lançar seu EP ainda este ano. “Acho que guardei minhas melhores músicas para o EP. A sonoridade vai ser bem similar ao que já estou fazendo, mas queria mudar um pouco. […] Inclusive, tem algumas participações de artistas que estou toda animada. Estou tentando agilizar as gravações pra sair até antes do meio do ano, mas não garanto nada”.
Confira nossa conversa com Clara Bicho.
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Minuto Indie: Para começar a nossa conversa, conta um pouco sobre a sensação de colocar uma música no mundo.
Clara Bicho: Já tinha um tempo que eu estava escrevendo algumas músicas, uns 3, 4 anos ou até mais. Mas eu nunca pensei em lançar, pra mim era uma coisa muito distante. Não achava que era uma coisa possível, sendo artista independente. E depois que o meu irmão, Gabriel Campos, começou a lançar suas músicas, ele começou a me incentivar e dar força. Não só ele, mas outros artistas e amigos. Aí comecei a gravar e lancei muito despretensiosamente, sabe?
Na verdade, quase não lancei Tarde. Eu estava bem insegura. A música estava pronta e eu pensava que tinha coisas para arrumar. Mas sabia que era bom o suficiente para lançar, mas não tinha certeza, pois nunca tinha lançado. Mas depois que lancei, tive uma sensação muito boa de pensar que eu estava conseguindo concretizar uma coisa que eu já queria fazer há muito tempo, que era lançar as minhas músicas. Na primeira semana que eu lancei, não tinha plays, não tinha entrado em playlist, nem nada. Mas eu já estava feliz de conseguir fazer uma coisa que é minha e que eu fiz por mim.
Minuto Indie: E depois de lançar, qual o sentimento de ver as pessoas compartilhando e falando das suas músicas? Incluindo pessoas que você é fã, como a Ana Frango Elétrico, que te seguiu no Twitter.
Clara: Incrível. Primeiro, porque eu nunca imaginei que isso fosse acontecer. Só pensei que, como eu gosto de música, escrevo, toco e canto, então vou lançar. Depois que eu comecei a ter esse reconhecimento, fiquei muito feliz. Nunca esperei que isso fosse acontecer. Eu sabia que estava bem feito e legal, mas foi surpreendente. Acho que muito disso acontece a partir das primeiras pessoas que vão gostando. Você solta a música na internet, vai fazendo chegar até as pessoas e elas vão te achando.
Qualquer pessoa que manda qualquer coisa falando que gostou ou que está ouvindo minhas músicas, me deixa muito feliz. Tem aquele aplicativo do Spotify que falou quantas pessoas estão ouvindo sua música – o Spotify Wrapped -, e eu acho o máximo quando eu abro e vejo que tem uma pessoa não sei onde, escutando a música que fiz. E a Ana Frango Elétrico me seguiu, eu surtei. Entrei em surto, porque é uma grande inspiração pra mim.
Minuto Indie: Tarde foi sua primeira música lançada. Você tinha outras músicas engavetadas ou essa foi a primeira?
Clara: Tinha muitas músicas que havia escrito.
Minuto Indie: E por que Tarde foi a música escolhida para ser sua primeira e te lançar como artista?
Clara: Antes de lançar Tarde, eu tinha gravado acho que umas 2 músicas. Uma que eu terminei de gravar, mas achei que não estava boa. E umas outras duas que eu larguei no meio, porque não estavam boas mesmo. Achei as músicas que eu estava gravando muito pra baixo. Aí pensei em fazer uma música menos pra baixo. Alguma música que eu penso que alguém queira escutar. [risos]
E aí eu escrevi Tarde, acho que no meio do ano passado. E foi muito assim, como eu falei, despretensiosamente. Não tive um grande pensamento, um grande planejamento, só meio que foi. Quando comecei a gravar, não detestei igual às outras e pensei que dava pra continuar. Então foi uma coisa bem natural.
