O impressionante ano de 2023 na música brasileira

2023 foi um ano seminal para a música brasileira. Tenho certeza que daqui a 20, 30 anos, quando olharmos pra trás e procurarmos todos os grandes lançamentos de ’23, as pessoas vão ficar embasbacadas. “Como pode TANTO álbum bom, diferente e influente, ter sido lançado nesse ano?” Difícil não ficar com essa impressão.

Vamos lá: o pop br se estabeleceu definitivamente com uma quantidade brutal de álbuns mainstream (e mais outros que servem para construir o que mainstream vai absorver daqui a alguns anos). O rap e seus subgêneros estão muito bem, obrigado, e diferente de lá nos States, o marasmo parece passar longe do que é feito aqui. Do samba, rock, mpb, tivemos resgates, reinvenções e reverências. Além de novas fusões e criações que não param de aparecer.

Aqui separamos 20 discos que conseguem exemplificar muito bem o que foi descrito agora, mas podia ser mais, BEM MAIS (vai que rolar alguma outra lista, nunca se sabe… ^^). Em todo o caso, pra quem não ouviu tudo da lista, é bom começar o ano dando check em coisas que de uma forma ou outra podem ter passado batido por você, duvido que você vá se arrepender, tá filé demais essa seleção. E que venha mais assim em 2024! Confira a nossa seleção com os melhores álbuns nacionais de 2023.

Àiyê – Transes

Larissa Conforto, a vibrante e exploratória artista conhecida como ÀIYÉ, entrega uma jornada sonora que transcende fronteiras, influências e vivências com seu inquietante segundo álbum solo, “Transes”. Com conceitos musicais estéticos, rítmicos e poéticos que ligam a umbanda a abordagens pop fora do comum, o sucessor de “Gratitrevas” se revela uma grande riqueza de experiências expansivas, em comparação ao que ela já havia apresentado anteriormente. Cada faixa traz sua habilidade refinada em criar estruturas desafiadoras, que assim como sua imagem de capa, parece um reflexo da estética pós-internet, onde a fusão de elementos culturais é natural (e essencial) para a montagem de uma expressão artística única e inovadora. Poucos artistas conseguem subverter as convenções musicais como ÀIYÉ faz aqui, é só isso, já torna essa uma das obras mais fundamentais dessa década.

Ana Frango Elétrico – Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua

Ana Frango Elétrico não mede esforços para que sua música cada vez soe maior. E isso não é uma questão de megalomania. Mas sim de carisma. Ela precisa de mais instrumentos, novos ritmos, produção mais robusta, que ajudem sua música a ser mais colorida, vibrante e apaixonante. E parece que ainda assim, parece pouco para conter toda a energia e carisma que ela imprime, como se ela fosse máquina natural carisma e divertimento. Assim como grandes nomes da nossa música que entendiam de balanço: Tim Maia, Rita Lee, João Donato. E dá para citar os que ainda estão conosco, como Jorge Ben Jor, Gil, Marina Lima. Combinando elementos do rock, jazz, MPB, AOR, disco e funk setentista, é um disco que exala alegria em sua  produção cuidadosamente elaborada e nos arranjos hiper criativos. “Me Chama de Gato que Eu Sou Sua” é Ana no seu mais exuberante, mas ainda dando espaço para imaginar o quanto mais ela pode nos oferecer.

Bel Medula – A Dança do Caos

Um dos projetos BR mais audaciosos do ano, Bel Medula e seu “A Dança do Caos” é um surtante frenesi synth pop eletrônico explorando as dualidades da existência. A partir de reflexões sobre: experiências pessoais, o cenário conflituoso do Brasil em anos recentes e os eternos altos e baixos que a vida nos reserva, o disco com produção João Milet Meirelles (conhecido por seu trabalho com BaianaSystem) nos faz trafegar por uma variedade de climas que vão do indie pop, ao techno e guitarras punk, passando por grooves pegados e batidas inspiradas nos anos 80. Ou seja, para além de mera audição escapista, “A Dança do Caos” é um trabalho que nos permite constantemente vivenciar uma vibe, mesmo que aliado a isso venha acompanhado dos mais diversos sentimentos e questionamentos. Daqueles álbuns que quando termina, a mente continua a trabalhar arduamente sobre o significado do que você acabou de presenciar.

