Polícia e personalidades públicas perseguiam a banda que acabou presa em 1997 e respondeu com um disco político e criativo
É impossível ouvir falar em Planet Hemp, Marcelo D2 e afins e não pensar em drogas ilícitas, mais precisamente a maconha. O auge da polêmica foi quando o grupo inteiro foi preso após se apresentar em Brasília, em 1997 e ficou cinco dias na cadeia. No terceiro disco do conjunto, A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000), a experiência foi uma das principais inspirações que resultou num dos discos mais interessantes da carreira do grupo. Mesmo vinte anos após seu lançamento, ele se mostra tão atual quanto antes ao discutir questões que, infelizmente, ainda assolam o dia a dia do brasileiro. Para além da legalização das drogas, o álbum ainda fala sobre milícias, polícia autoritária e problemas políticos.
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A Invasão do Sagaz Homem Fumaça é o disco menos comercial da discografia do Planet Hemp e também o com melhores avaliações dos críticos. Musicalmente, o grupo mostra uma das suas melhores formas na mistura dos elementos do rock com hip hop. Existe até uma pontinha de surf rock na instrumental Gorilla Grip. Conta com a presença de dois grandes hits do grupo Ex-Quadrilha da Fumaça e Contexto. Nesse ano de 2020, ao completar 20 anos de seu lançamento, ganhou também uma nova edição em vinil.
O que mais assusta e intriga nesse disco, e nas obras do Planet Hemp em geral, é a atualidade e a relevância dos temas mesmo depois de tantos anos de seu lançamento. A canção Test Drive de Freio de Camburão conta sobre a opressão da polícia em minorias e moradores de periferia como seres dignos de sofrerem violência, mas não de serem ouvidos ou protegidos. Na verdade, essas pessoas são apontadas como ameaça ao tão falado “cidadão de bem”.
“Acendo um e penso na polícia
Servir e proteger
Servir a quem? Proteger de quê?
Esquadrão da morte oficial dobrou a esquina
Camburão, urubu, pobre carne, se eu tô na lista
Afro-brasileiro
Não sou garotinho mas represento o Rio de Janeiro
Seu coroné mandou bater no neguinho que falou demais
A banda-podre me faz sempre olhar pra trás”
Trecho da música Test Drive de Freio de Camburão, de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça.
O Hit Ex-Quadrilha da Fumaça foi a canção mais explicitamente composta inspirada na prisão que o grupo sofreu por serem acusados de fazer apologia ao uso da maconha. Depois de repetir diversas vezes “Adivinha doutor quem tá de volta na praça? Planet Hemp! Ex-Quadrilha da Fumaça”, além de outras diretas e indiretas para a prisão, a canção se encerra dizendo “Querem me calar, mas olha eu aqui de novo”. A Ex-Quadrilha da Fumaça ainda ganhou um clipe que fez muito sucesso na época protagonizado por chimpanzés.
Na época, os artigos do código penal que indicavam a prisão da banda eram o 12 e o 18, apologia às drogas e formação de quadrilha. Virou título da canção que abre o disco, 12 com Dezoito.
Episódio parecido havia acontecido com o grupo Titãs em 1985. O guitarrista Tony Bellotto foi pego com 30 mg de heroína, preso e solto após pagar fiança e em seguida, foi indiciado como usuário e condenado a seis meses de pena em regime aberto. O vocalista Arnaldo Antunes foi pego com 128 mg de pó e enquadrado como traficante sem direito a pagar fiança e, em seguida, indiciado a três anos de prisão também em regime aberto. O acontecimento deu origem a uma mudança no grupo que passou a adotar uma atitude mais agressiva. Nos anos seguintes lançaram dois álbuns celebrados até hoje: Cabeça Dinossauro (1986) e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987). Destaque para a faixa Polícia, do Cabeça Dinossauro que é usada como canção de protesto até hoje e entrou até para a trilha de Tropa de Elite (2007).
A capa de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça é do quadrinista Marcello Quintanilha, cujo D2 estava lendo na época e identificou a história com a da sua própria infância. Ele apresentou a revista aos demais membros da banda que resolveram transformar o título da canção Sagaz Homem Fumaça em um personagem. Um anti-herói que iria batizar o disco e Quintanilha sendo o ilustrador.
“Amo essa capa… Aquele personagem representa muito o que a gente queria falar com aquele disco. Os discos do Planet sempre foram muito temáticos: Usuário é sobre a coisa para ser um usuário sem precisar da guerra, o segundo que é de uma liberdade de expressão e esse terceiro que é sobre um anti-herói. Aquele cara que quer levantar a mão para falar e a sociedade não deixa. Ele me passa uma coisa de quem sabe o que quer, mas que para ser ouvido vai precisar meter o pé na porta”, – revelou Marcelo sobre os 20 anos do álbum ao Omelete.
O que o disco, e o discurso da banda em geral propõem é ao menos a possibilidade de discutir a legalização da maconha que afeta tanto a vida dos brasileiros. As principais vítimas dessa impossibilidade de discussão são as pessoas periféricas, principalmente os negros e moradores de comunidades. Essas pessoas são vistas como a “origem do mal” mesmo sendo somente usuários, moradores de comunidades ou apenas parecido com um desses. Coisa que não acontece quando um sujeito de outra classe (branco), ou que pareça ser, é visto explicitamente consumindo tais substância e é tido apenas como “brincadeira juvenil”.
O disco propõe outras comparações como, por exemplo, os crimes de políticos que desviam dinheiro público com um usuário que pretende ter um momento de descanso. Óbvio que aí existem diversas questões a serem analisadas, mas os membros da banda parecem ter conhecimento suficiente para discutir o assunto. Isso pode ser visto primeiro dando uma olhada mais atenta às críticas indicadas nas letras das músicas, depois em entrevistas concedidas pelo conjunto. Um dos melhores exemplos está na participação do Planet Hemp no extinto Programa Livre do SBT. A banda participou poucos dias depois de ser liberada da cadeia e explicaram por que foram presos e o que acharam de todo o acontecimento. Marcelo D2, por alguma razão, não apareceu no dia.
O disco seguinte a A Invasão do Sagaz Homem Fumaça, foi MTV ao vivo Planet Hemp (2001) e o grupo entrou em hiato e em 2012 voltaram a fazer apresentações ao vivo. Um novo disco estava para sair ainda esse ano, mas devido ao estranho e conturbado ano que 2020 está sendo, ainda não chegaram aos nossos ouvidos. Quem lançou um disco de inéditas foi Marcelo D2, chamado Assim tocam os meus tambores (2020), criado totalmente durante a quarentena.
OUÇA A INVASÃO DO SAGAZ HOMEM FUMAÇA
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