O Primavera Sound São Paulo 2023 marca a primeira vez que um festival no Autódromo de Interlagos dá certo

Sem filas, sem precisar andar 30 minutos de um palco pro outro, sem atrasos, sem uma roda gigante pra tropeçar no meio do caminho, com muita água gelada de graça e, claro, shows ótimos. Pra ser melhor que o Primavera Sound São Paulo 2023, só voltando no tempo pra viver o Distrito Anhembi em 2022 de novo.

Vocês devem ter lido por aí, porque todo veículo parece só saber dizer isso, mas o Primavera Sound São Paulo conseguiu mudar de casa e continuar sendo um festival de música. Foi, mais uma vez, daqueles festivais que te instigam a explorar, a sair na metade dos shows pra ver o que tá rolando no outro palco, a assistir artista que não conhece bem. Mesmo que o The Killers de headliner pareça dizer o contrário. 

Sabemos bem que isso anda cada vez mais difícil pros festivais internacionais no Brasil. A gente segue caindo nos mega eventos pra 100 mil pessoas e o número de artistas que 100 mil vão curtir não varia tanto assim, vamos combinar. Então ter uma média dos 50 mil pessoas por dia, que foi o público dessa edição do Primavera Sound São Paulo, abre uma margem pra explorar (e dar umas conformadas, trabalhar com o que tem, também). Mas vamos dar dois passos atrás. 

Na cidade (de São Paulo)

O Primavera Na Cidade é a programação do festival antes do festival. Foram três noites com shows divididos entre Cine Joia e Áudio. Diferente do ano passado, a prioridade de retirada de ingressos foi pra quem adquiriu o ingresso passaporte (pros dois dias de festival) e só depois abriram as venda gerais. Resultado? Shows lotados.

Tem show que funciona melhor num espaço pequeno, escurinho, abafado (mas não precisava ser tanto também, Cine Joia) e próximo. O show de Terraplana e Slowdive foi um desses casos. Mesmo com a vocalista Rachel Goswell sem cantar por problemas de saúde, o Slowdive fez um show lindo. E o Terraplana também, comovendo a galera a tentar registrar até num Nintendo DS.

Só não foi mais lindo que o Black Midi. Que emoção ver as músicas da banda ganharem e perderem corpo ao vivo. Eles conseguem fazer um som desconstruídaço parecer pop. É quebradeira até soltarem um cover de Franz Ferdinand ou Daft Punk, como rolou na quarta-feira. Tem algo de especial num show que você pode até encontrar um controle de PS4 no meio do mosh. Em dupla com a Pluma, esse foi o show de abertura do Primavera na Cidade e eles não poderiam começar de um jeito melhor. 

No Autódromo (de Interlagos)

E falando em Black Midi, foram eles que praticamente abriram o Primavera Sound São Paulo 2023 no Autódromo. Sob o sol rasgando das 13 horas, eles fizeram um show enxuto, mas sem perder a graça. Inclusive fizeram a alegria dos fãs ao tocar o hit bmbmbm ao vivo, como raramente fazem. 

Aliás, essa combinação de sonzeira com sol nem sempre casou. Dorian Electra e Slowdive, por exemplo, ficaram meio deslocados durante o dia. Enquanto artistas como Soccer Mommy, El Mató a Un Policia Motorizado e Marina Sena combinaram perfeitamente. 

A Róisín Murphy, irmã de alma de J.K. Rowling, fez geral dançar com um show criativo, tecnológico e hipnotizante. Um contraste enorme com o show introspectivo da banda de shoegaze Just Mustard, que inclusive a gente indicou no YouTube em 2019. Ambos funcionariam melhor durante a noite, mas nem por isso perderam o posto de melhores do festival.