Bixiga 70 – Vapor

“Vapor”, o quinto álbum da big band Bixiga 70, nasce como um frescor revigorante para o grupo, cinco anos após o lançamento de “Quebra-cabeça”. Emulando uma verdadeira odisséia de grooves afro-brasileiros, “Vapor” se mostra uma baita metamorfose em questão de como o Bixiga abordava seu som, incorporando elementos eletrônicos, de piseiro e techno-brega as jams jazzísticas com toques de afrobeat já características do projeto. É maior, mais rico em ideias, com arranjos mais intrincados, até por que não dizer, épico em determinados instantes. Se a sonoridade do Bixiga sempre foi um desbunde, aqui ela transcende e alcança patamares mais ambiciosos, o que soa um caminho natural para um dos projetos musicais mais singulares do Brasil nas últimas décadas.

Bruno Bruni – Broovin 3

Bruno Bruni sabe como reverenciar o passado e criar uma marca MUITO particular com sua experiência musical. Aqui temos um álbum que desafia convenções e transcende limites estilísticos. “Broovin 3” traz sete faixas arrojadamente criativas em abordar os mais diversos cenários jazzísticos: do funk à música brasileira, com claras referências a Marcos Valle, Hermeto Pascoal, Azymuth e outros gigantes de nossa música, além de sempre ir pincelando a obra com texturas pop, “Broovin 3” destaca a sensibilidade de Bruni na criação de arranjos detalhados, entendendo como nos fazer sentir numa imensa viagem nostálgica, mas que não se contenta em viver do passado: ele sabe como é necessário dialogar com o presente, para tornar sua música tão inspirada e reverberante quanto os clássicos que nós tanto admiramos. E ele consegue ser certeiro aqui!

dadá Joãozinho – tds bem Global

Em seu fabuloso álbum de estreia, “tds bem Global” (2023), dadá Joãozinho emerge como um arquiteto sonoro sem fronteiras, construindo um panorama musical onde reggae setentista, hip hop experimental nova-iorquino, punk e brasilidades coexistem numa inesperada (mas muito bem vinda) harmonia. O título tem um efeito duplo: de desejo por parte do artista também como uma ponte para explorar os diversos caminhos que se abrem a partir de seu próprio universo sonoro. Ácido, sensível e ávido pela liberdade, o álbum é um misto de expressão individual com narrativa coletiva, que condensa décadas de referências, ritmos e preferências de uma forma cativante.

FBC – O Amor, O Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta

Que carreira formidável vem construindo FBC! Com uma versatilidade monstruosa para se redefinir em cada um de seus novos projetos, ao mesmo tempo que cria uma persona muito identificável que liga cada um deles de forma habilmente harmônica. Aqui a idéia é ser conceitual, grandioso, mas ao mesmo tempo mais despretensioso do que nunca. Pra muitos artistas a quantidade de faixas, a sutileza necessária para trafegar entre “conceito x diversão”, a variedade enorme de estilos, tudo isso e mais poderia ruir por terra e criar um Frankenstein sonoro. Só que talvez até por como sua discografia foi sendo guiada, esse parecia ter sido o trabalho ideal nessa altura da trajetória de FBC. Hip-hop, R&B, experimentações eletrônicas que desafiam as expectativas da cena musical brasileira contemporânea, com um disco que ainda consegue falar sobre amor, perdão, espiritualidade, a evolução da cultura e a complexa relação humana com a tecnologia de um jeito profundo? Um registre que nasce atemporal e coloca seu criador entre os grandes de sua geração.

Fleezus – OFF Mode

Em “OFF Mode”, Fleezus desafia os limites do rap contemporâneo brasileiro. Desde que começou a incorporar a estética minimalista e as dinâmicas caóticas do grime britânico ao trap/rap feito no Brasil (ajudando assim a nascer o Brime), Fleezus tem mostrado que ainda é possível revigorar um gênero que em seu mais mainstream, tem mostrado sinais de acomodação. O registro produzido em parceria com CESRV e Iuri Rio Branco, cria uma arquitetura sonora robusta: do rap clássico brazuca, passando por lo-fi e trap contemporâneo e experimentando nuances de jazz e soul. Tudo de maneira fluida, para nos guiar por uma narrativa que explora a mente de uma geração que está constantemente ligada, mas muitas vezes se sente desconectada. Tema difícil de ser abordado com a profundidade que necessita, mas a partir de Fleezus, com sua visão única e sem concessões, parece ser o porta voz natural para o trabalho…E QUE TRABALHO HEIN?! 🤟🏻🤟🏻

Holger – Más Línguas

A queridinha banda paulistana Holger, faz um retorno triunfante após cinco anos de ausência, com seu quinto álbum “Más Línguas”. Agora caindo dentro de ritmos mais solares, com guitarras tropicais, vibrações AOR, city pop e até experimentando influências caribenhas e africanas, o som do grupo consegue tanto abraçar um lado mais dançante, quanto também ser introspectivo quando precisa (a conceção da obra tem origem nas experiências vividas durante a pandemia de Covid-19). É uma dualidade que cai bem na banda, com temas e reflexões melancólicas, mas sem deixar a tristeza tomar conta. Ou seja, é daqueles discos que deixa a vida mais leve e te faz ficar com um sorriso estampado no seu rosto depois da audição. Forte candidato de trilha sonora indie do Verão 2024!

