Primeiro disco solo de Arnaldo Baptista, Loki? (1974) está entre os melhores discos nacionais da década de 1970.
O primeiro disco solo de Arnaldo Baptista, Loki? (1974), após a sua saída da banda Os Mutantes, é um daqueles trabalhos que a gente ouve muito falar, mas nunca coloca realmente para tocar (ao menos comigo foi assim). Talvez parte disso venha de um certo estranhamento da capa psicodélica que mistura espaço sideral, peito sem camisa e calça de couro colada. No recheio o disco traz uma mistura de psicodelia e música brega com canções de amor e relacionamentos mal sucedidos. E boa parte disso se passava na cabeça do cantor.
Arnaldo passava em meados da década de 1970 por uma bad vibes total. Ele tinha acabado de sair dos Mutantes, cujo era conhecido por ser um rapaz irreverente, e seu relacionamento com a companheira de banda Rita Lee tinha chegado ao fim. O disco é então carregado de incertezas, principalmente se daria certo uma carreira solo após fazer tanto sucesso com seu grupo de origem, e lamentos pelo fim de seu relacionamento. A princípio a gravadora estava relutante quanto lançar o trabalho, mas acabou topando o desafio. O trabalho foi executado rapidamente como se o cantor quisesse se livrar rapidamente daquilo. Foi quase um exorcismo gravar Loki?.
A foto na capa foi tirada com Arnaldo no alpendre na casa que ele tinha em Serra da Cantareira em São Paulo que, inclusive ele canta no trecho da música Será que vou virar Bolor: “Eu vou voltar para Cantareira”. No verso da capa o cantor está próximo a estátua de um anjo que o próprio comprou de um túmulo de um cemitério da mesma cidade e colocou em sua casa. A arte foi feita através de colagem numa época em que não havia ainda programas de edição de imagem por computador com a concepção do próprio Arnaldo.
“A capa tenta traduzir o que a música possui dentro da capa. O que tem do conteúdo musical naquilo. A gente vê um montão de capas e se sente atraído por aquela. E depois compra para saber se tinha relação entre a atração de fótons e a atração de música. Se tem um relacionamento.” Depoimento de Arnaldo Baptista em Arte Na Capa, do Canal Brasil.
Apesar de agradar a crítica, Loki? não teve uma boa recepção do público que refletiu na baixa vendagem. A partir da década de 1990 figuras como o líder do Nirvana, Kurt Cobain, e o filho de John Lennon, Sean Lennon mostraram interesse pela obra do conjunto, formado por Arnaldo e Rita e Sérgio Dias, é que o disco também ganhou atenção e foi redescoberto por novas gerações.
Em 2014, um projeto chamado 74 Rotações, convidou diferentes artistas para fazer novas versões de álbuns clássicos da música brasileira que haviam sido lançados em 1974. Discos como A Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben e Elis & Tom estavam na lista. A banda O Terno, foi a responsável por criar versões para Loki?. “É um disco delicado e denso mas com a virilidade do Rock n Roll, das obras-primas da nossa música.” Conta Tim Bernardes, vocalista do trio em entrevista. “Somos fãs de carteirinha do “Loki?”, também não gostamos do Alice Cooper e queremos saber ‘Onde é que está meu rock and roll?’”. Completa Tim referenciando a canção “Será que eu Vou Virar Bolor?”, do disco.
Em 2019 o ex-baixista da banda Cachorro Grande, Rodolfo Krieger, dirigiu um show em comemoração aos 45 anos do lançamento do disco. A apresentação que ocorreu em São Paulo teve a participação de Helio Flanders (Vanguart), Thunderbird, Tatá Aeroplano, entre outros. Em matéria para a Rolling Stone para divulgar o show, Krieger comentou todas as faixas do disco.
“O Loki? foi o primeiro disco que comprei quando cheguei em São Paulo. Eu tinha entrado recentemente na Cachorro Grande e meu sonho era conhecer a Galeria do Rock. Encontrei o disco em vinil na Baratos Afins. Foi muito foda colocar a agulha em atrito com o disco e ouvir ‘Será Que Eu Vou Virar Bolor?’. Apesar de já conhecer o álbum, me abriu um clarão imenso. Mergulhei em um universo que até hoje toma conta dos meus pensamentos.” Rodolfo Krieger, em entrevista a Rolling Stone
Apesar de toda a incerteza do momento, Arnaldo Baptista conseguiu transformar toda sua dor e amargor do momento em uma obra agridoce e psicodélica chamada Loki?. O disco faz conjunto com outras pérolas brasileiras da década de 1970 como o já citado Tábua de Esmeralda, Acabou Chorare (1972), de Novos Baianos, Transa (1972), de Caetano Veloso e Alucinação (1976), de Belchior. Todos são discos merecedores de serem descobertos e redescobertos pelas novas gerações.
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