Banda carioca Sound Bullet

Conversamos com a Sound Bullet sobre o novo disco Inevitável, que mistura math rock com referências pop e políticas.

A permanente existência da Sound Bullet em 2023 quer dizer muito para a cena de rock do Rio de Janeiro. O grupo que começou em 2009 de forma independente entre amigos, este ano lançou o terceiro álbum da carreira pela Sony Music Brasil. Nas palavras da banda, o novo álbum Inevitável reúne math rock, política, games e animes. Mas além do caldeirão de referências, esse trabalho é um testemunho da amizade e familiaridade entre os integrantes do grupo, sejam os que estão desde a formação original ou os recém-chegados. 

“A Sound Bullet só existe há 14 anos porque a gente é amigo” – Fred Mattos, baixista.

Formado por Guilherme Gonzalez, Fred Mattos, Rodrigo Tak-ming, Henrique Wuensch e Bruno Castro, a Sound Bullet flertou com diferentes vertentes do rock durante os quatorze anos de existência. Pensando de maneira física, é o tradicional e boêmio bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, que aparece como um ator fundamental na compreensão do que é a banda. Afinal, é preciso olhar de onde eles partem para entender como a Sound Bullet “não é aquele indie mais duro de São Paulo”, como nos contaram em entrevista por vídeo. 

Ver os integrantes da banda falando sobre sua relação nos dá algumas pistas do porquê a Sound Bullet consegue sobreviver aos altos e baixos das múltiplas cenas locais que surgiram nesses anos de estrada. Parece ser, principalmente, pelo fato deles curtirem fazer música juntos. Não só tocar ou compor, mas estar uns com os outros nesse sonho compartilhado. Seja no palco de festival gringo ou nas casas grandes e pequenas dessa cidade. 

Confira a seguir o nosso papo com Guilherme e Fred sobre os segredos da longevidade da banda, os indies de ontem e amanhã, a cena carioca e o novo disco Inevitável

Minuto Indie: Como foi o processo de começar a banda em 2009 e quais são os segredos para vocês estarem aí até hoje?

Guilherme Gonzalez: O processo para começar foi até meio despretensioso, porque a gente gostava muito de música. Começou comigo e um amigo que eu tinha feito na época de escola de música. Aí o Fred entrou logo no início e ficamos nós três por um tempo e aí o negócio foi se desenvolvendo, achamos o Pedro. E aí a gente foi gostando e teve um momento que eu falei, “poxa, eu quero isso aqui para minha vida, vamos tentar dar sequência o máximo que a gente conseguir”. E aí já vão o quê? 14 anos. [risos] 

E você falou da sequência, eu acho que a gente gosta muito disso, da Sound Bullet, do que a gente construiu nesse tempo todo. A gente passou por algumas mudanças de formação, tanto que da formação original só restam eu e Fred. E também a gente se dá muito bem, então às vezes entre a gente pelo menos fica muito fácil pra manter o projeto vivo, manter a banda viva. E também contar com as pessoas que estão com a gente hoje também que deram uma nova vida, tanto o Tak, o Henrique e o Bruno. O Tak  principalmente movimentou muito a banda pra cima, então eu acho que esse é um dos motivos também.

MI: A descrição de vocês no Spotify é “uma banda de indie rock carioca, um pouco de Rio, um pouco de indie e muito comunismo”. Como, quando e o que cada um desses elementos está presente na Sound Bullet? 

Fred Mattos: [risos] A gente se considera indie rock. O indie rock tem um monte de vertentes. Quando a gente começou, na verdade, a gente curtia muito Arctic Monkeys, muito Bloc Party. E hoje em dia, o pessoal associa mais a Phoebe Bridges, ao Boygenius, esse tipo de coisa. Mas a gente se considera indie porque é o que a gente se ouvia. E acreditamos que o indie é muito disso. E a gente é muito Rio de Janeiro, né? E não só Rio de Janeiro, a gente é uma banda de uma região muito específica do Rio. Porque, como o Guilherme falou, a gente é uma banda de amigos. A Sound Bullet só existe há 14 anos porque a gente é amigo. Porque eu gosto do Guilherme, porque eu gosto do Tak, porque eu gosto do Henrique. E o Bruno aí chegou mais recentemente, mas eu gosto muito do Bruno. A gente é uma banda de amigos, existe por causa disso, né? 

