Nem só de K-Pop vive a indústria musical sul-coreana

Era 2015 quando uma parcela considerável dos indies brasileiros ficou sabendo do grupo sul-coreano Hyukoh, aquela coisinha gostosa de ouvir, um indie dos indies, guitarrinhas dançantes com a voz suave do vocalista que encantavam qualquer um que falava ou não coreano, como na faixa Comes and Goes. Eu fui parte dessa galera e a gente chegou a indicar o som deles em um vídeo do Minuto Indie, provavelmente em uma das várias edições do 6 bandas gringas para você prestar atenção. Em um contato anterior, também rolou a descoberta do grupo de rap Epik High quando Fly entrou na trilha do jogo FIFA 07. O que eram para ser ótimas oportunidades para mídia brasileira começar a falar de mais artistas indie ou de hip hop da Coreia do Sul, acabou ficando por aí mesmo. 

Mas eventualmente mudanças aconteceram para a música sul-coreana e seu sucesso internacional. O K-Pop foi ganhando novas proporções nos Estados Unidos a partir de 2017 com a ascensão do grupo BTS (Bangtan Sonyeondan) andando nos degraus traçados por artistas como PSY, IU e o grupo EXO e ultrapassando os lugares alcançados anteriormente. Foi aí que a imprensa foi obrigada a finalmente levar essas produções a sério e ainda mais gente acabou conhecendo e se interessando pela música da Coreia do Sul. Mas a galera de fora dessa indústria ou independente – contemplando quem faz um som do chamado indie mas que não é de verdade independente – ainda segue um pouco escondida nessas publicações, como sempre ficam aqui ou em qualquer lugar do mundo.

Por isso compilamos estes nomes que nem são da galera underground, mas que podem ser uma boa introdução para te fazer sair da bolha da América do Norte, Europa e Oceania. Uma oportunidade para conhecer músicas para além do inglês e sair da preguiça de ler umas traduções online. Pode deixar que no final tem playlist pronta com o crème de la crème dos artistas mencionados e mais alguns bônus. E fica esse vídeo aqui como uma reflexão também (autopubli). 

Se So Neon

Essa lista não vai ser nada imparcial, começando por essa que além de ser a melhor – com julgamento pessoal explícito – também é um dos maiores representantes deste novo indie sul-coreano. Se So Neon é um trio de indie rock que estreou em 2016 e é liderado pela Hwang So-yoon – que também tem um projeto solo incrível e até feat com o cantor tailandês Phum Viphurit.  Este é um som para fãs de um rockzinho lo-fi, às vezes melancólico, mas sempre com uma vibe nostálgica que você não sabe bem nostalgia do que. É para quem curtia Mac DeMarco antes daquele último disco ruim – e para quem gostou da Hyukoh em 2015. Às vezes com mais guitarras e outras com violões, o som do Se So Neon sempre é muito imersivo, parece a música ideal para andar no carro ou ônibus com a janela aberta e o vento na cara fingindo que está em um clipe. Existem várias sessions e shows da banda disponíveis para ver pelo YouTube e se perder por horas, mas para os apressados a apresentação deles no SXSW do ano passado é curtinha e intimista o suficiente para conquistar. Vale também olhar as letras das músicas que são escritas pela vocalista, como a do seu último e impecável single Jayu, que conta uma versão do clipe com o filme indicado ao Oscar “Minari” e outra com o ator Yoo Ah-In. Para quem gosta de saber umas curiosidades mais da indústria, eles ganharam os prêmios de Rookie do Ano, tipo nosso artista revelação, e Melhor Música de Rock do Ano no Korean Music Awards em 2018. Seu último álbum “Nonadaptation” também entrou na lista de melhores discos de rock de 2020 da Pitchfork e também fez seu lugar no meu top 10 apresentado n’O Podcast do Minuto Indie

