Banda Scalene assina a trilha sonora original do filme Obscuro: Cortina de Fogo de Matthew Magrath

Há várias formas de iniciar um texto sobre a trilha sonora que a banda Scalene lançou para o filme Obscuro: Cortina de Fogo, dirigido por Matthew Magrath (que talvez você conheça como o streamer Cinemagrath). Poderíamos destacar o lançamento do filme ao vivo na Twitch, o disco completo da trilha ou o porquê de ser esse o projeto a tirar a banda do hiato. Mas enquanto os integrantes da banda e o diretor conversam com a gente sobre o trabalho, não tem muito como fugir do tema que é a base de toda essa história: a sinergia de uma amizade de anos. 

“Antes mesmo deles participarem como banda, eles estavam participando como amigos”, contou o diretor Matt Magrath

Aquele clichê. Eles se complementam, jogam a bola um pro outro, se fazem perguntas, lembram histórias e deixam claro a cada resposta que um projeto como esse não poderia nascer num outro contexto. A colaboração, no sentido real da palavra, aconteceu desde o início do filme e da composição da trilha. O roteiro pautou a música, assim como as sonoridades também impactaram no roteiro e na edição. Mas essa influência mútua precede esse trabalho. 

Levam cinco segundos vendo Obscuro: Cortina de Fogo para reconhecer que o Matt é uma das pessoas que cresceram imersas na discografia da Scalene, ressoando com os temas e sons que atravessaram as diferentes fases da banda. Mas a relação dele com a Scalene vai além disso. Matt começou como fã, até que em 2018 passou a ser fotógrafo e social media da banda. A partir dali, também começou a amizade. Assim como quem é fã da Scalene pode enxergar resquícios dela na escrita do Matt, também não é possível ignorar que ele foi peça fundamental na construção da imagem da banda por anos. 

Mas apesar dessa longa parceria, eles nos contam que essa foi a primeira entrevista juntos. O que “coroa o Matt não ser mais criança aos nossos olhos”, o baixista Lucas Furtado brincou. 

O filme Obscuro: Cortina de Fogo e o álbum de trilha sonora são o resultado desse processo. Inicialmente, a Scalene não estava planejando fazer uma trilha original. Mas chegaram a um EP de 9 faixas produzidas pelo Lucas Mayer, sendo duas delas canções com vocais e outras 7 músicas instrumentais. O lançamento aconteceu pelo Slap, selo em que a banda é assinada desde 2015, no dia 25 de novembro. 

“[…] o Matt, nessa vibe de amizade, falou que estava se ferrando com a trilha, e aí eu falei para deixar que a gente faria. E aí, saímos de uma música que já existia para [fazer] uma música inédita e a trilha toda”, explicou Tomás Bertoni, que também assina como produtor executivo do filme.

O single “Obscuro” é a música que encerra o filme, mas a primeira lançada desse projeto. Fruto do acaso – e de uma interpretação errada do Gustavo sobre a quantidade de músicas que deveria fazer – a faixa é um excelente resumo do que o Matt buscou apresentar nesse projeto: os dolorosos processos de crescer, de se expor, de criar, de conviver com todos os lados de si mesmo e aqueles projetados em você. 

“[…] estamos numa era TikTok, com vídeos de 15 segundos. E eu, sendo um streamer, também estou nessa de precisar fazer conteúdo rápido. E fiz um vídeo de meia hora, que você vai me ver afogar por 5 minutos, com piano de fundo”, pontuou Matt 

Confira a nossa conversa com e entre Matt Magrath, Gustavo Bertoni, Lucas (Lukão) Furtado e Tomás Bertoni.

Minuto Indie: Matt, qual foi seu pitch para convencer a Scalene a dar uma pausa no hiato e fazer a trilha do seu filme?

