O punk destemido e debochado das Lambrini Girls em “Who Let The Dogs Out?”

A banda inglesa de punk Lambrini Girls começou o ano de 2025 com o pé direito, colocando no mundo seu primeiro álbum “Who Let The Dogs Out?”. Formada por Phoebe Lunny (vocais e guitarra) e Lily Macieira (baixo), a banda produz uma sonoridade frenética e raivosa que reflete adequadamente a essência do punk contemporâneo, porém repleto de toques de originalidade.

Ao trilhar um caminho alinhado às raízes punk, o álbum “Who Let The Dogs Out?” possui um caráter contracultural e assumiu uma postura crítica e barulhenta. Lunny e Macieira fazem uso do espaço lírico de suas canções para denunciar e debochar de problemáticas sociais atuais, seja diante de formas de relações amorosas, disparidade social ou masculinidade tóxica. Elas não têm medo de dizer o que querem dizer: suas letras são afiadas e cruas, sem meias palavras.

Ao longo das 11 faixas, há indícios bem claros do perfil de quem compôs o álbum e para quem ele foi composto: é um álbum definitivamente contemporâneo, com a cara da Gen Z. Por mais que as raízes instrumentais sejam fincadas nas tradições do punk, com faixas curtas e acordes repetidos, as Lambrini Girls tornam o gênero atual, divertido e irreverente. Seu aspecto político é mantido ao falarem de questões atuais, sempre acompanhadas de termos e expressões bem recorrentes na internet, como “big dick energy”, “nepo baby” e “cuntology”.

Capa do disco
        Capa do disco

 

De certa forma, cada faixa do álbum possui um endereçamento crítico, e são muitos os seus alvos. Em “Company Culture”, como o próprio nome já diz, é construída uma narrativa sobre a cultura do ambiente corporativo, em que mulheres são inferiorizadas e submetidas a situações de assédio. Elas vão além nas questões políticas que as cercam, como em “You’re Not From Around Here”, uma faixa sobre gentrificação, em que a vocalista vomita críticas políticas à dinâmica urbana contemporânea, tudo isso acompanhado de riffs dinâmicos, vocais caóticos e um baixo bastante distorcido.

Para além da indisciplinada abordagem de grandes questões comuns da vida na atual década de 20, o álbum também assume uma face bastante pessoal e vulnerável. Isso ocorre especialmente em “Nothing Tastes as Good as It Feels”, com desabafos sobre as inescapáveis misoginia internalizada e pressões estéticas sofridas por mulheres e que, na faixa, aparecem em forma de gritos ferozes, às vezes indecifráveis.

Quando perguntadas sobre as motivações para começarem seu trabalho na música em entrevista para NME, as integrantes revelaram  genuínas frustrações e indignações diante do que elas observam na cena musical de Brighton, sua cidade natal — um ambiente hostil e inseguro para mulheres, com relatos de abuso e assédio partindo tanto de artistas quanto do público. Assim, parte desse inconformismo foi canalizado na criação de seus próprios projetos, com valores e limites éticos bem definidos. Embora tenham ciência de que sozinhas podem não ser capazes de provocar uma mudança em larga escala, elas se veem encarregadas de, por meio de suas músicas e apresentações, abrir espaço para diálogo acerca desse desconforto existente e criar, para seus ouvintes, um ambiente seguro.

Há, no entanto, um incômodo diante dos estereótipos e “caixinhas” nas quais a indústria tenta colocá-las. As comparações – bastante frequentes – com o movimento Riot Grrrl não são ideais aos olhos das integrantes, mesmo acompanhadas das melhores das intenções, por acreditarem que isso estaria reduzindo o trabalho delas a um “punk de mulher genérico”. Mesmo que Lunny e Macieira reconheçam o papel que ocupam e as pautas que defendem como mulheres, elas

sustentam uma posição em que pautar o debate de sua obra musical majoritariamente em cima de questões de gênero pode, na verdade, ser contraprodutivo. Seus desejos residem, então, numa busca por um reconhecimento igualitário do trabalho musical, sem que a feminilidade se torne um estigma.

O caminho trilhado até aqui, embora curto, é promissor. As Lambrini Girls já tocaram no Dog Day Afternoon, festival de curadoria do padrinho do punk iggy pop, e o próprio já alegou que elas estão dentre seus artistas favoritos do punk contemporâneo. Desde seu lançamento, em 10 de janeiro de 2025, o álbum tem tido boa recepção, e as artistas tem ganhado holofotes para falarem sobre seu som e sua existência como banda.

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