 

pH-1

Pulando para o KHH (o jeito que os íntimos chamam o Korean Hip Hop/Hip Hop Coreano), o pH-1 é um dos caras mais interessantes e seu som tem de tudo pra todo mundo. Tentei muito fugir disso, mas chill provavelmente é uma boa forma de descrever o trabalho de Park Junwon, conhecido também por Harry Park. Ele já usou o termo “rap ASMR” para se referir ao tipo de música que faz, então já dá pra ter uma ideia. Ele se autointitula um homebody e tem até música com esse título, além de mais faixas como antisocial, nerdy love e só as melhores do compilado cara-que-não-sai-de-casa-a-não-ser-por-obrigação. A Coreia também tem love song e o pH-1 é mestre, algumas meio cringe mesmo mas a gente finge que não, pode se jogar em Like Me e DVD sem medo. Mas ele sabe ser divertido quando quer, é o caso de músicas como Pack It Up e a meio duvidosa com inspirações latinas mas chiclete Teléfono. Fãs de reality show também podem procurar vídeos da sua participação no Show Me The Money 777, que acabou perdendo nas semifinais. Mais um detalhe: ele faz parte da H1GHR MUSIC, uma gravadora/coletivo/selo fundada pelo famoso rapper Jay Park e seu sócio Cha Cha Malone. Sendo honesta, se eu pudesse roubar o Top 7 acabaria colocando quase todos os artistas do selo aqui: Trade L (que acabou de ganhar o reality High School Rapper 4), HAON, Sik-K, os produtores Woogie e a dupla GroovyRoom e cia. Mas eu não vou roubar, apenas indicar aqui os dois álbuns que eles lançaram como selo no ano passado e são excelentes, a Red Tape e a Blue Tape, e esta session com todos os artistas cantando partes deste trabalho.  

 

Sunwoo Junga/SWJA

Está chegando no momento dessa lista que acho que os nomes são famosos demais para serem indicados assim, mas como estes artistas não são tão populares aqui eu seguirei firme. Esse é o caso da gigante Sunwoo Junga, que começou sua carreira em 2006. Apesar de tantos anos na estrada e de ter escrito e feito participação em várias músicas de outros artistas como os já mencionados Epik High e a IU, além de várias canções para trilha de dramas, sua discografia conta com apenas quatro discos. Mas é difícil chegar ao final do seu álbum It’s Okay, Dear, de 2013, sem se apaixonar completamente pela voz e pelas composições da artista. Para ser sincera, meu primeiro pensamento foi que era como voltar pra época da felicidade com a Kate Nash, especialmente com a faixa Baepsae. É um pop alternativo, às vezes mais para as baladas tão conhecidas das paradas coreanas, mas sempre com um certo quê a mais. Já é até meio batido dizer isso hoje em dia, mas ela realmente mistura os gêneros e experimenta com eles em seus álbuns. Recomendo a faixa  배신이 기다리고 있다 Betrayal Awaits, do seu último álbum Serenade, que na verdade conversa com uns indies mais tortos como do grupo Everything Everything. Para quem curte um indie pop de voz doce, de Marisa Monte a Fiona Apple, esse som vai te encantar com certeza.

 

The Black Skirts 

Para quem curte os indie rock de artistas como Catfish & The Bottlemen, Vampire Weekend e Car Seat Headrest, o The Black Skirts é para você. A banda é na verdade o projeto solo do artista Jo Hyu-il, também conhecido como Bryan Cho, e existe desde 2006. Apesar de ter quatro álbuns na discografia – e ter ganhado o prêmio de Melhor Álbum de Rock no Korean Music Awards em 2010 pelo disco de estreia gravado diretamente do seu porão, o 201 – queria dar destaque para o seu último lançamento: THIRSTY, de 2019. Sabe aqueles discos que te abraçam? Esse trabalho parece bater muito em casa para quem cresceu ouvindo indie rock, mas não soa como cópia nem nada disso. O disco começa animado com guitarrinha e até dancinha em faixas como Lester Burnham, Island (queen of diamonds) e Mad Dog Diary, mas também chega em seus momentos para abraçar o joelho e chorar como em Put Me on Drugs e o encerramento Blood and thirst (king of hurts). Enfim, indie para todos os indies. Para quem curte K-Dramas, ele também tem algumas músicas em trilha sonora. Vale dar uma olhada.

