Como o show mais morno se tornou a memória mais calorosa do último Lollapalooza Brasil

Foals no Lollpalooza Brasil 2019 | Foto: Beatriz Roveri

Um ano depois do início da pandemia e a situação está pior (e piora a cada dia). Dois anos depois da última edição do Lollapalooza Brasil (2019) e lembrar daquele tempo faz parecer inacessível de ser repetido (o evento Lollapalooza, não os acontecimentos – óbvio). A 9º edição do evento já foi adiada 3 vezes (o mais recente com previsão para setembro de 2021). É amigos… festival será a última coisa a voltar em órbita. Enfim.

Conversando com Luan sobre esse ”aniversário” de 2 anos, descobrimos que ele estava nas minhas fotos do festival, só que a questão é: nós nem sabíamos que existíamos. As fotos já tinham um valor especial por documentar um momento único, depois disso então… putz.

O show do Foals foi considerado por boa parte dos portais como ”morno” e dou moral pros portais: não é porque sou fã da banda que tudo que eles fizerem vou lá e aplaudir. Mas também tem o outro lado, a culpa não é inteiramente deles: um bom show também se faz com público no mesmo nível. Contudo, todavia, o show do Foals conseguiu superar sua existência e fazer história na vivencia. 

Como conheci Foals

Antes da chegada do Deezer e Spotify no Brasil, existiam outras formas virtuais de escutar música e uma delas era o 8tracks. Inicialmente era um site focado em playlists, o qual você poderia adicionar até 8 músicas e de quebra, servia como streaming. Depois de montar a playlist, você encaminhava o link para seus amigos escutarem, uma ideia semelhante as mixtapes nos anos 80 (será que vem aí o trocadilho com ”8”?).

O ano era 2013 e tinha acabado de sair uma matérias no Monkeybuzz com uma playlists feita na 8track.Playlist: Monkey Mosh – Seleção de hoje é uma trilha sonora para rodinhas de porrada, não se limitando a gêneros musicais. Por Lucas Cassoli‘. Li aquilo e pensei ”Perfeito!”. Hoje, revendo a lista acho muito engraçado: dos conhecidos eram só QOSA e Kayne West, e a grande maioria eram bandas que eu não fazia ideia de quem eram: Knife Party? FIDLAR? Savages? E foi assim que conheci Foals.

e de fato a música é um belo ode ao mosh

E lá fomos nós pesquisar por mais músicas deles. O até então álbum mais recente era Holy Fire (2013) e não me pegou muito. Gostava bastante da passagem de ”Prelude” para ”Inhaler” e a balada ”My Number”, porém, (na época) não passava disso. Mas tudo bem, pois o melhor estava por vir em 2015: What When Down.

”What When Down” (2015) | Capa: Daisuke Yokota
Contracapa

Lollapalooza Brasil 2019 (aka o último até o momento)

Ingresso Lollapalooza Brasil 2019
Pulseira de ”Sexta-feira” para o Lollapalooza Brasil 2019
Eu e Julia | Foto: Beatriz Roveri

Apesar de ter ido (literalmente) sozinha para o Autódromo de Interlagos, eu havia combinado de encontrar um grupo de amigos horas mais tarde. Feito isso, eu e o Vini estávamos pilhados comentando que o show do Foals seria o melhor do dia, ”Pô, esse show vai ser aquele que a galera vai comentar que não esperava nada, mas no final das contas, vai ser eleito o mais foda do dia” e ”Vai ter mosh, certeza!”. E motivos não faltavam: as músicas ”mosh” e as novas do ”Everything Not Saved Will Be Lost  – Part 1” (2019) que tinham uma vibe eletrônica bem dançante.

Lollapalooza Brasil 2019 | Foto: Beatriz Roveri

O palco era o mesmo do Arctic Monkeys (que encerraria o dia). Para você que nunca foi a um festival que tem 3 palcos simultâneos, a situação é o seguinte: boa parte do público está esperando pela atração final – isso não foi diferente naquele dia. Ou seja: boa parte da galera não estava empolgada para o show. Na moral, foi decepcionante ver boa parte da galera meio nem aí sendo que eles tinham música para deixar ninguém parado.

O Show

Show do Foals – Lollpaalooza Brasil 2019 | Foto: Beatriz Roveri

Ao chegar no show, as músicas iam passando, e a dúvida que ficava para nós dois era: e o mosh? Para nós era óbvio a possibilidade, mas para o público não (e não tô criticando). Eu sei que chegou um momento em que o Vini ficava ”Putz! Acho que começaram a fazer um mosh lá na frente… ah, impressão minha.”, até que chegou um momento, mó de boas em que ele disse empolgado ”Vou lá abrir” e foi! Pensei que ele estava zoando ou só tinha ido averiguar, mas quando cheguei lá de fato ele estava abrindo a roda. Voltei correndo para falar com a Ju e disse ”ELE REALMENTE ABRIU A RODA’. VOU FICAR LÁ”.

O tal mosh no Foals | Foto: Beatriz Roveri

Gostaria de pontuar que o Vini é um cara firmeza, e o jeito como ele abriu a roda foi amigável, sem chorume tóxico. Ele estava lá quase como um mestre de cerimônia organizando e agitando a galera como uma orquestra. Perfeito. A galera em volta está meio sem entender o que ele estava tentando fazer. Parecia que todo mundo estava participando de uma rodinha pela primeira vez, e posso afirmar que foi um mosh mais para galera unida do que individualista. Um garoto de 1991 acharia muito viadisse, eu responderia “Fodase, estamos em 2019”. Nós estávamos fazendo nossas próprias regras.