Os artistas brasileiros, em sua maioria, seguiram o padrão de tocarem nos horários mais cedo nos palcos principais. Sophia Chablau e Uma Enome Perda de Tempo, Mateus Fazeno Rock, Edgar e Nelson D, ÀIYÉ, Getulho Abelha e mais uma galera abriu o evento e conseguiu cativar quem topou chegar em Interlagos às 12h. Mas alguns nomes foram pra noite, como Marisa Monte e MC Bin Laden com MC Mari. O show do MC Bin Laden, inclusive, foi um dos mais legais do festival. Na ausência de Damon Albarn e seus companheiros de Blur, valeu muito a pena perder um pouco do The Killers pra ver o MC Bin Laden cantar Controllah, seu single com o Gorillaz, além de hits como Shake It Bololo.

Para a próxima, talvez seja interessante pensar em distribuir mais palcos com diferentes capacidade, como costuma acontecer na edição de Barcelona. É uma alternativa pra fugir do hábito de colocar os artistas independentes brasileiros tão cedo na programação. Mas isso é papo pro futuro.

O prêmio de grande surpresa da edição vai pro TNT Club. Mudando o formato de palco da edição passada, desta vez a programação eletrônica foi em uma arena, como acontece na edição espanhola do festival. A demanda foi tanta que às vezes eram formadas filas enormes para conferir os shows ou DJ sets que aconteciam por lá. E que curadoria incrível assinada pela Bananas Music. O combo Urias + MU540 foi um dos mais disputados e a MC Carol lotou o espaço tocando no mesmo horário que o The Cure. Dá pra ver que o papo de que brasileiro não quer ver artista brasileiro tocando em festival com atração internacional não cola mais.

 

Febre 90’s no TNT Club. Foto: Divulgação

Que delícia o verão, disse Marina Sena (do Rosa Neon)

O Primavera Sound São Paulo 2023 foi mais um evento em que as marcas só funcionam bem quando estão oferecendo um serviço. A Neutrogena e seu protetor solar, os drinks e bucket hat da Jameson… Apesar da Hellmann’s meter um totem gigante de maionese num dia de 35°C, uma ação no mínimo arriscada. Não adianta o stand enorme pra girar a roleta de brinde e atrapalhar o fluxo. 

Dessa vez ele veio. Cacique Cobra Coral estava ao lado da Times For Fun e de todos nós que pisamos naquele festival. O céu estava lindo, o que deixou o evento ainda melhor – porque Interlagos com chuva é receita pra desastre, todo Lollapalooza e, agora, The Town que o diga. Mas, pra uma próxima, se puder brilhar um pouco menos vai ser ótimo. Escrevo enquanto me recupero de uma leve insolação, mesmo com a distribuição de protetor e água, e não tô pronta pra isso de novo. É necessário pensar em mais lugares com sombra e descanso pra fugir tanto do sol quanto de possíveis chuvas nas edições futuras. 

Falando em água, nunca vi tanta gente se hidratando em um evento quanto nesse Primavera Sound São Paulo. Os pontos de distribuição próximos dos palcos mudaram a experiência do festival pra melhor. Diante daquele calor, com menor consumo de água, poderíamos ver resultados lamentáveis. Mais uma vez. Porque é importante lembrar que essa mudança pra distribuição de água gelada gratuita – pra além dos bebedouros que também rolaram ano passado – tem relação com o descaso da Time For Fun e a resultante tragédia durante os shows da Taylor Swift no Brasil.

Mas a passagem de bastão do Primavera Sound São Paulo da Live Nation pra Time For Fun foi bem sucedida. E a mudança do Distrito Anhembi (saudades, Palco Elo) pro Autódromo de Interlagos, surpreendentemente, também funcionou bem. É difícil conversar com quem foi ao Primavera Sound São Paulo 2023 e que não tenha gostado. Valeu a pena e nos encheu de esperança pra um futuro com mais festivais de médio porte. Dá pra trazer atração internacional sem ser pra 100 mil pessoas e abrir espaço pros menores brasileiros no processo. Popload Festival, Balaclava Fest e C6 Fest que o diga.

O Primavera Sound São Paulo 2023 mal acabou, mas agora a cabeça já está no ano que vem: a próxima edição foi confirmada para 30 de novembro e 1 de dezembro de 2024. Que comecem os lineups fakes. 


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Autor

Escrito por

Maria Luísa Rodrigues

mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.