in the heights

O filme baseado no musical da Broadway, “In The Heights”, traz imigrantes latinos como protagonistas da história

 

O filme “Em Um Bairro de Nova York” (2021), conhecido pelo seu nome original “In The Heights“, é baseado no musical da Broadway vencedor do TONY, de ninguém mais, ninguém menos que Lin-Manuel Miranda. Se esse nome não lhe é familiar, Lin é também o autor responsável pelo fenômeno “Hamilton” e é compositor da trilha sonora da animação da Disney “Moana”. Além disso, Miranda ainda atua na série “His Dark Materials”, da HBO, e participou do filme “O Retorno de Mary Poppins”, onde estreou nas telonas.

 

Lin-Manuel Miranda e sua ancestralidade

In The Heights
Lin-Manuel Miranda na premiére de “In The Heights”

Antes de mais nada, é importante que eu faça algumas contextualizações, tanto da peça quanto da vida de Lin-Manuel. Lin é um compositor, dramaturgo, rapper, ator, produtor, roteirista, letrista e diretor (já dizia Aaron Burr: “The man is non-stop!”) novaiorquino de origem porto-riquenha, que cresceu no bairro de Washington Heights. Ele já ganhou diversos prêmios, entre eles um Pullitzer, um Emmy, um Grammy e três TONYs (sem contar suas indicações ao Oscar pelas suas composições em “Moana”, e pela parte técnica do filme “O Retorno de Mary Poppins”). Isso tudo com apenas 41 anos de idade, ou seja, o cara é um dos grandes gênios da sua geração.

Lin estreou na dramaturgia com um musical autoral, coisa que não é comum, não. Normalmente, os dramaturgos começam adaptando uma peça que já existe e depois, ao despontar na carreira, passam para um trabalho autoral. E não só isso, sua estreia com “In The Heights” levou Lin-Manuel Miranda à Broadway e lhe rendeu o TONY de melhor trilha sonora original e o Grammy de melhor álbum de teatro musical. Atualmente, Miranda compôs para a nova animação da Disney, “Encanto”, e está compondo novas faixas para a adaptação em live action de “A Pequena Sereia”, além de estar dirigindo seu primeiro filme, a adaptação da Netflix do musical “Tick Tick Boom”.

É importante ressaltar que o rap e o hip hop dos anos 90 são grande influências nas composições de Lin-Manuel e isso está evidente tanto emIn The Heights, quanto em “Hamilton“. Porém no primeiro, o rap vem acompanhado de uma carga cultural latina gigantesca, da qual Lin nunca fugiu. O compositor sempre falou com muito orgulho da sua origem latina, chegando à levar a peça “Hamilton” em seu cast original para o Porto Rico, em que o dinheiro arrecadado ia para instituições de caridade do país.

 

O enredo de “In The Heights” e a performance do elenco

“In The Heights” foi o musical de estreia de Lin-Manuel Miranda, que conta a história de Washington Heights, um bairro latino de Nova York. Acompanhamos o protagonista, Usnavi (originalmente interpretado pelo próprio Lin), um órfão imigrante da República Dominicana e dono de uma bodega (mercadinho, armazém). No filme, quem o interpreta é Anthony Ramos (de “Hamilton”, “Nasce Uma Estrela”), que já viveu Usnavi na Broadway e foi muitíssimo elogiado por Lin-Manuel em uma thread no Twitter muito fofa:

“Imagine que você comprou um par de sapatos de sapateado.

Eles são confortáveis e você nunca teve aulas, mas você os ama.

Você ama a música que você faz neles.

Sua fase do sapateado acaba.

Você guarda os sapatos em uma caixa no sótão.

Você cresce. Você tem uma família. Anos se passam.

Um dia você escuta o som dos sapatos vindo de um cômodo próximo.

Seu filho achou seus sapatos de sapateado.

Oh, a música que ele faz.

O sapato não é confortável. É perfeito.

E algo dentro de você muda e você percebe,

‘Oh, é por isso que você comprou os sapatos, e é por isso que você os guardou.’

De qualquer forma, esse foi o mais próximo que eu consigo descrever como eu me senti em ver Anthony Ramos interpretar Usnavi.” – Lin-Manuel Miranda (2018)

Usnavi trabalha na bodega que herdou dos seus pais, auxiliado pelo seu primo Sonny (Gregory Diaz IV), que também imigrou da República Dominicana. Usnavi foi criado pela Abuela Claudia (Olga Merediz), uma senhora cubana que nunca teve filhos e acolheu todo o bairro.