Muitas pessoas não entenderam nada do que estava acontecendo e o que ele estava planejando, mas quando vi a situação, me senti segura suficiente para ajuda-lo nesse missão. Sei lá se causei estranhamento nos outros caras, mas fui a 1ª mulher a topar o rolê. Sabia que a minha presença, mesmo que sendo a primeira, poderia deixar as outras mulheres confortáveis e seguras para se juntarem. Ao mesmo tempo eu estava mentalmente gritando ”AH É? NÃO TEM? AGORA VAI TER”.

Nessa hora estava tocando ”What When Down” | Foto: Beatriz Roveri
Foto: Beatriz Roveri

Eu sempre quis entrar em um mosh, mas (até então) não tive oportunidades. Apesar do meu ”querer”, isso não significava que eu era 101% corajosa e foda-se. Faça um exercício simples: pense em um situação, e responda: um homem pensaria 2x para fazer o que quer nessa situação? E a mulher? Pois é, você sabe a resposta. Majoritariamente são homens que compõem a rodinha, e não é todo cara entende esse nosso sentimento de pé atrás e de aceitar que mulheres possam participar. Mas apesar disso, me senti segura naquela situação e isso importante jovens! Não façam algo por pressão muito menos se estão se sentindo desconfortáveis.

Esse primeiro mosh foi pequeno e de boas, bem amigável, acho que ninguém lá tinha participado de uma até então. Esqueci de um detalhe: eram por volta das 16:00 e o sol torrando em 33ºC – logo quando acabou, pensei que fosse desmaiar de tão acelerado que estavam minha respiração e coração. Voltei para Ju, disse que não voltava mais, pois estava cansada, mas quando vi a galera animada para o 2º mosh, pensei ”Quer saber? Foda-se, quando isso vai acontecer de novo?”. Peguei minha câmera e voltei para roda.

Notei que havia mais pessoas, incluso uma jovem (deveria ter idade próxima a minha) e sentia que ela queria entrar, mas ainda estava muito pensativa sobre. Ela caiu dentro da 2° roda e depois disso outras mulheres também se encorajaram a entrar (sim, houve um 3º mosh. Isso a Globo não mostra – e não mostrou). E enquanto aguardava a 3° rodinha ocorrer, observando tudo aquilo, acabei vendo ela, ela me viu, eu vi ela novamente e ela fez esse gesto maravilhoso e fotografei.

Ana | Foto: Beatriz Roveri

Confesso que como fotógrafa, sempre quis fotografar pessoas aleatórias, mas ficava com receio de alguma delas me xingarem depois. Mas fotografar Ana naquela hora me fez lembrar que estávamos celebrando algo muito maior, e estava tudo bem. Eu estava documentando um momento.

Lembro que no meio do mosh alguém perdeu um boné – o Vini pegou e saiu perguntando no meio da roda de quem era. Outra pessoa encontrou um objeto no chão e também perguntou de quem era. Pessoas que nem se conheciam cumprimentava uma as outras e diziam como foi inesperado e daora tudo aquilo. Isso me fez pensar que aquele mosh era mais do que extravasar egos: era sobre celebração em conjunto, prestar atenção na música e dançar conforme o andamento. Não sei se rodinhas em geral são assim, mas senti como se aquele mosh fosse único. E quem diria: a playlist me levou ao mosh.

Canguru, Yannis Philippakis e Lhama | Foto: Beatriz Roveri

Extra – IDLES

Boa parte desse texto foi baseado em outro texto que havia escrito sobre, e ao final dele havia uma observação sobre uma reflexão que tive ao assistir o vídeo do IDLES no Glastonbury em 2019 (lindo de mais).

Durante a música ”Colossus” estava se formando uma rodinha, e antes de dar aquela virada na música para galera fazer o mosh, Joe Talbot (vocalista) parou e disse:

“There’s a circle forming. The radius is only men. If there are no woman in the circle it is not a circle, but a phallus.”

Tradução: Há um círculo se formando. Nesse raio só tem homens. Se não houver mulheres no círculo, não é um círculo, mas um falo.

Eu realmente espero que quando o IDLES vier ao Brasil (o tão aguardado show que não ocorreu devido ao início da pandemia), tenha esse tal ”círculo”.

(Descobri que o vídeo original foi retirado do YouTube, mas uma pessoa abençoado colocou só o áudio. Você pode escutar o trecho em 6:08)

Autor

  • Binha Sakata

    aka Binha, sou apaixonade por música e audiovisual e resolvi unir esses dois elementos para pesquisar e falar sobre música, principalmente a independente brasileira e internacional. Em 2015, comecei a fotografar shows, em 2019 entrei para o projeto audiovisual e podcast de entrevistas Culture-se (@pculturese) e em 2020 criei o programa musical de rádio DSCOTECA (@dscoteca). No Minuto Indie, já fiz de roteiros a apresentações e conteúdos.

Escrito por

Binha Sakata

aka Binha, sou apaixonade por música e audiovisual e resolvi unir esses dois elementos para pesquisar e falar sobre música, principalmente a independente brasileira e internacional. Em 2015, comecei a fotografar shows, em 2019 entrei para o projeto audiovisual e podcast de entrevistas Culture-se (@pculturese) e em 2020 criei o programa musical de rádio DSCOTECA (@dscoteca). No Minuto Indie, já fiz de roteiros a apresentações e conteúdos.