Numa tabelinha Rio/São Paulo, o álbum conta com a produção ilustre da incansável Ana Frango Elétrico

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo | Foto por Biel Basile. (Sim, o bielzinho d’O Terno).

Uma banda independente no começo de carreira sempre encara dois desafios: fazer seu som chegar nas pessoas, e com isso, fazer o projeto não se tornar “uma enorme perda de tempo”. De um jeito divertido, barulhento e acessivelmente poético, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo e seu disco de estreia homônimo tiram de letra essa neura. Entre brasilidades e garageiras, o quarteto paulistano consegue em pouco mais de vinte minutos, fazer um som que agrada desde fãs da ‘nova’ MPB, à jovens amantes da galera do pack guitarrinha-cigarrinho (aka Mac DeMarco e afins). Numa tabelinha Rio/São Paulo, a banda conta com a produção ilustre da incansável Ana Frango Elétrico, principal nome da atual cena carioca, sendo essa troca musical uma relação muito mais de influência do que apenas colaboração. Em meio ao charme retrô do som, as nove músicas trazem desde os títulos aos refrões, um lirismo engraçado e sincero.

Bom, se você nunca ouviu falar da banda, com certeza a primeira coisa que chama atenção é o nome. De um jeito inusitado, essa ‘insegurança’ do nome faz parte de como a banda se juntou, bem aquela história: nada sério no começo, mas espontaneamente especial. A enorme perda de tempo é formada pelo guitarrista e tecladista Vicente Tassara, o baterista Theo Ceccato, o baixista Téo Serson, e encabeçada pela vocalista e guitarrista Sophia Chablau. Sophia tinha um show marcado, porém só o que tinha eram suas composições e nenhuma banda. Os meninos apareceram na hora certa, e depois de alguns ensaios e uma viagem ao Rio de Janeiro, a banda teve seu repertório ‘abençoado’ por Ana Frango Elétrico, que insistiu que ali tinha material bom o bastante para um disco. Esse dilema da música como um ócio produtivo é algo que transparece organicamente no disco, através do som que referencia tudo aquilo que o jovem alternativo paulista gosta: o rock de vanguarda d’Os Mutantes, a veia lo-fi do Terno Rei, e a autodepreciação cômica d’O Terno. Não gosto muito de desafios tipo “defina esse álbum em uma palavra”, mas se esse fosse o caso, uma que cairia bem é alternância. Em diversos momentos, o trabalho é recheado de elementos diferentes que pertencem a uma mesma vibe, e é nessa junção do ruído com o lúdico que está a beleza do álbum.

Uma pira que me veio é que nesse clima dualista, o álbum parece fazer alusão a esse nosso momento em duas perspectivas: como era bom o nosso rolê quando ele era possível, e como é lidar com essa saudade. Pelo fato de ter sido gravado em outubro de 2019, o álbum transmite aquela efervescência aleatória que é estar em contato com a cena através dos rolês, sentimento esse colocado através de jogo de palavras em músicas como Debaixo do Pano e Delícia/Luxúria. Já o lado mais contemplativo sobre o ‘tédio’ pandêmico aparece no brilhante verso “cada um tem seu jeito de fingir que está bem”, presente na música Fora do Meu Quarto. Voltando ao rolê da alternância, a disposição das faixas potencializa essa mescla melódica-explosiva. O disco abre com Pop Cabecinha, um pop de garagem que remete instantaneamente à Ana Frango Elétrico. Já a segunda música, Se Você, é um lo-fi atmosférico, que combina com a faixa seguinte, Fora do Meu Quarto, onde a melodia vocal de Sophia se destaca, soando como um clássico perdido de Rita Lee. A trinca mais lenta do disco é completa por Se Eu Fiz uma Não-canção Eu Não Podia, um vinheta assobiável de 30 segundos. A partir da quinta faixa, Deus Lindo, é que entra a influência do garage rock e rock alternativo dos anos 80/90, transmitida através dos vocais pausados, e das guitarras dissonantes e distorcidas, no maior estilo J Mascis. Hello mostra mais uma vez a influência de Ana Frango Elétrico, muito pela vibe pseudo-bossa nova, e o caricato jogo de palavras entre o português e o inglês, muito parecido com o que Ana fez na música Farelos, de seu primeiro disco, Mormaço Queima (2018). Fechando o disco, as três músicas finais guardam o momento mais dançante do trabalho, cada uma à sua maneira. Enquanto Debaixo do Pano traz um soft groove, Moças e Aeromoças parece uma junção da neo soul psicodélica com um indie rock solar. O clima de festinha indie é fechado com chave ouro através de Delícia/Luxúria, single anteriormente lançado, onde a cozinha de Theo & Téo (bateria e baixo respectivamente) carregam o astral vibrante da música, que passeia entre o indie pop e o rock alternativo.

Não existe receita mágica para uma estreia de sucesso, mas com certeza uma fórmula que chega perto é: a junção de referências reconhecíveis, com uma autenticidade moderna. De um jeito divertido e inteligente, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é um disco que já nasce memorável, com uma identidade que brinca sensivelmente com o limite entre o underground e o pop.

Design da capa por Maria Cau Levy, com foto de Biel Basile.

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, “Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo” (2021)

indie rock, MPB, pop rock.

RISCO.

Pra quem curte: Ana Frango Elétrico, Vovô Bebê e O Terno

NOTA: 8

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Autor

  • Luan Gomes

    Viciado em descobrir sons novos e antigos, mas sem abrir mão de uns hits batidos tipo "The Real Slim Shady" do Eminem. Perde um dia de vida toda vez que vê a pergunta "o rock morreu?"

Escrito por

Luan Gomes

Viciado em descobrir sons novos e antigos, mas sem abrir mão de uns hits batidos tipo "The Real Slim Shady" do Eminem. Perde um dia de vida toda vez que vê a pergunta "o rock morreu?"