Minha primeira Quase Resenha no blog já veio com um álbum que, além de ser muito bem produzido, me dá orgulho de ser da cidade em que moro. A Trupe Poligodélica, banda de rock psicodélico do Vale do São Francisco (para quem não sabe, é essa junção BA e PE dividindo Juazeiro e Petrolina por uma ponte) vem com seu segundo álbum, depois do A Transmutação do Eco em Lenda, de 2020.  Quem acompanha o canal já viu a banda por lá em um vídeo indicação, quem não viu/ouviu, chegou a hora!

A produção, gravação e mixagem é assinada pela banda e a masterização foi feita por Alejandra Luciani (que já trabalhou com Boogarins e Jadsa Castro, por exemplo).

O álbum Oroboros tem a ideia de ciclos e recomeços, com um conceito de eternidade vindo do próprio símbolo do encarte: o dragão ou serpente devorando a própria cauda (conhecido como ouroboros). O conceito de recomeços vem também em suas oito faixas e já começa animada e cheia de riffs com a Nanana Nanana que tem destaque para o dueto do vocalista Fatel e a cantora e compositora recifense Galvöao te convidando para ouvir todo o resto. Eles também repetem essa divisão de versos na Fusão de Horizontes. Temos as instrumentais Labirinto e 8, já a Umbilical USB III é uma mistura de instrumental com declamação de versos, quase como um conto/conselho. Essa é precedida da El Amanecer que destaca os vocais em sua primeira parte e ganha mais energia instrumental depois, terminando com um sample poderoso (de uma música ainda não lançada) da Galvöao, explorando elementos da natureza que se conectam com o início da Umbilical, com versos que dizem “Eu quero ouroborar, comer minha própria cauda e encarar a face de Deus”.

A arte de Matheus Zaroni e lettering de Mateus Fabreu (inclusive, ótimo tatuador pra quem der um pulo em Recife).

Esse lado conectado com a natureza pode ser muito bem explicado, já que o trabalho do álbum foi realizado em uma chácara de Petrolina, durante  quinze dias, agora em janeiro, e trouxe esse reencontro dos membros da banda, cheios de vontade de se expressar após meses de isolamento. Ainda temos a Cortes de Navalha à Fogo Lento, a mais parecida com o primeiro álbum e a Adachuva, primeiro single, que já ganhou clipe, gravado na mesma chácara, em P&B, mostrando os membros da banda tocando e cenas cotidianas. A voz poderosa de Fatel vai crescendo ao longo da faixa que contém várias metáforas, sendo a mais forte “tem chuva que chove garoa, e se eu viesse chuva era pra desabar”.

A Trupe Poligodélica mostra que sabe começar novos ciclos e projetos sem tirar a personalidade já conhecida no álbum do ano passado. Mas eles apontam diferenças cruciais entre os dois, em questões de seleção das músicas, a maneira como fizeram a composição e arranjos. A sensação que tenho é de evolução de qualidade mesmo.  E foi isso que senti no álbum. A própria capa aponta o início desse ciclo, ao deixar o lado mais ensolarado do A Transmutação do Eco em Lenda e sair do portal abaixo da escada como lua, representando o lado mais reflexivo e soturno do Oroboros. A banda consegue trazer um conjunto que nem todos conseguem: vocais, letras, instrumental e conceito artístico impecáveis. É por isso que até para os não muito ouvintes de psicodelia (como eu) vão se encantar pelo trabalho da Trupe.

Foto divulgação da banda
Victória Duarte (percussão e violino), Fellipe Melo (bateria), Fatel (voz e guitarra), Ciro Cavalcanti (guitarra) e Álvin Soares (contrabaixo e sintetizador) | Foto: Leonardo Monteiro.

 

Autor

  • Laís Jardim

    Pernambucana, no canal do Minuto Indie desde 2015 como roteirista, mas sendo fã de música desde sempre. Divide seu tempo como nutricionista, mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental e criando coisas pela internet, como o quadro Lailist e o podcast Clube do Bolo.

Escrito por

Laís Jardim

Pernambucana, no canal do Minuto Indie desde 2015 como roteirista, mas sendo fã de música desde sempre. Divide seu tempo como nutricionista, mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental e criando coisas pela internet, como o quadro Lailist e o podcast Clube do Bolo.