Matthew Magrath: Acho que a primeira pessoa que eu convenci foi o Tomás, ele está desde o dia 1. A primeira ideia era do Scalene fazer a última música, talvez uma que já existisse… A primeira ideia foi a música Pendular, e tinha outra pessoa que ia fazer a trilha. Mas fomos conversando e o Tomás falando com o pessoal. O Lukão também é uma pessoa que já estava no projeto, me ajudando com produção e tentando arrumar uma galera. Eu perguntei sobre textos e roteiro para o Gustavo. Então, a gente sempre esteve em contato, antes mesmo deles participarem como banda, eles estavam participando como amigos. Acho que foi uma virada meio natural e que acabou rolando. 

Tomás Bertoni: Foi bem isso. Foi evoluindo e quando [a gente] viu, foi. Mas foi porque a pessoa que ia fazer a trilha acabou se enrolando por questões profissionais. Acho massa comentar que o Matt, nessa vibe de amizade, falou que estava se ferrando com a trilha, e aí eu falei para deixar que a gente faria. E aí, saímos de uma música que já existia para [fazer] uma música inédita e a trilha toda.

Gustavo Bertoni: E Obscuro acabou sendo um equívoco meu, que tinha entendido meio errado quantas músicas precisava. Aí um dia o Tomás chegou lá em casa e eu estava com a demo adiantada e falei “olha essa música, não tem cara de crédito?”. Talvez eu tenha assistido algum filme que tivesse uma música boa na hora dos créditos, aí eu pensei em fazer uma. E acabou tendo duas músicas com voz, que acabou virando single. E a galera gostou muito, então foi uma surpresa massa.

Tomás: Ele errou o briefing e criou uma oportunidade. 

Matt: A gente estava tomando um café e conversando depois da segunda reunião, aí o Gustavo tocou uma música e cantou “Eu ouvi dizer de coisas obscuras…”. Eu olhei para o Tomás, o Gustavo tava me olhando, e eu com a cara de impressionado. Aí vocês falaram que era uma música dos créditos, que foi um presente pra mim. 

Tomás: A gente combinou. Eu falei para deixarmos para o final da reunião de surpresa. Deu certo.

Lucas Furtado: E a gente se conhece há tanto tempo que mesmo se a gente não tivesse trabalhado na trilha, a gente ia se envolver de alguma forma, né? Como foi no início, pedindo opinião, ajuda e indo atrás de pessoas que soubessem fazer alguma coisa. Então foi um processo bem natural, e aí como precisava de trilha e a gente por acaso é músico… 

Gustavo: Por acaso a gente inventou de ser esse negócio aí. Eu até brinquei quando eu assisti, que parece uma extensão de algumas de nossas letras, porque alguns temas ali conversam bastante. E o Matt já acompanha nossas músicas e a forma que a gente compõe, acho que ele já tava numa lógica criativa que dialoga.

Matt: Mas eu acho que essa identificação com o meu roteiro e com o Scalene, vem muito da minha base de ouvir o Scalene desde que eu tinha 16 anos. Então, querendo ou não, a forma como eu aprendi a escrever foi meio que junto com vocês. Tanto que se você ver as referências, a música “Peso das Ondas”, por exemplo, é uma vibe bem Real / Surreal (2013), que era a época que eles tinham a idade que eu tenho hoje. 

Minuto Indie: A trilha do filme foi feita antes do filme ser gravado. Como foi o processo do roteiro influenciar a música e o som influenciar a história?

Matt: Essa foi a parte que eu tava com mais medo, de pegar as referências que eu gostava e pensar como seria a trilha. Eu meio que montei o roteiro com os moods que eu queria e comecei a pensar em como apresentar isso para uma banda, sem saber fazer música e sem saber como externalizar esse tipo de pensamento. Mas a gente teve a primeira reunião e foi bem boa. Apresentei meu roteiro com as referências e esperei que eles pudessem entender o que funcionava e o que não funcionava, e o que eu queria dizer com aquilo. Mas é muito louco ver esse roteiro todo construído. 

Gustavo: E quando se fala de trilha, você tem um espaço de liberdade criativa que pode até ser demais, porque pode ser qualquer coisa. Pode ser tanta coisa que até dificulta o trabalho, então é bom ter um certo nível de limitação. O storyboard ofereceu uma moldura para o que a gente precisava e as referências que ele trouxe já foram inspiradoras. E é legal que a partir de certo momento, nossos próprios rascunhos começaram a virar nossas referências. 

