“Acho que ele se insere nesse contexto, quase como um anti-pandemia, anti-Bolsonaro, anti-depressão, anti-ansiedade”, conta Clarice Falcão sobre seu próximo álbum

Uma década separa o primeiro álbum de Clarice Falcão do seu próximo lançamento, Truque. O novo projeto promete ser “um trabalho sobre ilusão, desilusão e mágica”, como nos contou em conversa por chamada de vídeo. Enquanto o Monomania carrega o ar dramático do primeiro amor, aquele bobinho que achamos nunca ter fim – quem viveu entende -, seu próximo trabalho é uma apresentação de sua perspectiva sobre o mesmo assunto dez anos depois.

O registro mais pop desde o início de sua carreira, Truque é um resumo sonoro de tudo que Clarice Falcão já fez, mergulhando em seu assunto favorito: o amor. O trabalho apresenta sua versatilidade, passando pelo MPB e faixas eletrônicas inspiradas na PC Music, ainda que narrando uma história contínua de amor – do começo ao fim.

“O Truque é um disco que veio muito mais internamente […] e eu sinto que as sonoridades vêm muito para contar essa história também.”

Nas últimas semanas tivemos spoilers da obra em dois singles com clipes, Chorar na Boate e Ar da Sua Graça. “Eu acho que Ar da Sua Graça é a música mais triste do disco, não tem conversa… não fica pior que isso”, destaca. Este segundo single narra o momento em que uma pessoa que amamos sai de nossas vidas e as coisas parecem perder a graça, nos arrastando pra mesma intensidade e melancolia expressada na sonoridade da faixa. Enquanto Chorar na Boate se apresenta em clima de festa e fortes influências de disco music, se propondo a ser uma música com choros de alegria, inspirada em si mesma.

O disco reflete ilusão, desilusão e os universos imaginários que criamos nas nossas cabeças, como foi o Monomania, mas em um novo momento da artista. Confira abaixo a entrevista com Clarice Falcão e escute a conversa completa no Podcast do Minuto Indie no Spotify.

Divulgação

Minuto Indie: Estava no seu TikTok e vi que na sua bio estava “ex-cantora e atual desempregada”, mas agora acho que é diferente; lançando música, vídeo no TikTok, tanta coisa… Como que está isso? 

Clarice Falcão: Exatamente, agora eu sou freela, né? Eu tô autoempregada, eu tô empregando. Mas é isso, eu não sou empregada, né? Eu sou mais freela do que qualquer coisa. Acho que eu continuo desempregada, tecnicamente. Eu sou desempregada ainda, não tem ninguém me pagando mensalmente. Muito pelo contrário, eu tô pagando pra trabalhar.

Minuto Indie: O truque tá vindo aí, né? Esperando que ele venha para isso, pagar essas contas.

Clarice Falcão: Pra fazer show, né? Mas é isso, até pra começar a fazer show, eu vou ter que pagar o show, né? Pagar a roupa… Então, por enquanto, eu tô pior que desempregada.

Minuto Indie: Mas, falando do disco… depois de quatro anos que você lançou o último, teve eleição, pandemia, sua série no Prime Video, teve tanta coisa. Como é que o Truque entrou dentre esses quatro anos, como foi o processo para fazer esse disco?

Clarice Falcão: Cara, eu sinto que a gente passou por poucas e boas, né? Poucas e mais, poucas e ruins. Não, muitas e ruins, a gente passou por muitas e ruins. E eu sinto que foi uma época em que a gente teve que lidar com muitos demônios, muitas sombras. Pouco antes disso eu lancei o Tem Concerto, que é um disco muito denso, que também falava sobre meus próprios demônios. Minha ansiedade, minha depressão e tal. E eu sinto que depois do Tem Concerto, me veio uma vontade de falar de assuntos um pouco mais leves e falar especialmente de um assunto que eu gosto muito de falar. Acho que talvez seja meu assunto favorito, tanto que meu primeiro disco é sobre isso, que é amor, se apaixonar, enfim.

E eu acho que no fim das contas eu fiquei muito feliz que eu tomei esse caminho, porque eu acho que todos nós estamos precisando falar de outras coisas, dar uma respirada, sabe? Não é parar de falar sobre política, não é parar de prestar atenção, não é se alienar, de forma nenhuma. Mas eu acho que arte também tem um papel, não só de denúncia, mas também de alívio, de felicidade, de catarse da nossa vida, não só do mundo e tal. 