Kyan & Mu540 – UM Quebrada Inteligente

Explorando a essência da Baixada Santista, Kyan & Mu540 unem forças no EP “UM Quebrada Inteligente”, uma jornada musical que atravessa funk, drill e house. Com uma atmosfera descontraída – e que reflete muito a sintonia entre os artistas -, o EP destaca a relação simbiótica entre moda e identidade musical, desde a capa do álbum que faz homenagem a DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince, passando pelas citações de marcas como Nike, Mizuno e Oakley, até o lançamento do trabalho em Paris, durante a Semana de Moda. Grata surpresa de 2024 e que mesmo sendo um EP, tem muito mais estofo e potência do que muito disco completo que sai por aí.

Luiza Lian – 7 Estrelas / Quem Arrancou O Céu?

Luiza Lian criou uma verdadeira sinfonia  pop psicodélica com “7 Estrelas | quem arrancou o céu?”. Uma obra que entrelaça a tradição brasileira com a vanguarda do pop global, estabelecendo Luiza como uma figura singular no cenário musical moderno. As experimentações com sintetizadores e camadas sonoras evocam a estética de artistas como Tame Impala, FKA twigs, Grimes e St. Vincent, conectando as narrativas por meio de uma busca espiritual e cósmica. Luiza Lian se eleva, transcende e reinventa não só como artista, mas como vanguarda para o que o pop brasileiro pode construir agora e no futuro.

Marcelo D2 – IBORU

A obra de uma vida. O ápice de um artista. A reinvenção de um gênero. Passado, presente e futuro coexistindo através de sons, culturas, histórias e vidas. Um clássico moderno que vai influenciar gerações. Homenagem, devoção e evolução. Tudo isso e mais um pouco. Pode parecer exagerado, mas “IBORU” realmente tem essa força. Só que como todo trabalho que nasce destinado a ser grande, só o futuro para dizer o tamanho real que essa obra vai ter. Mas até lá, eu só tenho a te agradecer D2. O rap e o samba merecem DEMAIS o seu respeito!

Marina Sena – Vício Inerente

Muito se fala sobre a voz de Marina Sena. Memes vieram aos montes, quando ele refez as brincadeiras vocais de Gal Costa durante o show em homenagem a diva da música brasileira durante o The Town. Só que mais do que o fato de cantar bem ou não – que ela sim o faz, só que o problema do povão é que eles só aceitam timbres específicos como questão de beleza ou técnica, como questão de “qualidade” -, o lance é que justamente uma coisa que pode caracterizar bem “Vício Inerente”, é sobre ele de fato ter uma… “voz”. Se em seu primeiro álbum solo, Marina foi construindo uma persona, aqui ela testa possibilidades, ela abrange seu potencial. Na vibe de transformadoras recentes do pop como Caroline Polachek, Billie Eilish e Rina Sawayama, ela pega os sons mais brazucas possíveis (funk, brega, pagode baiano) e os subverte com o que tem de mais moderno e futurista na música atual. É justamente o fato de não replicar tendências, mas as moldar da forma que ela acha mais adequado a sua interpretação, que torna esse um trabalho com uma voz (leia-se PERSONALIDADE) forte. Definitivamente, um marco no pop brasileiro.

Mateus Fazeno Rock – Jesus Ñ Voltará

“Jesus Ñ Voltará” é uma obra que desafia a expectativa do ouvinte, corrompendo elementos musicais usuais para oferecer um repertório inovador e inconformista. Mateus Fazeno Rock cria canções poderosas, que servem como ferramentas de contestação para explorar o cotidiano da periferia de Fortaleza e refletir sobre temas complexos da existência humana, como dor, afeto e morte, a partir de personagens reais e marginalizados. Com participações poderosas de Brisa Flow, Big Léo e principalmente, Jup do Bairro, na já icônica faixa título, Mateus Fazeno Rock nasceu para arregaçar com o modus operandi do sistema. Se pra muitas pessoas é impossível aceitar que possa existir um astro de rock como ele, preto, pobre, periférico, o que dizer então de alguém que consegue também cutucar feridas e mazelas que ninguém parece disposto contestar? Um álbum urgente e impactante.