E a gente existe dentro desse microcosmo, que é uma região aqui muito específica que é Laranjeiras. Apesar de só eu morar em Laranjeiras no momento, a gente começou tocando num estúdio em Laranjeiras, a gente passou dez anos ensaiando num mesmo estúdio em Laranjeiras. Boa parte das músicas que fizeram o nosso primeiro EP foram criadas em Laranjeiras, e trabalhadas em Laranjeiras com o Diogo. Então a gente é muito dessa parte do Rio de Janeiro, isso pra mim reflete nas nossas músicas. Eu acho que a gente não é aquele indie mais duro de São Paulo. 

E ao mesmo tempo, com o passar dos anos, a gente foi se entendendo como pessoas políticas. Então eu sou comunista, o Guilherme também é, apesar dele ser mais reformista do que eu. O Henrique também é comunista, o Bruno não sei direito, mas o Tak eu sei que compartilha também das mesmas visões. A gente acredita numa sociedade não capitalista como a melhor forma de organização econômica e política. Então acho que isso tudo reflete nas nossas músicas. Principalmente nesse último disco, a gente trouxe referências disso também. Estão escondidas lá, quem pegar pegou. 

Guilherme: Nem estão escondidas assim, né? [risos]

MI: Vocês mencionaram esse indie de 2009 e de hoje em dia. Acho que nem tudo que vocês ouvem cai no som da banda, mas quais são os artistas que vocês acompanham e curtem recentemente? 

Fred: Eu acho que nos últimos 8 anos, eu tenho ouvido muito pop punk. Desde que teve o show do The Story So Far no Rio, eu comecei a ouvir muito pop punk, eu ouço muito pop punk. E desde que eu sou moleque eu ouço muito rap. Então, nesses últimos meses eu tenho ouvido Hot Mulligan, Knuckle Puck e Real Friends, que são coisas que não refletem tanto no nosso som. Apesar de achar ele uma pessoa muito desprezível, eu tenho ouvido muito Drake nesses últimos dias. E eu sempre gostei muito de ouvir Common. 

Guilherme: Pra mim é engraçado que a gente acaba misturando muitas coisas, porque apesar de ter muita coisa parecida, tem muita coisa diferente. Esses últimos meses tenho ouvido muito Luedji Luna, por exemplo, umas coisas mais brasileiras, o disco do Criolo com Milton Nascimento. E essas coisas que realmente não pegam tanto no disco, né? Por exemplo, para esse último [álbum] também, a gente escutou muito Deftones e neo soul tipo Daniel Caesar, esse está até um pouco mais presente, mas acabam um pouco escondidos em nuances. 

MI: A partir dessas reconfigurações que também foram acontecendo na banda, como foi o processo do novo disco “Inevitável”?

Fred: Foi um processo um pouco diferente, porque o Inevitável, na verdade, ele começou a ser construído junto com o nosso disco anterior, que é o Home Ghosts. Porque a nossa ideia, a gente tinha passado isso para a Sony, era fazer dois discos menores, não fazer um só. Então a gente começou a compor muito em 2018, muitas coisas que provavelmente nunca vão ser lançadas. Ficamos um ano mais ou menos parados, trabalhando em outras coisas, porque a gente não tinha como se encontrar. Até que, em 2021, a gente já tinha cerca de umas 12 músicas e começamos a trabalhar com o Patrick Laplan, que produziu os nossos últimos três discos.  

E nesse processo a gente perdeu o Pedro, né? Não da vida, mas da banda [risos]. Ele decidiu sair.  A gente teve que reaprender algumas coisas, né? O Patrick entrou muito como o quinto membro, ele entrou numa parte não só de produzir, mas de entender a música ali como baterista junto. Então foi um processo muito diferente, o Inevitável ele carrega também aquele peso dos primeiros dois anos da pandemia, de uma sensação de angústia, de dor muito grande. E é um disco que eu acho bem pesado, bem agressivo. E é um disco que o Tak poderia falar melhor, porque é muito do Tak. Ele gravou muitas das guitarras, ele esteve muito à frente do processo. 

Guilherme: Só acho que complementar essa coisa que traduz muito esse sentimento que a gente estava no disco. Foi o que o Fred falou, a gente tinha outra ideia para ele, mas a gente foi fazendo e o sentimento aflorando. E aí muitas coisas vieram nessa última parte da composição do disco, esse último ano, esse último seis meses, muita coisa veio daí.

