Minha primeira Quase Resenha no blog já veio com um álbum que, além de ser muito bem produzido, me dá orgulho de ser da cidade em que moro. A Trupe Poligodélica, banda de rock psicodélico do Vale do São Francisco (para quem não sabe, é essa junção BA e PE dividindo Juazeiro e Petrolina por uma ponte) vem com seu segundo álbum, depois do A Transmutação do Eco em Lenda, de 2020. Quem acompanha o canal já viu a banda por lá em um vídeo indicação, quem não viu/ouviu, chegou a hora!
O álbum Oroboros tem a ideia de ciclos e recomeços, com um conceito de eternidade vindo do próprio símbolo do encarte: o dragão ou serpente devorando a própria cauda (conhecido como ouroboros). O conceito de recomeços vem também em suas oito faixas e já começa animada e cheia de riffs com a Nanana Nanana que tem destaque para o dueto do vocalista Fatel e a cantora e compositora recifense Galvöao te convidando para ouvir todo o resto. Eles também repetem essa divisão de versos na Fusão de Horizontes. Temos as instrumentais Labirinto e 8, já a Umbilical USB III é uma mistura de instrumental com declamação de versos, quase como um conto/conselho. Essa é precedida da El Amanecer que destaca os vocais em sua primeira parte e ganha mais energia instrumental depois, terminando com um sample poderoso (de uma música ainda não lançada) da Galvöao, explorando elementos da natureza que se conectam com o início da Umbilical, com versos que dizem “Eu quero ouroborar, comer minha própria cauda e encarar a face de Deus”.
Esse lado conectado com a natureza pode ser muito bem explicado, já que o trabalho do álbum foi realizado em uma chácara de Petrolina, durante quinze dias, agora em janeiro, e trouxe esse reencontro dos membros da banda, cheios de vontade de se expressar após meses de isolamento. Ainda temos a Cortes de Navalha à Fogo Lento, a mais parecida com o primeiro álbum e a Adachuva, primeiro single, que já ganhou clipe, gravado na mesma chácara, em P&B, mostrando os membros da banda tocando e cenas cotidianas. A voz poderosa de Fatel vai crescendo ao longo da faixa que contém várias metáforas, sendo a mais forte “tem chuva que chove garoa, e se eu viesse chuva era pra desabar”.
A Trupe Poligodélica mostra que sabe começar novos ciclos e projetos sem tirar a personalidade já conhecida no álbum do ano passado. Mas eles apontam diferenças cruciais entre os dois, em questões de seleção das músicas, a maneira como fizeram a composição e arranjos. A sensação que tenho é de evolução de qualidade mesmo. E foi isso que senti no álbum. A própria capa aponta o início desse ciclo, ao deixar o lado mais ensolarado do A Transmutação do Eco em Lenda e sair do portal abaixo da escada como lua, representando o lado mais reflexivo e soturno do Oroboros. A banda consegue trazer um conjunto que nem todos conseguem: vocais, letras, instrumental e conceito artístico impecáveis. É por isso que até para os não muito ouvintes de psicodelia (como eu) vão se encantar pelo trabalho da Trupe.
Perfeita as observações! Muito sensível ao som e proposta da banda.
Linda resenha <3