Disco considerado um dos melhores dos Stones, completa 5 décadas de seu lançamento com histórias no mínimo curiosas

Foto promocional para o lançamento de Sticky Fingers

Em tempos pandêmicos, 2021 está parecendo mais um 2020.2 do que qualquer outra coisa. Um vírus assustador lá fora, uma vacina que nunca chega, políticos malucos no governo e todo mundo (teoricamente) ainda trancado dentro de casa. Uma boa forma de dar uma respirada é revisitar ou conhecer discos clássicos que estão por aí e a gente ainda não se aventurou por eles. Um desses casos é o álbum Sticky Fingers (1971) dos Rolling Stones que completa 50 anos agora em 2021 e traz diversos sucessos do grupo como Wild Horses e Brown Sugar. Sua história passa por um filme de faroeste, início dos festivais de música (que a gente tá doido pra voltar a frequentar) e motoqueiros drogados com tacos de sinuca na mão.

Segundo o baterista Charlie Watts, as músicas do disco começaram a ser compostas no início de 1969 quando Mick Jagger estava na Austrália nas filmagens do longa A Forca Será Tua Recompensa (1970). Um filme de faroeste em que Jagger interpreta o “fora-da-lei” australiano Ned Kelly, que ficou conhecido por ter enfrentado as autoridades durante a Austrália colonial. O personagem é retratado frequentemente no cinema e Jagger foi um dos que encarnou o personagem.

Foto mostra Mick Jagger no filme A Forca Será Tua Recompensa onde iniciaram as ideias para Sticky Fingers.
Mick Jagger como Ned Kelly em A Forca Será Tua Recompensa (1970). Enquanto gravava esse filme, o líder dos Stones teve as primeiras ideias do que seria Sticky Fingers.

Sticky Fingers foi o primeiro álbum em que o guitarrista Mick Taylor tocou de forma total. Ele entra para substituir Brian Jones, o lendário membro e um dos fundadores da banda que morreu de forma misteriosa em 1969. Taylor ficou no grupo até 1974, depois seguiu carreira solo. Também é o primeiro trabalho de inéditas em que Mick Jagger é creditado tocando guitarra e violão. A produção ficou por conta de Jimmy Miller que trabalhou com o grupo também em Beggars Banquet (1968), Let It Bleed (1969), Exile on Main St. (1972) e Goats Head Soup (1973).

“Mick começou a tocar mais guitarra”, contou Watts. “Ele toca guitarra-base de uma forma muito estranha… Bem do jeito que os brasileiros tocam. É como a guitarra em uma faixa de James Brown – para um baterista, é ótimo para tocar junto”. O guitarrista Mick Taylor, que tinha acabado de entrar na banda, ampliou o som dos Stones em Sway, Can’t You Hear Me Knocking e Moonlight Mile. Já Brown Sugar tem uma batida stoneana clássica. Duas das melhores faixas do álbum são da linha country: uma é reflexiva (Wild Horses) e a outra, alegre (Dead Flowers).”

Trecho de Os 500 Maiores Álbuns Internacionais de Todos os Tempos, da revista Rolling Stone em que Sticky Fingers aparece na posição de número 64. 

O disco foi lançado em 23 de abril de 1971 no Reino Unido e dia 30 nos Estados Unidos e é o primeiro a sair pelo selo The Rolling Stones Records (RSR) depois do fim do acordo com a ABKCO. A capa foi criada pelo pintor e cineasta Andy Warhol, que já criou outras artes para bandas como a banana do disco de estreia do Velvet Underground, The Velvet Underground and Nico (1967). Na versão em vinil de Sticky Fingers, a calça da capa, que traz um rapaz de jeans e com seu membro, digamos, feliz, traz um zíper de verdade. Quando aberto revela uma cueca por debaixo. Também é a primeira vez que a boca com a língua para fora, que se tornaria a marca do grupo, aparece. Ela foi criada pelo designer de arte britânico John Pasche.

Foto mostrando os dois lados de Sticky Fingers
Frente e verso de Sticky Fingers feita por Andy Warhol.
Parte interna de Sticky Fingers
Parte interna de Sticky Fingers com uma cueca com o nome de Andy Warhol.

Na época de seu lançamento, Sticky Fingers recebeu críticas divididas dos jornalistas musicais. Diferente do público que tornou o álbum um dos mais vendidos do grupo, alcançando primeiros lugares tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos e se mantém como um dos mais vendidos até hoje. Com o passar do tempo é que ele foi considerado relevante para a crítica especializada. Está constantemente aparecendo nas listas dos melhores de todos os tempos. São exemplos: 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame, 500 maiores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone e também da rede de TV VH1. Aparece também no livro 1001 discos para se ouvir antes de morrer

A música Wild Horses recentemente apareceu na trilha sonora da série de animação da Netflix Bojack Horseman (2014 – 2020). A série se passa em um universo em que os humanos dividem espaço com seres que são metade gente e metade animal. O protagonista Bojack, por exemplo, é metade gente e metade cavalo, daí o sobrenome Horseman (Horse significa cavalo e Man é homem em inglês). A produção, que é conhecida por fazer críticas ao universo dos famosos, leva do riso das ironias e referências no início até às lágrimas no decorrer dos episódios. Wild Horses surge justamente no momento “quero chorar mas não sei exatamente se é de tristeza ou alegria”.