Matt: Exato, eu acho que na primeira reunião as referências já foram apagadas e nosso esqueleto virou referência.

Lukão: Isso é muito interessante também, dentro desse aspecto de estruturação das paradas, porque esse talvez tenha sido o lançamento do Scalene que eu menos me envolvi na parte de composição. E quando chegou a hora de eu gravar minhas coisas, meio que já era o que eu imaginava que ia ser. Então, a sinergia entre todo mundo aqui do projeto já estava conectada.

Minuto Indie: Vocês falaram um pouco sobre voltar para a idade que o Matt está agora. E aí, sem cair muito no papo de “estamos velhos”, como foi voltar para esse sentimento de transição para a vida adulta?

Tomás: No fim das contas foram duas músicas com letras, então não tinha tanto espaço nesse sentido. Mas acho que isso foi mais no entendimento do roteiro e de como ele queria passar e tocar as pessoas. Esse momento do hiato foi legal porque parte da ideia era justamente abrir espaço para outros projetos como esse. E eu acho que foi nesse sentido, foi legal encontrar esse sentimento com a idade que temos hoje e comparar com quando tínhamos a idade do Matt.

Gustavo: Uma coisa que eu achei muito interessante do processo de compor as letras com o Matt, é que essa ascensão que ele viveu nos últimos anos, do anonimato para pessoa pública, foi um tanto rápida. E isso traz uma série de desafios, como de se entender perante uma audiência, lidar com a expectativa de pessoas, precisar mudar sua rotina de trabalho. E você passa a viver do dinheiro que você gera com a exposição da sua vida, da sua sensibilidade. E eu acho que isso é um desafio em qualquer idade. 

Tem muita coisa na vida que você não tem como se preparar, você aprende durante o processo. Então como a gente teve aquela explosão ali quando eu tinha uns 21, os meninos uns 24, o Matt teve uma certa explosão também numa idade parecida. Então me identifiquei com alguns questionamentos dele nesse lugar também, de ser um frontman do seu próprio projeto, de viver da sua própria sensibilidade. E o público que assistiu o vídeo, que se identifica com ele, passa pelo mesmo processo de encontrar suas respostas. Então, no quesito pessoal, mais íntimo, isso foi bonito, foi legal de viver com ele também.

Minuto Indie: São só duas músicas com letras nesse projeto e vocês já falaram dessa vontade de fazer música instrumental. Porque não rolou tanto antes?

Tomás: É, era uma ideia que flutuava. Eu lembro que muitos anos atrás, a gente foi fazer um EP instrumental. E quanto mais a gente foi se desenvolvendo como músico, acho que o piano foi entrando nas nossas vidas [risos] e acabou abrindo um leque de possibilidades, como começar a usar sintetizadores e tal. E eu acho que a música instrumental é um consumo diferente.

A música Cronus é uma que o Gustavo tinha há muito tempo e quase entrou num disco ou outro. Mas acho que não entrou porque na hora de fazer os álbuns, as músicas tem que fazer sentido. E todos os álbuns que estávamos fazendo, já tinham uma quantidade de músicas, e nunca tivemos o tempo e a dedicação para fazer um instrumental. E também no sentido de entender porque ter uma música instrumental e o que ela vai representar ou adicionar aquele disco. 

Gustavo: E querendo ou não, a gente até tem músicas instrumentais. Um EP, que eu acho que nem tem online, nosso primeiro EP de 2009 ou 2010, começava com uma introdução de uma música que era da ex-namorada do Lukão, que tinha essa música bem bonitinha no piano, e usamos de introdução do EP. Aí no Real / Surreal, o que separa o disco é um interlúdio instrumental, e no Respiro tem dois temas no violão, que são quase que estudos de violão de nylon. Então, assim, a gente já flertava um pouquinho com isso, né? Aí caiu a oportunidade da gente fazer isso pra valer. E é bem divertido. 