Pabllo Vittar – AFTER

“Noitada” foi um baita acerto. A energia clubber futurista aliado a pegada regionalista de Pabllo, fez dele uma reenergizada muito bem vinda na discografia da musa pop. Então como melhorar isso? Aumentando o volume e batidão do que já funcionava! Com um nome MA-RA-VI-LHO-SO para um disco de remix (não só pelo conceito dançante dele, mas pela própria sucessão do nome do primeiro álbum), aqui temos um singelo caso de aperfeiçoamento de uma fórmula, onde poucas vezes pode dar certo do “quanto maior, melhor”, mas que dentro da proposta da obra tudo cai como uma luva. Participações insanas, um som que aprimora tudo que já legal demais no anterior, uma sensação balada fritando na tua mente…Ufa! O folêgo até some só de pensar nisso tudo de novo. Apenas dê o play e se divirta pra caceta!

Rodrigo Ogi – Aleatoriamente

Rodrigo Ogi continua a desenvolver ser persona de cronista urbano da cena rap, no sagaz “Aleatoriamente”. Sob a produção de Kiko Dinucci, o disco destaca uma mudança criativa em relação aos trabalhos anteriores, incorporando elementos surrealistas transcendendo a realidade para uma abordagem mais imaginativa. Com temas como a luta diária, o caos social, violência e angústias cotidianas, suas letras mantém sua particular crueza poética, mas  agora mergulham em novas direções, ampliando os limites criativos do artista. Um trabalho coeso, profundo e envolvente que contribui significativamente para a rica tapeçaria musical do rap brasileiro contemporâneo.

Tagua Tagua – Tanto

Pensa em um disco DELICINHA DEMAIS de ouvir? Pois é exatamente isso que Felipe Puperi, o músico por trás do projeto Tagua Tagua, consegue num dos álbuns mais charmosos de 2023 (seja br, ou gringo). Num misto de pop psicodélico, R&B e neo soul e dream pop para incorporar elementos de R&B e neo soul, “Tanto” evoca os anos 1970, mas com uma abordagem contemporânea, de ambientação sutil, arranjos caprichosos e uma abordagem refinada que reflete a classe que ele alcança com a obra. Nostalgia modernosa ideal para embalar tardes ensolaradas à beira da piscina.

terraplana – Olhar Pra Trás

Que feito o terraplana conseguiu com sua reverberante estréia! Não imaginava que seria possível misturar MPB de Caetano Veloso e Os Mutantes com nuances de shoegaze (como My Bloody Valentine e Slowdive), dream pop (Cocteau Twins) e alternativo dos anos 90 (Radiohead e Sonic Youth). Criando uma síntese única, “Olhar Pra Trás” não apenas puxa fios do passado musical brasileiro e dos primórdios do indie, mas celebra a riqueza de experimentar essas uniões. Camadas hipnóticas de guitarra, atmosfera expansiva e celestial, paisagens sonoras etéreas…O que tem de melhor no shoegaze e dream pop, agora em versão PT-BR.

Urias – Her Mind

“Her Mind”, é um mergulho em sonoridades latino-americanas, eletrônica experimental, trance, hyperpop, dancehall, hip hop e house, mas também é uma afirmação de identidade, de luta, de representatividade, de uma mulher trans brasileira. Urias é poesia bruta, é porrada braba que te faz dançar e pensar. Com uma carreira já marcada por uma evolução artística notável desde seu álbum de estreia, “Fúria”, “Her Mind” só prova que estamos diante de uma cientista do Avant-pop sem frescuras e sem fronteiras e e 2023 foi um ano marcante para a renovação da música popular no Brasil, Urias marca seu nome com uma de suas maiores desbravadoras.

Xande de Pilares – Xande Canta Caetano

Imagina alguém resolver fazer um álbum de versões, mexendo em alguns dos maiores cânones da música brasileira e principalmente, quando as músicas escolhidas são de autoria de Caetano Veloso. Isso podia dar errado, e pra muita gente soar quase uma heresia da parte de quem teve essa idéia… Agora, quando falamos de um dos maiores sambistas das últimas décadas, que resolve fazer o caminho inverso de Cae (já que originalmente, ele fazia suas “versões” e “homenagens” ao sambas que tanto amava e admirava), bom, temos um dos discos mais BONITOS e EMOCIONANTES em forma de tributo que a música brasileira pode já ter visto. Com uma escolha sensível e fora do meio comum para quais músicas deveriam ser adaptadas, Xande faz um trabalho primoroso com arranjos, interpretações, melodias, que dão todo um novo mundo de significados a canções imemoriais da história do Brasil. Arte no seu estado mais transcendental.

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Autor

Escrito por

Pery Andrade

Ex-estudante de Cinema, além de comunicador, nerdola da música e criador de conteúdo desde 2014 no Canal Musicalize.