MI: Vocês tem alguma música do “Inevitável” que guardam no coração, aquela favorita do disco?

Guilherme: A minha já mudou algumas vezes, é engraçado, né? Acho que hoje eu tô com… Terreno Pt. 3, é a minha preferida hoje. Amanhã pode não ser, mas hoje é essa [risos]

Fred: Eu diria que a minha é Jupiter Jazz Pt. 2. Desde que a gente começou a criar o disco, ela é a música que eu mais gosto. Normalmente eu gosto das músicas mais pop. Eu escrevi a letra dessa música de uma forma que representasse um personagem que eu gosto muito, então ela significa muito pra mim. 

MI: Sobre o “Inevitável”, vocês dizem que a Sound Bullet uniu Mao Zedong, Cowboy Bebop e Pokémon em um álbum de math rock. Como faz para juntar esse caldeirão de referências num disco? 

Fred: Falando mais do Mao Zedong e do Cowboy Bebop, são referências que, apesar de ser uma coisa muito apartada, carregam alguns pontos em comum. Do Mao Zedong, ele tem um texto que fala sobre inevitabilidade, que é o conceito do álbum. E Cowboy Bebop, é o meu anime favorito, e fala sobre inevitabilidade. É sobre você estar programado para repetir aquilo ali. E aí tem outras referências, tipo em Jupiter Jazz mesmo, que é uma música sobre Cowboy Bebop, tem uma citação de uma frase que o Marx cita sobre Hegel em 18 de Brumário. Então tudo vai se entremeando ali. E aí a gente coloca nessa roupagem, que eu acho que foi o Tak que trouxe muito, do Math Rock neste disco especificamente, porque que ele desconsiderou toda e qualquer estrutura que ele pudesse desconsiderar. E eu achei muito divertido.

MI: Vocês estão aqui há tanto tempo, queria entender o olhar de vocês para fora. A cena no Rio de Janeiro, como vocês mencionaram, é um pouco diferente da de São Paulo. E o rock também passa por essa mudança de posicionamento geral na música. Mas como vocês veem essa cena de rock no Rio de Janeiro? Ela existe? Como podemos fazer ela florear um pouco mais? 

Guilherme: É engraçado, né? Porque, como você falou, a gente tá junto há tanto tempo, já passamos por tantos momentos. Quando a gente começou, tava uma coisa muito grande, assim, por exemplo, com R.Sigma, com Medulla, com Tipo Uísque, uma galera muito forte, crescendo muito rápido. E meio que passou. Depois veio, em 2015, 2016, a Cena Vive, com outro movimento, outra galera. E aí passou também de novo e a gente está junto. Eu acho que são esses ciclos. Diferente da cena de São Paulo, que sempre está acontecendo alguma coisa importante assim. E eu acho que passa por muitas coisas, não sei se o Fred concorda, mas passa muito da gente ter talvez menos casas, né, que em São Paulo tem muito lugar legal para fazer show. Aqui tem também alguns, mas alguns são mais fácil acesso, mais difícil acesso, tanto para a gente, quanto para o público. 

Tem toda a coisa da infraestrutura da cidade que é muito difícil. Se tem uma casa lá na Lapa, às vezes você sair de lá uma hora da manhã é horrível, né? Então já dificulta muito para as pessoas irem. Então tem toda a questão dessa parte da infraestrutura, dessa parte da relação das bandas com as casas, enfim, das bandas com as bandas, que a gente já passou por isso um milhão de vezes. Ter uma boa relação e você formar não um grupo, mas você ter umas pessoas mais próximas que você sempre vai fazer seus eventos juntos e daí você abrir para outras pessoas em outros lugares e vai acontecendo isso, mas em certo momento as bandas vão acabando, isso vai se perdendo até começarem outras bandas…. Então é isso, é um ciclo. E a pandemia, né, fechou muita coisa, fechou muita porta e acabou muita banda. A gente ainda sofre com as consequências disso. 