 

Let it Bleed, o fim da contracultura e Sticky Fingers

Pouco antes do lançamento de Sticky Fingers, em 1969 os Stones estavam na turnê do disco anterior, Let it Bleed, e para encerrá-la, eles resolveram fazer um show gratuito no meio do nada, no estilo Woodstock que havia ocorrido recentemente, entre os dias 15 e 18 de agosto daquele mesmo ano. O evento batizado de Altamont Free Concert ocorreu no dia 6 de dezembro e também teve a presença de The Flying Burrito Brothers, Santana, Jefferson Airplane e Crosby, Stills, Nash & Young. Os Stones seria o último grupo a se apresentar. 

Mas o festival que vinha de uma vibe paz e amor acabou se tornando um caos. Entre 300 e 500 mil pessoas apareceram no evento que teve como seguranças os motoqueiros do Hell ‘s Angels, um grupo que era conhecido pela violência e que recebeu como pagamento 500 dólares em cerveja. A confusão começou desde cedo com atraso do show e os membros do grupo de motoqueiros violentos por terem utilizado drogas como LSD logo no início do evento. Quando os Rolling Stones começaram a se apresentar a noite, um homem saca uma arma no meio da multidão, um dos Hell’s Angls lhe dá uma facada nas costas que acaba o matando. Sem saber que o rapaz havia morrido, os Stones tentam continuar o show da forma mais decente possível. Mas eles acabam tendo que fugir de helicóptero sob gritos do público numa tentativa de ao menos sair vivo dali. Esse show é tido como o fim da contracultura que havia marcado tanto os anos 1960.

Incidente ocorrido durante o festival na época da gravação de Sticky Fingers.
Hell ‘s Angels “acalmando” a multidão utilizando tacos de sinuca.

Os acontecimentos deste evento, deram origem ao documentário Gimme Shelter (1970) que mostra todo o processo para que o festival fosse montado. Desde a turnê do grupo para o disco Let it Bleed, as negociações para conseguir o terreno para a realização até a confusão no dia. É interessante nesse documentário ver os Stones trabalhando nas canções que estariam presentes em Sticky Fingers. Temos momentos de estúdio com os membros deitados no chão ouvindo Wild Horses finalizada talvez pela primeira vez, até eles ouvindo outra mais animada em um gravador portátil em um quarto de hotel. Além é claro, de como era a vida deles e principalmente o interessante vestuário dos membros da banda.

É um registro interessante também para entender por que quando a gente vai a um show e principalmente num festival grande de música, de tantos seguranças, grades e procedimentos no lugar. Nesse período dos anos 1960 e 1970 era tudo novidade e assistir essas imagens hoje parece ser até inacreditável pensar que preferiram colocar um motoqueiro com um taco de sinuca do que um segurança treinado e capacitado para tal (se bem que os noticiários atualmente não têm mostrado isso como algo realmente eficiente).

 

Anos depois, Sticky Fingers ainda é um disco relevante

Sticky Fingers se destaca ao lado de outros clássicos do grupo como Exile on Main St. e Let it Bleed, por diversos fatores. Uma dos que gostaria de falar aqui é o fato de uma faixa, de certa forma, destoar bastante uma da outra. Depois de ouvirmos a introspectiva Wild Horses, por exemplo, somos surpreendidos pela animadíssima Can’t You Hear Me Knocking. Uma faixa longa, com 7 minutos de duração, que contém elementos como solos de saxofone e guitarra no meio da música. Inclusive o saxofone é tocado por Bobby Keys, um dos maiores amigos de Keith Richard e uma das parcerias mais duradouras do conjunto. E essas alterações, digamos, de humor, se estendem por todo o disco, o transformando em uma viagem emocionante e muitas vezes catártica de sentimentos.

Show ao vivo com apresentação completa de Sticky Fingers.
Rolling Stones se apresentando no Fonda Theatre em 2015, tocando Sticky Fingers na íntegra.

Em 2015 o disco foi relançado com faixas extras inéditas, incluindo uma versão de Brown Sugar com Eric Clapton na guitarra. O músico estava no estúdio Olimpic em Londres, na época da gravação do disco para o aniversário de Keith Richards. No relançamento, o grupo fez um show no Fonda Theatre em Los Angeles, em que tocaram o disco inteiro ao vivo.

Mesmo depois de cinco décadas de seu lançamento, Sticky Fingers ainda é um álbum muito interessante e agradável de se ouvir. Muitos julgam até esse o melhor trabalho do grupo. É um daqueles discos que entram na lista “para gostar de Rolling Stones”. Aliás, eu indicaria o disco e mais uma passada pelo documentário citado, Gimme Shelter, que traz além do caótico show, imagens de como os membros do grupo eram tão rock’n roll ao vivo. Ouso até dizer que eram muito mais do que seus contemporâneos e que sempre são colocados em comparação: os Beatles. John Lennon e amigos têm álbuns mais completos e com mais hits. Isso é fato. Mas ao assistir à gravações como as de Gimme Shelter é quase possível ver, o espírito do rock baixar no corpo de Mick Jagger e o fazendo suar numa dança louca enquanto canta uma música sobre o demônio para uma multidão enfurecida prestes a se matar (literalmente).

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