Minuto Indie: Além de Tarde, você lançou recentemente Luzes da Cidade. Pra você, o que elas tem que faz você pensar “ok, essas músicas são minhas”? Algo nelas que você enxerga como sua identidade?
Clara: De primeira, só de pensar nela, voz e violão foi o jeito que eu escrevi no meu quarto. São coisas que são muito pessoais na minha vida. Por mais que às vezes não pareça, olhando a letra. Mas são coisas que eu escrevi sobre a minha vida e sobre momentos que eu estava passando. Então, aí já tem uma coisa que é pra mim, que eu sei o que rolou, né? Eu sei o que aconteceu na minha vida. Acho que primeiro tem essa parte da própria composição. Mas falando do arranjo, talvez tenha algumas características. O sintetizador, posso falar que é meu instrumento principal. O baixo, foi o Fernando Bones que fez e eu pedi pra ser dançante. A produção do Gabriel é incrível.
Em Luzes da cidade, teve o Guilherme, do Chico e o Mar, que participou também na mix. Então, por ter o mesmo grupo de pessoas tocando e fazendo arranjo, tem as semelhanças que vão sendo construídas.
Minuto Indie: Você escreveu um livro de poesias chamado Bicho em 2020. Seu nome artístico vem a partir daí ou de antes?
Clara: Isso também é uma coisa muito despretensiosa. Quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, criei um Instagram de arte pra colocar minhas pinturas, meus desenhos e tal. E eu queria que não fosse Clara, queria que fosse uma coisa não identificável. Que deixasse a dúvida sobre quem estava fazendo. Só queria que fosse uma coisa abstrata. E aí botei o nome de bicho, não tinha Clara. Com o passar dos anos, acho que em 2020, fiz alguns trabalhos de arte aqui em Belo Horizonte e as pessoas começaram a me chamar de Clara Bicho. E eu achei engraçado, zoada, meio bobo, e gostei. E aí eu mudei meu nome de usuário [das redes sociais] para Clara Bicho.
Minuto Indie: E como é seu processo de escrita e suas inspirações?
Clara: Atualmente só estou escrevendo músicas. Tive que dar uma pausa até de desenhar, porque eu trabalho e não tenho muito tempo. Então tive que focar. Se eu quero fazer músicas, tenho que focar nas músicas. Mas eu sempre gostei de escrever poesia e prosa também, só que é muito mais difícil. Sempre escrevi sobre a minha vida e sobre os meus sentimentos. É bem clichê, todo mundo escreve sobre isso, né?
Mas sobre escrever as músicas, é engraçado porque acontece uma coisa diferente comigo, a minha letra vem depois. Eu pego o violão, fazendo qualquer progressão de acorde que eu acho bonito, e faço a melodia com a letra junto. Muita gente faz separado, né? Na minha cabeça, eu não sei porque, vai junto. Então assim, a primeira frase que eu mandar, vou ter que terminar a música a partir dela.
Minuto Indie: Você fez um vídeo para o TikTok, divulgando seu primeiro single, que hoje tem mais de 140 mil visualizações. Queria saber se você se vê como uma artista da geração TikTok ou da geração Z?
Clara: Ah, acho que não, sinceramente. Inclusive não gosto de TikTok. Assim, adoro o TikTok e sou viciada, infelizmente. Mas eu não sou uma pessoa que tem facilidade de produzir esse tipo de conteúdo. Inclusive, acho que o meu maior alcance vem do Twitter. Porque aí, infelizmente sou tweetera, não teve jeito. Mas acho que o que pega de verdade, é que sendo uma artista independente, eu pensei em como divulgar a minha música e quais ferramentas eu tenho para isso. E são as redes sociais, em primeira instância. Que é mais fácil de usar. Então é um trabalho pensar que vídeo eu vou fazer, qual tuíte e qual dia eu vou postar, porque às vezes eu tenho uma ideia e falo “nossa, isso aqui vai hitar”. Mas aí eu guardo, porque já falei demais [no Twitter].