Então eu fico feliz que agora, enfim, deu até um certo alívio em geral, da gente ter se livrado de certas pessoas e de poder me sentir confortável em lançar um trabalho sobre isso, sobre se apaixonar e sofrer por amor também. Não é que seja um trabalho feliz, não é exatamente isso, mas é um trabalho sobre ilusão, desilusão e mágica. E também descobrir que a mágica é só um truque. Então acho que é um pouco isso, acho que ele se insere nesse contexto, quase como um anti-pandemia, anti-Bolsonaro, anti-depressão, anti-ansiedade, sabe?

Minuto Indie: Lembrei que o Tim Bernardes conta que ele começou a falar de amor só depois de um tempo, por ser uma coisa tão profunda e tudo mais, e a forma como você fala é muito legal, porque é bem leve, essa coisa mágica e tudo mais. O título do álbum, Truque, vem por conta disso? O amor é um truque? 

Clarice Falcão: Então, eu acho que de certa forma é um pouco a teoria do disco. A primeira coisa que eu fiz, eu acho que diferente do Tim, foi falar de amor. Tipo, acho que o Monomania é muito um disco sobre o primeiro amor. É um disco sobre você ficar idiota, sobre você acreditar totalmente naquilo e nada mais importa, nada mais existe. E você tem certeza que aquilo é para sempre e se acabar você vai morrer. E é isso mesmo. 

E eu sinto que o truque também tem um pouco desse sentimento de você se entregar totalmente, mas eu acho que tem uma hora na nossa vida que em algum lugar da nossa cabeça a gente sabe que a chance da gente se dar mal é grande, sabe? E que a gente escolhe se iludir, assim como quando você vai num show de mágica, que você vai sabendo que aquela pessoa não é um mago, ela não nasceu com poderes, tem um truque ali, mas você vai de peito aberto para se enganar, para se iludir, pra na hora falar “meu Deus, saiu um pombo”.

Eu acho que o amor, tem uma hora que você quer um pouco isso. Você sabe que é o seu corpo produzindo oxitocina e endorfina e não sei quê, na verdade é um pouco uma ilusão, mas que você quer viver. Eu acho que não conseguiria me fechar pra isso, só porque eu já me machuquei e provavelmente vou de novo, eu acho que a vida seria muito sem graça.

Minuto Indie: Tem 10 anos do Monomania também, né? Vai ser legal ver essa perspectiva sobre o mesmo assunto 10 anos depois. O que você ouviu, viveu, leu, e o que acha do mundo exterior te ajudou a construir esse universo do truque?

Clarice Falcão: Cara, é doido, porque eu não enxergo tanto uma coisa. O Tem Concerto, por exemplo, não foi um disco de referências exatamente, mas tem uma coisa muito forte de música eletrônica que dá pra ver. Tipo, eu me apaixonei muito pela cena eletrônica underground. Eu sempre fui fã da Björk, tinha Fotolog em homenagem a ela, então sempre gostei de coisas que envolviam eletrônica, mas aí comecei realmente a viver uma cena que estava acontecendo aqui no Brasil também, que era uma cena muito política, politizada e tal. Então é um disco que eu sinto que tem muitas coisas externas.

Eu acho que o Truque é um disco que veio muito mais internamente. E como ele é um disco muito narrativo, começa e termina, eu sinto que é uma história, apesar de ser um pouco contracorrente, porque as pessoas estão ouvindo cada vez mais no aleatório, playlists e tal. Foi uma coisa que eu quis fazer mesmo e eu sinto que as sonoridades vêm muito para contar essa história também. 

Eu e o Lucas de Paiva, que produziu comigo, quisemos muito fazer uma sonoridade que também remetesse a essa sensação de ilusão, de truque. Então, o disco tem muita coisa, por exemplo, que já tinha no Monomania, que são arranjos de cordas, que é uma coisa que acho ter muito a ver com se apaixonar, tipo, traz uma emoção. Tem uma ingenuidade naquelas cordas, porque, enfim… só que não são cordas de verdade, são cordas feitas em synth e tal. 