Kevin Rosario (Jimmy Smits, de “Brooklyn Nine-Nine”) é dono da empresa de táxi do bairro, onde trabalha Benny (Corey Hawkins, de “The Walking Dead” e “24 Horas: O Legado”), grande amigo de Usnavi. Benny não é latino, mas vive em Washington Heights e tem um crush em Nina (Leslie Grace), filha de Kevin. Nina faz faculdade em Stanford, sendo a única do bairro a ter passado para o ensino superior, mas que começa a sofrer com as indecisões do seu futuro.

O interesse amoroso de Usnavi é Vanessa (Melissa Barrera, de “Pânico 5”), uma cabeleireira aspirante à estilista de moda. Vanessa trabalha no salão de Daniela (Daphne Rubin-Vega, de “Sex And The City”), onde também trabalham Carla (Stephanie Beatriz, de “Brooklyn Nine-Nine”) e Cuca (de “Orange Is The New Black” e “Boneca Russa”).

Entretanto, o bairro está sofrendo diversas mudanças. Com o aumento dos preços dos aluguéis, muitos estabelecimentos de latinos estavam fechando. Rosario, por exemplo, vendeu parte do seu negócio para arcar com os estudos de Nina, e Daniela está se mudando do salão para outro bairro. A grande virada para Washington Heights é quando Usnavi recebe a informação que alguém comprou um bilhete premiado da loteria na sua bodega, tendo ganhado 96.000 dólares, o que gera o número “96,000”, em que a direção é T-U-D-O! Toda a coreografia na piscina, as cores vibrantes, a câmera passando por debaixo d’água para dar o efeito abafado na parte em que está todo mundo sussurrando na versão original, é tudo muito bem pensado e bem feito.

O filme também traz algumas participações especiais, como Lin-Manuel Miranda como o piraguero e Christopher Jackson (de “Hamilton”) como Mr. Softee. Os personagens fazem uma analogia lúdica à inserção forçada da cultura americana nos bairros latinos, concorrendo fortemente com elementos culturais locais, como a piragua (raspadinha de gelo com calda de frutas, típica do Porto Rico). No filme, Mr Softee é uma marca de sorvete que chega na cidade e vira concorrente do carrinho de piragua, mostrando o embate entre uma marca americana e um vendedor local.

O filme ainda trata de temas pertinentes e atuais como preconceito e a situação imigratória nos EUA, principalmente em relação aos imigrantes ilegais e a idealização do sonho americano. É muito interessante ver como isso é abordado em um filme leve e divertido.

Sobre a performance do elenco, eles entregam TUDO! Destaque para Anthony Ramos, que está super confortável no papel, Corey Hawkins, que traz um baita swing em todos os seus números, e Olga Merediz, que entrega uma performance emocionante.

 

A trilha sonora e sua relação com a cultura latina

A trilha sonora de “In The Heights” é esplendorosa, assim como “Hamilton”. Lin-Manuel Miranda consegue transpor muito bem sua ancestralidade latina associada à sua influência do rap americano dos anos 90. Ainda, Miranda consegue trazer momentos emocionantes como nas faixas “Breathe” e “Paciencia y Fe“.

A música de abertura, “In The Heights”, apresenta muito bem todos os personagens e a problemática do bairro, trazendo a narração de Usnavi em um dia na bodega. A sequência inicial do filme é muito bem dirigida e coreografada, trazendo 8 minutos de pura música. A Warner disponibilizou esse número no YouTube.

“96,000” é um dos grandes números do musical, e como já falei lá em cima, é um dos momentos mais grandiosos e divertidos do filme. Entretanto, outros números como “The Club”, “Blackout”, “When You’re Home” e “Carnaval Del Barrio” não perdem no quesito exuberância e coreografias intrincadas e cheias de latinidade.

Um grande trunfo do longa é a coreografia, acho que já deixei isso bem claro, que traz elementos culturais de diversos países da América Latina. Uma ótima ilustração disso é a faixa “Carnaval Del Barrio”, em que os personagens orgulhosamente expressam suas origens através da dança e suas bandeiras. Fun fact: é possível identificar uma bandeira do Brasil nessa cena!