Lukão: Do ponto de vista de trilha sonora mesmo, dentro do nosso mercado aqui no Brasil, não é tão comum ter uma banda que faça uma trilha sonora inteira para um projeto. E a gente nunca teve convite para fazer esse tipo de coisa. A gente estaria 100% aberto a fazer isso em qualquer momento da nossa carreira e que bom que rolou agora, mas é uma parada que não acontece tanto.

Tomás: Ah, e tem a introdução do nosso DVD (Ao Vivo Em Brasília). É uma música experimental que a harmonia dela até virou a música phi, do Magnetite depois. Então só pra dar um 360 no raciocínio, tudo que o Scalene faz, acontece de forma bem natural. Vamos ver se no futuro tem mais contexto pra gente fazer mais instrumentais.

Minuto Indie: A sensação de ouvir as músicas na produção e ouvir dentro do filme são diferentes. Qual foi o sentimento de ouvir pela primeira vez com o filme pronto? 

Gustavo: Ganha muito valor, né? Tem gente que vai ouvir [o álbum] e falar “porra, dois minutos só de Rááááááááááá…?” [Gustavo faz barulho imitando a música instrumental]. Sim, 2 minutos só disso. E aí no filme, quando tem um texto em cima da imagem, cada nuance desse som se correlaciona com alguma coisa. Então, é meio mágico. E é mais legal ainda quando a gente passa a confiar no processo e deixar essas surpresas acontecerem. Não fiquei lá em cima deles querendo ver como que ficou. Queria assistir o filme pela primeira vez como a galera.

Tomás: O que também acho legal de fazer é dar o play no Spotify, porque rola uma sensação diferente. Nós sempre fizemos isso de estar vendo um filme e pensar em ver a trilha depois. Então, essa coisa de lançar a trilha sonora é legal porque é um extra mesmo, para quem consome esse tipo de coisa, gosta e aprecia.

Matt: Eu acho que uma coisa legal que fizemos, é que estamos numa era TikTok, com vídeos de 15 segundos. E eu, sendo um streamer, também estou nessa de precisar fazer conteúdo rápido. E fiz um vídeo de meia hora, que você vai me ver afogar por 5 minutos, com piano de fundo.

Tomás: A gente queria que o Matt fizesse uma dancinha para música Obscuro e que os créditos fosse ele dançando, mas ele não quis [risos].

Matt: Eu não quis [risos]. E é por isso que eu acho interessante. Eu consegui fazer esse vídeo nessa era, nesse universo, nessa bolha que eu estou, dos meus amigos falando “você precisa ser menos artista, você precisa ir pro TikTok”, e eu recusando. E foi muito gratificante ver a resolução desse projeto e ver a minha comunidade em live, curtindo eu me afogando por 5 minutos e falando “caraca, que incrível”.

Tomás: Que amigos são esses? Vou conversar com eles, essas más influências [risos].

Gustavo: E é engraçado que às vezes na correria que a gente tem do dia a dia, você fica sempre no seu tempo, né? E quando a arte tem um tempo próprio, ela meio que te convida para entrar no tempo dela, enquanto esse conteúdo todo que o Matt falou, não é um convite. É quase que uma opressão, assim. É tipo, “presta atenção em mim”, sabe? Então, tudo bem que é um média, e para os TikTokers já é um filme do Scorsese, mas eu acho que esse efeito é muito importante, e de certa forma é quase que uma resistência aos tempos atuais. Acho que tem um valor artístico importantíssimo.

Ouça o álbum Obscuro (Trilha Sonora do Filme Obscuro: Cortina de Fogo).

Assista ao filme Obscuro: Cortina de Fogo.

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Autores

  • Maria Luísa Rodrigues

    mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.

  • Bruno Santos

    Em horário comercial é escritor, criador de conteúdo, publicitário, estudante de Publicidade e Propaganda e colaborador do canal Minuto Indie. Fora dele é ex-fã da antiga banda One Direction e viciado em escutar os mais diferentes estilos musicais.

Escrito por

Maria Luísa Rodrigues

mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.