BTS BE

O grupo sul-coreano retorna com seu quinto álbum de estúdio

Em pleno Novembro de 2020, algum jornalista ou acadêmico já deve estar fazendo um levantamento de quantas músicas sobre a pandemia foram produzidas neste ano. Fomos agraciados com excelentes trabalhos que refletiram sobre nossas circunstâncias, como em how I’m feeling now da genial Charli XCX, e outros nem tão bons assim, como todas as variações de trocadilhos de quarentena e carente – a famosa carentena. Sejam músicas boas ou ruins, talvez estar em meio a uma pandemia já seja o suficiente e o que gostaríamos da arte é justamente que conseguisse nos tirar desta realidade. Era o que eu acreditava firmemente e até mesmo cheguei a comentar em um dos episódios d’O Podcast do Minuto Indie. Mas isso foi até o grupo sul-coreano BTS (방탄소년단 – Bangtan Sonyeondan, em coreano) lançar seu quinto álbum de estúdio “BE” na madrugada da última sexta-feira (20).  

Chega de fugir, estamos em uma pandemia e não sabemos quando vamos sair dela. A incerteza vai ser nossa companheira por um bom tempo e vida que segue. É quase isso, porém colocados forma mais poética e bonita, que o BTS nos diz no álbum “BE”. Foram meses intensos, de altos e baixos, de reencontros à distância e redescobertas individuais e coletivas. Escrevo enquanto pessoa que teve a oportunidade de entrar e permanecer em quarentena durante estes quase dez meses, desde o primeiro anúncio de isolamento social por parte de alguns estados no país. Assim como a primeira linha do single Life Goes On nos diz, “um dia, o mundo parou sem aviso” e esse é o mais próximo do que já se tornou clichê de pandemia que o grupo chega neste trabalho. Em BE, o BTS entende que o isolamento vai além da tristeza e impotência, que precisa ir além se quisermos passar por isso. Os nossos sentimentos são muito mais complexos que puro desânimo. Mas retorno a este ponto mais a frente.

Este disco foi o primeiro trabalho do grupo, em seus sete anos de carreira, a ser produzido diante dos olhos do público. A intimidade com os fãs, chamados de ARMY, sempre foi conscientemente uma moeda de troca na relação fã-ídolo. Este elo faz parte da construção da imagem e trajetória da banda, que estreia a partir de uma empresa pequena em 2013 e torna-se o grupo sul-coreano mais conhecido e premiado internacionalmente, atribuindo esta ascensão aos seus fãs. O anúncio do novo disco apareceu através de uma Live no YouTube do líder e rapper RM, poucas semanas após a maior turnê de estádios da banda ser cancelada devido ao Coronavírus. As Lives seguiram como peças fundamentais para a produção e divulgação do BE, servindo como um espaço onde os membros compartilharam as reuniões e momentos de desenvolvimento do conceito e das músicas do álbum.

Enquanto tudo isso acontecia, eles também decidiram lançar seu primeiro single em inglês, a disco-pop Dynamite. Sendo a faixa que encerra este trabalho, é uma das poucas músicas da discografia da banda que não possui créditos de nenhum membro na composição ou na produção. Tornou-se também a primeira música do grupo a alcançar a primeira posição da Billboard, permanecendo três semanas no topo e mais algumas semanas em segundo lugar (chegando até mesmo a disputar com outra faixa do grupo – um remix do hit TikTokiano Savage Love). O momento que os membros se reuniram após descobrir que chegaram à esta posição ficou registrado no hilário Skit deste álbum, o primeiro do grupo em três anos.

Dynamite nem entraria para o álbum mas os membros decidiram lançar, como dizem, para levar um pouco de positividade na vida dos fãs que estavam presos nesta situação. Mas (felizmente) o BE não seguiu o padrão de seu single prévio. O álbum fugiu do que estava se tornando um padrão de trabalhos anteriores do grupo e foi construído a menos mãos (mas ainda não poucas). Cada membro do grupo assumiu uma função: designer, produtor executivo, diretor visual, direção do clipe, etc. Todos também tiveram a oportunidade de construir temas e sugerir músicas para o álbum. E assim nasceu o disco mais BTS do BTS.