“Alza la bandera

(Hasteie a bandeira)

¡La bandera Dominicana!

(A bandeira dominicana)

Alza la bandera

(Hasteie a bandeira)

¡La bandera Puertoriqueña!

(A bandeira porto-riquenha)

Alza la bandera

(Hasteie a bandeira)

¡La bandera Mexicana!

(A bandeira mexicana)

Alza la bandera

(Hasteie a bandeira)

¡La bandera Cubana!

(A bandeira cubana)

¡Pa’ribba esa bandera!

(Levante esta bandeira)

¡Álzala donde quiera!

(Hasteie-a onde quiser)

¡Recuerdo de mi tierra!

(Recordo da minha terra)

¡Me acuerdo de mi tierra!

(Me lembro da minha terra)

¡Esa bonita bandera!

(Essa bandeira bonita)

¡Contiene mi alma entera!

(Contém minha alma inteira)

Y cuando yo me muera

(E quando eu morrer)

¡Entiérrame en mi tierra!

(Me enterre na minha terra)

 

No trecho acima, podemos ver a paixão dos personagens pela sua terra natal e isso é um grande lance do filme. Em nenhum momento os latinos são retratados como pessoas que deixaram ou querem deixar seu passado e sua ancestralidade para trás. Também não colocam os países da América Latina como lugares ruins, tanto que Usnavi sonha em voltar a morar na República Dominicana. Assim como Nina sempre pensa em como seria a sua vida se não tivesse saído do Porto Rico. A América Latina é retratada com carinho.

O casting e sua problematização

O elenco de “In The Heights” é bem diverso, trazendo atores e atrizes de diferentes ancestralidades e nacionalidades. Stephanie Beatriz é descendente de colombianos, Melissa Barrera é mexicana, Leslie Grace é filha de dominicanos, Anthony Ramos e Lin-Manuel Miranda são descendentes de porto-riquenhos, entre outros.

Entretanto, quando o filme saiu lá fora, foi muito criticado pela falta de representatividade de como Washington Heights é hoje. Não estou falando que o casting não é diverso e nem representativo em relação à comunidade latina em geral. Estou falando de críticas feitas por quem mora no bairro hoje em dia, que não se viu representado no filme. De acordo com essas pessoas, o filme carece de uma representatividade de afro-latinos nos papéis principais, que é a maior comunidade em Washington Heights nos dias de hoje. A crítica não é em relação aos figurantes, já que são diversos também, mas em relação ao casting principal, em que apenas Benny é interpretado por um homem negro e na história ele nem é latino.

Lin-Manuel Miranda fez um pronunciamento no Twitter, concordando com as críticas e pedindo desculpas pela falta de afro-latinos no elenco principal. Confira abaixo:

 

Parece que a maioria do público aceitou as desculpas de Lin-Manuel, já que ele fez questão de reconhecer a falha e vem incluindo diversidade nos seus trabalhos, como em todos os castings de “Hamilton”. Porém, vale lembrar que ele não é o único responsável pelo filme. Os realizadores, e principalmente a Warner, deveriam ser alvo das críticas mais até do que Miranda.

De qualquer forma, é preciso deixar claro que o público não está “cancelando” “In The Heights” ou Lin-Manuel Miranda. O foco das críticas não é a qualidade do filme, ou como os latinos são representados. Com isso, o longa ainda pode ser apreciado como obra e como um grande passo da comunidade latina sendo representada com destaque em uma grande produção nos cinemas. Entretanto, sabemos que ainda é um longo caminho a ser percorrido e estou ansiosa para os novos projetos de Miranda.

“Paciencia y Fe”

 

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Autor

  • Juliana Guimarães

    Mestre em Microbiologia e doutoranda em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos, que nas horas vagas escreve no Minuto Indie e joga videogame. Tem PhD em Emo e Metalcore, é fã de carteirinha do My Chemical Romance e ama musicais. Nunca foi vista sem delineador 🤫

Escrito por

Juliana Guimarães

Mestre em Microbiologia e doutoranda em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos, que nas horas vagas escreve no Minuto Indie e joga videogame. Tem PhD em Emo e Metalcore, é fã de carteirinha do My Chemical Romance e ama musicais. Nunca foi vista sem delineador 🤫