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Em In Cauda Venenum, o Opeth nos leva a uma verdadeira jornada alquímica sonora. Mikael Åkerfeldt, o mentor e cérebro criativo da banda, parece operar como um verdadeiro grão-mestre de cerimônias, onde elementos aparentemente díspares se fundem em uma obra desconcertante e progressiva. Com versões gêmeas – em sueco e inglês – o álbum se assemelha a um grimório bilíngue, em que cada idioma revela uma faceta única e distinta das músicas, como se fossem diferentes fórmulas de uma mesma poção. O lançamento não apenas reflete a maestria musical do grupo, mas também a confiança de Åkerfeldt em sua visão artística e na direção que a banda tomou ao longo dos anos.

Essa é a capa da edição extendida do álbum, que contém três faixas bônus e a versão em sueco do In Cauda Venenum.

A primeira faixa, “Garden of Earthly Delights”, funciona como um prólogo ritualístico, um encantamento sonoro que prepara os ouvintes para a transmutação musical que está por vir. Há uma clara construção de expectativa, como se Åkerfeldt estivesse nos conduzindo a um limiar entre o mundo conhecido e o esotérico. Essa introdução instrumental cheia de sintetizadores ambientes sugere uma abertura para algo além do comum. É o início de um processo de imersão para o ouvinte, um convite para mergulhar nas profundezas da criação do Opeth.

À medida que nos aprofundamos no álbum, canções como “Dignity” e “Heart in Hand” aparecem como os verdadeiros homúnculos dessa criação alquímica. São faixas que parecem ganhar vida própria, movendo-se entre o etéreo e o terreno, entre a suavidade melódica e a dissonância visceral. O Opeth, em sua forma progressiva, consegue equilibrar o belo e o brutal, o tradicional e o inovador. Nestas canções, a banda demonstra não só sua técnica refinada, mas também uma capacidade única de criar paisagens sonoras multifacetadas, sempre desafiando as expectativas do ouvinte. “Dignity” é um exemplo perfeito disso: uma composição que começa de forma suave, mas logo evolui para algo muito mais dinâmico e imprevisível, desafiando o ouvinte a manter-se atento a cada virada e mudança de direção.

Entretanto, nem toda alquimia resulta em ouro puro. “Lovelorn Crime” e “Next of Kin” são faixas que, embora agradáveis, não alcançam o brilho transcendente que encontramos em outros momentos do álbum. São composições competentes, sim, mas não possuem a mesma profundidade que define as melhores criações do Opeth. É como se essas músicas fossem tentativas de transmutar chumbo em prata – bem-sucedidas, porém ainda longe da faísca divina que eleva uma obra ao status de clássico. Isso não significa que sejam descartáveis; apenas carecem do impacto emocional ou da inovação que se espera da banda em sua fase progressiva.

O verdadeiro ponto de ebulição do álbum surge com “Charlatan”, uma faixa que transborda fúria controlada e serve como um pulsar feroz dentro da narrativa sonora. Aqui, o Opeth nos lembra de que, mesmo em sua fase mais progressiva e refinada, ainda é capaz de conjurar tempestades sônicas com uma precisão quase cirúrgica. Essa faixa é como um trovão musical que ecoa com intensidade, mas nunca perde o controle. A agressividade em “Charlatan” é acompanhada de uma sofisticação instrumental que, em última análise, reforça o poder da banda em seu auge criativo.

O álbum então se encaminha para sua conclusão com “Universal Truth” , uma faixa acústica que inicialmente parece simples e aconchegante, mas que carrega uma raiva contida nas entrelinhas. É uma faixa que tem inspirações em Porcupine Tree e Steven Wilson, que é um amigo pessoal do Åkerfeldt, que já produziu álbuns do Opeth como Blackwater Park (2001), Deliverance (2002), Damnation (2003) e Heritage (2011). É uma balada que se desenvolve de forma intrigante, alternando entre momentos de quietude e explosões emocionais. “The Garroter” surge em seguida, uma faixa que divide opiniões, caminhando por terrenos sonoros menos previsíveis e talvez até mais esotéricos. Essa faixa parece se afastar das fórmulas convencionais do rock progressivo, explorando nuances que nem sempre são fáceis de absorver em uma primeira audição.

A reta final do álbum, com “Continuum” e “All Things Will Pass”, fecha o ciclo alquímico com uma grandeza que beira o épico. A influência quase wagneriana dessas composições adiciona um peso dramático à conclusão do álbum, como se toda a jornada musical estivesse culminando em um clímax inevitável e catártico. Essas duas faixas trazem uma sensação de fechamento, de que o círculo mágico se completou. Há uma harmonia final que, mesmo depois de todas as variações e surpresas ao longo do álbum, oferece uma sensação de resolução.

In Cauda Venenum não é um álbum para ouvintes casuais e fãs mais fervorosos do Opeth. Ele exige paciência, atenção e, acima de tudo, comprometimento. É uma obra que, assim como as antigas práticas alquímicas, busca a transformação e a transcendência. Aqueles que estiverem dispostos a se entregar ao ritual musical proposto pelo Opeth serão recompensados com uma experiência que vai além do ordinário. Seja você um veterano dos mistérios sonoros da banda ou um novato curioso, este álbum oferece uma jornada complexa e profundamente satisfatória, provando mais uma vez que o rock progressivo ainda pode ser uma força criativa e transformadora.

 

 

Autor

Escrito por

Giovanni

Fã de prog, metal, jazz e indie.