Quem acompanha o BTS ou outros grupos de K-Pop entende como a produção de conteúdo sobre os artistas é interminável. Sempre tem algo para ver, ouvir, saber, comprar, conhecer ou até mesmo redescobrir. O consumo e o K-Pop andam lado a lado, como não é diferente do pop mainstream ocidental. É comum que a gente sempre sinta a necessidade de mais: mais conteúdo, mais música, mais foto dos membros, etc. Então quando o BTS anunciou que seu novo álbum teria apenas 8 músicas, sendo uma delas uma skit e seu single já lançado Dynamite, alguns fãs acharam que talvez fosse insuficiente. Principalmente se compararmos ao seu antecessor Map Of The Soul: 7, que conta com 20 músicas e 1h14min de duração, realmente é uma mudança considerável. Mas pela primeira vez na vida eu saio de um disco do BTS completamente satisfeita, sem querer mais ou menos.

Um disco nunca é consumido fora das suas circunstâncias. Agora, neste momento, o BE é mais do que o suficiente. Ele cumpre sua função de fazer o ouvinte voar de dentro do seu quarto, entender o agora mas nutrir esperanças de um futuro de reencontros e novas oportunidades. É sobre dançar enquanto está frustrado, trabalhar exaustivamente ou não saber o que fazer com o tempo livre, se sentir esgotado e solitário, encontrar apoio em quem está longe ou viver dentro de seu quarto que se tornou apenas uma “lixeira de emoções”, como diz o rapper Suga em Fly To My Room – música de sua sub-unit com J-Hope e os vocalistas Jimin e V. O disco possui seus momentos de alegria e tristeza, com faixas mais divertidas e as mais melancólicas separadas pela Skit.

Em circunstâncias normais, eu provavelmente viraria a cara para faixas como a future house Stay – originalmente produzida para a mixtape do vocalista Jungkook, que canta ao lado de Jin e do rapper RM. Mas não tem nada de normal neste momento. É quase impossível ouvir essa sem imaginar um show e a diversão que poderia se ter caso fosse possível assistir os artistas ao vivo agora. Pode ser que eu volte a mudar de ideia no futuro, mas deixo para pensar nisso quando o tempo chegar. E há seus inegáveis momentos de glória. Life Goes On é o melhor single do grupo desde a densa Fake Love; Blue & Gray, faixa de V e cantada por todos os membros, e Stay trazem para o grupo a potência das composições e produções dos vocalistas que se aventuraram menos nestas áreas nos trabalhos anteriores.

Telepathy, co-produzida e composta por Suga, RM e Jungkook, quase foi descartada mas felizmente reencontrou seu caminho para o disco após os membros insistirem. É uma amplificação do clima disco de Dynamite, com sua letra sobre a conexão mesmo a distância e já faz seu caminho para se tornar a música oficial de edits fofos no Twitter e TikTok com sua letra “nos dias que parecem sempre os mesmos, eu me sinto o mais feliz quando te encontro”.

Dis-ease sonoramente relembra o BTS do início de carreira, em faixas com mais diálogo com o old-school hip-hop como Ma City e Boyz With Fun, porém refletindo sobre a atual relação dos membros com o trabalho e a inabilidade de descansar. A faixa, composta majoritariamente pelo rapper J-Hope, conta também com o melhor verso de Suga há anos e com uma ponte impecável e irresistível, criada em menos de 5 minutos por Jimin. Essa música não só é uma das melhores do disco, com J-Hope trazendo os membros para seu Hope World, mas uma das melhores da carreira da banda. É tudo que o BTS faz de melhor em uma única faixa: conseguir fazer você se divertir enquanto as composições te fazem pensar. Pop de mensagem (risos).

O BE vai além de uma carta dos membros para os fãs, como disseram que gostaria de ser. É uma mensagem que ultrapassa as barreiras do fandom ARMY, como tantas outras do grupo que expande cada vez mais sua fanbase. Não vai servir como um refúgio da realidade para um mundo perfeito, mas atuar mais como uma trilha sonora para te acompanhar durante este processo, nos altos e baixos da vida em isolamento. Ele não te diz como você deve se sentir, que vai ficar tudo bem, o que é válido ou não fazer e nem o certo ou o errado de existir dentre o desconhecido. É mais um diário do que um manual de instruções.

O BTS mais uma vez dá à mão aos seus fãs como um convite de passarem por isso rumo a um futuro juntos, mas sem parecer mais uma promessa vazia e forçada entre artista e fã. Assim como esse momento, o BE é fluido e sei que o carregarei por muito tempo. A julgar pela quantidade de tatuagens escrito “Life Goes On” que vejo no meu feed ou na timeline todos os dias, acredito que vai seguir ao lado de muitos outros também. No topo das paradas após sete anos de carreira e sendo o maior nome da música pop sul-coreana contemporânea, BE nos mostra um BTS introspectivo, se reapresentando e reafirmando sua identidade como uma das maiores e mais relevantes vozes da música pop global.

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Autor

Escrito por

Maria Luísa Rodrigues

mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.