 

Colde 

Se você meio-que-conhece grupos sul-coreanos, as chances de ter ouvido falar no offonoff são altíssimas. Eles são grandes na Coreia e fora dela com seu som mais ~de boa, trazendo a pegada lo-fi junto ao R&B e sonoridades mais eletrônicas. O Colde, nome artístico de Kim Hee-soo, é um dos integrantes da dupla citada. Mas por que não indicar o grupo então? Porque – naquele estilo de lista nada imparcial – acho a carreira solo dele mais interessante. É o tumblr personificado, sem a parte cringe da plataforma. É aesthetic, visualmente e sonoramente falando, se é que tem como descrever isso. Ele está entre as bolhas do K-Indie, o K-HH e o K-R&B, passeando por mais gêneros na carreira solo do que faz na discografia do grupo. O Colde conta com três álbuns lançados, sendo o ótimo e eclético Idealism deste ano. Tem rockzinho pra bater a cabeça sorrindo com Lighter, tem romance em The Museum e tem até ele uivando em Wolf. Se você gosta de artistas como Steve Lacy, Gab Ferreira e Frankie Cosmos, é provável que curta o som dele. Fato curioso: o Colde fundou uma gravadora chamada wavy em 2018 que conta com outros artistas assinados que vale conferir – além de um tour pelo escritório muito divertido para quem curte ver esses vídeos.

 

Woo

Esse é o segundo rapper na lista e por acaso também é um ex-participante do reality Show Me The Money – e que não ganhou rs. O rap de Woo Won-Jae é menos ensolarado, mais cru, direto e denso. Ele lançou seu álbum de estreia BLACK OUT no ano passado após assinar com o selo AOMG, também do Jay Park que mencionamos anteriormente. As composições do Woo fogem um pouco do flex tão presente na cena e focam mais nos sentimentos e trajetória do artista, pensando suas relações com a família, românticas e também consigo. Seu tom baixo, que parece que vai te contar um segredo o tempo, ajuda a passar esse sentimento confessional e incluí-lo no clube do rap de ASMR. Em beats mais pesados como em Chik Chik Pok Pok Freestyle ou nos mais doces como em Do Not Disturb, ele é impecável. O disco também conta com ótimos feats, como a So!YoON! do Se So Neon e o emblemático Tiger JK. Vale destacar também seus clipes que são simplesmente lindos e qualquer outro adjetivo positivo que você pense. É difícil ver e ouvir o Woo e esquecer do seu rap e da sua imagem com a touca abaixada quase cobrindo os olhos.

 

Sogumm

O último nome da lista é uma indicação para os fãs de R&B um cadinho mais torto. Sogumm é o nome artístico de  Kwon Sohee. Ela começou esse projeto de forma independente em 2015, mas em 2019 assinou com a AOMG depois de participar do reality show Signhere. Uma coisa importante de avisar é que o vocal é o ponto forte da Sogumm, mas também um de seus possíveis pontos fracos. Daqueles que você ama ou não. Se você curte o Frank Ocean, Moses Sumney e 070 Shake, o som da Sogumm está do lado desses artistas, mas às vezes em uma roupagem mais pop. Ela só conta com dois álbuns na discografia, ambos lançados em 2019: Sobrightttttttt e sua parceria com o produtor Dress Not My Fault. Aliás, parcerias não faltam na lista de singles da artista. É difícil deixar de se perder nos discos dela, com canções introspectivas e viciantes.

Claro que existem muitos outros artistas nessas cenas mencionadas e que não cabem em um TOP 7. Contemplando artistas de R&B, Hip-hop e Indie: Primary, DEAN, Jannabi, GSoul, Suran, Drunken Tiger, Dynamicduo, The Quiett, Hoody, os artistas da DPR, NELL, Beenzino, Simon Dominic, Mirani, Zion.T, meenoi, Mokyo, Rad Museum, Lee Young-ji, CHANGMO, BIBI, Vinxen, Neon Bunny e tantos outros. Você pode conferir esses e outros nomes na playlist do Spotify logo abaixo. Não deixe de contar para a gente se você curte bandas sul-coreanas que não sejam do K-Pop que acredita que precisamos ficar de olho, pode chegar na dm à vontade.

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Autor

Escrito por

Maria Luísa Rodrigues

mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.