Então eu acho que, às vezes, as pessoas falam esses termos como se fosse uma bobagem, né? Mas na verdade é uma ferramenta de trabalho. No meu caso, sendo artista independente, como as pessoas vão ouvir minha música se eu não ficar lá pedindo pra escutarem? Então, não rejeito esse nome, mas também não vou dizer que abraço. Acho que todo mundo está tentando se virar. Talvez se existisse isso 30 anos atrás, as pessoas fariam a mesma coisa.
Minuto Indie: Então a gente não pode esperar por uma dancinha no TikTok? [risos]
Não, infelizmente. [risos] Quem sabe um dia.
Minuto Indie: Os 2 singles que você lançou deixou todo mundo com vontade de te ouvir mais. O que podemos esperar depois desses ótimos lançamentos?
Clara: Eu acho que eu guardei as minhas melhores músicas para o EP, coincidentemente ou não. Tem música que eu escrevi em janeiro de 2022. Inicialmente eu queria fazer um álbum, porque a ideia era ter 10 músicas, mas dividi no meio. Então vão ser 4 ou 5 músicas. Com certeza, a sonoridade vai ser bem similar ao que já estou fazendo, mas eu queria mudar um pouco. Não sei nem dizer qual gênero de música ou qual influência. Mas dessas composições que eu separei, algumas eu escrevi pensando em ter uma sonoridade um pouco diferente do que eu fiz nos 2 singles.
Quero uma música mais dançante e outra que tenha mais guitarra. Inclusive, tem algumas participações de artistas que estou toda animada. E um dos motivos que eu quero essas participações é pra deixar o som um pouco diferente. Já estou tentando agilizar as gravações pra sair até antes do meio do ano, mas não garanto nada. Acho que quem gostou dessas músicas, provavelmente, e espero, vão gostar do EP.
Minuto Indie: Pensando em suas projeções futuras, onde ou o que te faria se sentir realizada enquanto artista?
Clara: Olha, honestamente, eu já me sinto realizada. Só de ter conseguido me organizar e trabalhar para começar a lançar minhas músicas. Mas acho que uma coisa que vai me deixar mais realizada ainda, é o que já está acontecendo, de poder me conectar e fazer música junto de outros artistas, artistas que eu gosto muito e amigos que também são músicos.
Acho que no futuro eu vou ter outras coisas que vão me realizar, que vou pensar sobre em algum momento. Mas, atualmente, acho que se eu conseguir lançar o meu EP, e vou conseguir pelo amor de Deus, já vou me sentir muito realizada.
Minuto Indie: Adorei sua resposta. Agora fazendo uma pergunta mais leve, pensando que você pode escolher qualquer música do mundo pra chamar de sua, que música seria essa?
Clara: Meu Deus, que pergunta difícil. Com licença, vou abrir minha playlist no Spotify, para ver se eu consigo dar alguma resposta, porque são muitas. [risos]
Ah, já sei, vou escolher minha resposta, mas assim, considerando que tem mais umas mil respostas que eu gostaria de dar, uma música que eu acho incrível é Lindo Lago do Amor, do Gonzaguinha. Eu adoro a letra dessa música, porque é uma coisa meio lúdica, sabe? Eu queria ir pra lá. Eu escuto pensando nisso. E o arranjo da música também, porque ele lançou nos anos 80. Acho incrível o sintetizador que ele usa. E todas as músicas do Lô Borges. Esses dias eu e meu irmão estávamos ouvindo uma música dele, era Vento de Maio. Você pensa, como é que o cara escreveu isso?
Minuto Indie: E se você fosse descrever sua música em uma comida, qual seria?
Clara: Olha, eu acho que talvez uma comida colorida, né? Um doce. Poderia ser aquelas jujubas coloridas que vem no saquinho. Que tem nas festas das crianças. É, acho que eu vou ficar com a jujuba.
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Ouça Tarde e Luzes da Cidade de Clara Bicho aqui.
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