Então tem uma sensação de que tem algo esquisito, um truque também. Então a gente trabalha com sample, que é uma coisa da música, mas não é. E aí você distorce o sample a ponto de virar uma coisa sua, sabe? Eu acho que a sonoridade veio muito mais de uma ideia. 

“A gente queria muito fazer um disco bonito, mas que tivesse alguma coisa de esquisito.”

Minuto Indie: Você falou que ele tem um começo, meio e fim, e os dois singles que você lançou – “Chorar na Boate” e “Ar da Sua Graça” – são bem deprêzinhos, melancólicos, tristes… inclusive está tudo bem? Quer conversar? Pisque duas vezes se tiver precisando de ajuda. [risos]

Clarice Falcão: [piscou várias vezes e deu risada] Esse disco, eu acho que ele passa por algumas emoções, sabe? Ele tem tristeza, mas eu acho que ele tem mais senso de humor, eu volto para uma coisa um pouco mais bem humorada. E eu acho que é isso. Como ele fala justamente de se iludir e se desiludir, eu acho que tem o momento da ilusão também. Tem o momento de estar apaixonado, tem o momento de “faço qualquer coisa por você”, sabe? Então eu acho que esse é um disco bem equilibrado nesse sentido.

Minuto Indie: A gente estava no ensino médio quando saiu o Monomania, né? E você falou que tinha fotolog também na época da adolescência, que era fã da Björk. Quais sons marcaram a sua adolescência? O que construiu seu gosto durante esse período? 

Clarice Falcão: Eu fui muito fã da Björk. Acho que as duas coisas que eu mais fui fã na minha vida foram Björk e Blink-182. Eu tinha várias blusas, tinha azulzinha do Enema of the State, também tinha do Take Off Your Pants and Jacket, que era aquela preta com o sinalzinho. E eu fui emo, né? Então muitas coisas de emo me pegaram. 

E tinha as coisas que vinham da minha família também, tipo Chico [Buarque], que era uma coisa que desde pequena ouvi muito. Foi uma coisa que me incentivou a escrever em português, que é uma pessoa que sabe pegar a língua, que é uma língua difícil, porque ela tem uma métrica muito específica. É difícil de encaixar numa música. O inglês meio que flui, ainda mais quando você está sempre escutando coisas em inglês, que era meu caso. O Chico mostra como você pode usar a seu favor a métrica da língua portuguesa e como fica lindo uma coisa que pode parecer mais difícil, mas que fica mais bonita ainda, sabe?

Minuto Indie: Hora de um bate bola meio Marília Gabriela. Se você fosse descrever o truque em uma comida, qual seria? 

Clarice Falcão: Tenho duas respostas, ou um fast food, porque não é de verdade, né? É carne de minhoca, mas é uma delícia. Ou eu acho que talvez fosse tipo uma sobremesa, tipo um bolo de casamento, sabe? Uma coisa que é uma ocasião muito especial, é doce e colorida. Mas pode te dar uma dorzinha de barriga no dia seguinte.

Minuto Indie: Eu queria saber quais artistas novos você tem escutado e acha interessante? Aquela última coisa que você ouviu e a cabeça explodiu, sabe? 

Clarice Falcão: Cara, eu ouvi um disco que o Guilherme [Guedes, seu namorado] me apresentou. É Youth Lagoon, né? Youth Lagoon. Nossa, achei esse disco muito lindo, cara. Muito lindo. Achei muito bom. 

Minuto Indie: Clarice Falcão por Clarice Falcão.

Clarice Falcão: Truqueira. Acho que eu sei dar uns bons truques, fingir que eu sei fazer as coisas.

Quer ouvir a entrevista completa com a Clarice Falcão? Escute o Podcast do Minuto Indie no Spotify.

Autores

  • Bruno Santos

    Em horário comercial é escritor, criador de conteúdo, publicitário, estudante de Publicidade e Propaganda e colaborador do canal Minuto Indie. Fora dele é ex-fã da antiga banda One Direction e viciado em escutar os mais diferentes estilos musicais.

  • Maria Luísa Rodrigues

    mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.

Escrito por

Bruno Santos

Em horário comercial é escritor, criador de conteúdo, publicitário, estudante de Publicidade e Propaganda e colaborador do canal Minuto Indie. Fora dele é ex-fã da antiga banda One Direction e viciado em escutar os mais diferentes estilos musicais.