Fred: Eu diria que a coisa de São Paulo é que tem uma renovação constante. Então o Rio acaba sendo meio que uma rebarba, a não ser quando ele é uma vanguarda. Tipo, quando estava tendo essa cena de Indie aqui, lá em São Paulo estava meio que num fim, assim, não sei, num hiato, num momento de baixa, de uma cena mais hardcore que tinha ali antes. Então, aí o Indie daqui conseguiu virar muito. Várias bandas de Indie surgiram aqui, muitas bandas, muitas bandas que depois foram ser parte do Cena Vive, surgiram ali naquela época do início de 2010. Mas São Paulo não, lá é um fluxo constante de gente. Então você vê, nunca acaba uma cena em São Paulo. Ela sempre vai se migrando e vira outra coisa e depois outra coisa. Agora a gente está aí no emo já tem alguns anos, mas daqui a pouco vai aparecer outra. Enquanto no Rio a gente, desde a Cena Vive, a gente não vê outra parada. E uma banda de indie no Rio fora a gente não conheço mais ninguém, eu acho.

MI: Vocês acham que daqui para frente volta a ter? Vocês têm essa esperança do Rio de Janeiro no mapa de novo com uma cena?

Fred: Tomara, né? Tomara. Eu sempre torço pelo melhor. Eu acho que o rock está voltando. É muito difícil, o rock ficou muito estigmatizado. Mas eu acho que o rock está voltando para deixar de ser algo muito muito elitizado. Porque o rock não é só uma galera tocando guitarra na Zona Sul, tem uma galera fazendo rock bom em outros lugares dentro do Rio e que pode fazer muita coisa maneira. Então eu torço pra voltar, mas também precisam voltar os espaços.Ter mais estúdios que abram para show, ter mais casas que abram para show numa condição legal, porque tem muita casa que cobra muito caro ou que cobra uma porcentagem muito alta do bilhete, aí fica complicado, mas eu torço. E tem uma galera que toca muito bem no Rio.

“Acho que esse é o meu maior sonho, ser feliz tocando, tocar e fazer as pessoas ouvirem nosso som” – Fred Mattos, baixista

MI: O que vocês ainda sonham em fazer como banda? 

Guilherme: Engraçado. Eu, pelo menos, eu não tenho… Pode ser ter um erro aí de estratégia, vamos dizer assim. [risos] Sei lá, uma coisa muito alta, assim, um sonho, alguma coisa assim. Cara, se eu pudesse me dedicar a isso 100% do meu tempo, ou 100% do meu tempo de trabalho, seria incrível.  Mas, na minha opinião, a gente já tá vivendo um bagulho muito forte, muito bonito. A gente tá junto, grava um disco e esse disco vai virar outras coisas, outras influências que vão gerar um novo disco e é uma coisa que vai só crescendo, né? Então, meu objetivo, se for pensar onde eu quero chegar, eu quero chegar a ter uns 35 discos, ou mais, uns 50 discos da gente tocando junto. Porque é o que eu amo fazer, é o que a gente ama fazer. Então, não tem uma coisa assim, “ah, eu quero tocar num lugar específico”, eu acho que isso até é consequência, sei lá. Mas eu quero fazer com que a banda cresça ainda mais e a gente continue nesse processo, assim. Essa é a minha vontade.

Fred: Eu diria que eu acho que eu já consegui tudo que eu queria, né? Acho que ainda tenho sonhos, assim. Eu queria talvez fazer uma tour fora do Brasil, sabe. Talvez tocar num festival no Brasil que a gente nunca tocou. Talvez abrir para uma banda que eu seja muito fã. Mas tipo assim, são sonhos menores. Porque o que eu mais queria era um dia tocar fora do Brasil, a gente já tocou. A gente já tocou em festivais menores, já tocou nas casas importantes do Rio, já tocou no Circo Voador, no Imperator, já abriu para algumas bandas. Então, esses sonhos menores, eu acho que já bateu. Eu diria que eu quero continuar tocando, quero continuar tocando e ser feliz tocando. Acho que esse é o meu maior sonho, ser feliz tocando, tocar e fazer as pessoas ouvirem nosso som. E que as pessoas entendam também as mensagens que a gente propaga nas nossas músicas. Acho que esse é o meu sonho no momento.

Ouça Inevitável (2023) da Sound Bullet.

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Escrito por

Maria Luísa Rodrigues

mestranda em comunicação, midióloga de formação e jornalista de profissão. no Minuto Indie desde 2015 e em outros lugares nesse meio tempo.