Com passagem pela primeira vez aqui no Brasil, a banda Fin del Mundo já chegou chegando: shows com ingressos esgotados, data extra em São Paulo e a galera da cena alternativa sedenta para conhecer o poder do quarteto formado por Julieta Heredia, Lucía Masnatta, Julieta Limia e Yeanina Silva.
Elas já estão entre os grupos de maior projeção na cena alternativa da América Latina e divulgam nesta tour o primeiro disco “Todo Va Hacia El Mar”, que reúne um compilado de canções já lançadas em EP’s. A gente bateu um papo incrível com Lucía, falando sobre as expectativas desta turnê, criação de redes para conectar a cena independente latina, as perspectivas para a cultura na Argentina com Javier Milei e claro, o que podemos esperar do próximo disco.
Nos primeiros shows aqui na terrinha, elas conquistaram de vez o público do brasa, mostrando canções enérgicas e mostrando porque estão ganhando cada vez mais espaço como uma das principais bandas do indie rock latino.
Confira um pouquinho desta entrevista.
Duda: Como se sentem ao chegar ao Brasil pela primeira vez, com uma resposta tão positiva do público e shows esgotados?
Lucia: Estamos muito contentes porque amamos o Brasil. É um país que nos encanta, adoramos ir lá de férias, amamos sua praia, música, comida, cultura. Nos surpreende que, com um patrimônio cultural tão rico, gostem do que fazemos. É uma honra. Não sabíamos que teríamos uma resposta tão boa. Estamos surpresas e também um pouco ansiosas, pois queremos dar o nosso melhor.
Duda: Aqui no Brasil, não temos uma conexão real com a cena alternativa da América Latina, como a Argentina tem com o Uruguai e outros países, como a Colômbia. Como você vê essa falta de conexão?
Lucia: Acho muito importante criar redes entre pares. Todas as conexões que tivemos, seja com o Chile, Uruguai ou Peru, surgiram de relações de pessoa para pessoa, de banda para banda, de banda para jornalista independente. A internet hoje é uma ferramenta muito importante. Fazer playlists no Spotify com bandas indie latino-americanas ajuda muito. Sim, sabemos que o Brasil é mais distante, sentimos isso. É importante estabelecer laços, apesar das barreiras linguísticas, que são reais, mas não devem nos afastar. Não deixamos que a barreira linguística nos coloque numa relação distante. Embora seja uma realidade, acreditamos que não é tão forte a ponto de nos separar.
Duda: Ah sim, é uma dificuldade, mas esta entrevista é um grande exemplo de que conseguimos! (risos) Sobre a música alternativa na Argentina, há uma representação feminina na cena indie rock do país. Vocês tem legislação específica sobre isso, e que é um exemplo paraincluir as mulheres em grandes eventos. Isso funciona ainda, como está hoje?
Lúcia: Na Argentina, existe a lei de cota feminina, que exige um percentual de mulheres no palco. Hoje, essa lei já não é mais necessária porque naturalmente há muitas mulheres presentes. No início, talvez fosse necessário devido à desigualdade, mas hoje, graças às mulheres que se atreveram a subir ao palco, isso mudou. Dar espaço para outras garotas de diferentes lugares hoje em dia não é mais um problema, porque você vai a um show e está cheio de pessoas, você vê uma banda e são duas garotas e dois garotos, hoje em dia já não há problema com isso. De qualquer forma, parece-me muito interessante através de leis e através desse tipo de iniciativas sérias criar um espaço para que, depois, as coisas fluam naturalmente.
Duda: Qual foi o momento mais emblemático da carreira da banda até agora?
Lúcia: Falando em nome das quatro, eu diria que a participação no KEXP Argentina foi um divisor de águas. Não podíamos acreditar, foi um sonho realizado. Somos uma banda ainda autogerida, e essa oportunidade abriu um panorama gigantesco para nós no mundo todo.Existem pessoas de todos os lugares que nos contatam e nos dizem: “Acabei de ver a sessão, adorei, por favor venham ao meu país, por favor, eu quero uma camiseta, quero isso”. Acho que isso foi muito mágico para nós, ter sido parte disso, ter sido convidadas. Sentimos como uma grande responsabilidade porque é uma rádio que amamos e que, com outra pessoa, jamais imaginamos que viria ao nosso país. E essa é outra das coisas que podem acontecer quando se tem um estado presente apostando na cultura, porque o que aconteceu conosco, porque o Ministério da Cultura da Argentina, segundo entendi, fez essa aliança, e graças a isso tudo aconteceu. Depois de gravar, apresentamos o show, então o que temos agora é uma turnê pela Europa novamente em agosto, estaremos viajando outra vez.
Duda: Como vocês estão lidando com a recente situação política na Argentina, especialmente considerando que a banda é composta por mulheres e vocês sempre transmitem mensagens profundas em suas músicas?
Lúcia: Estamos passando por um momento muito difícil, tanto econômica quanto socialmente, em todas as áreas, inclusive na cultura. É verdade que vemos o que aconteceu com vocês, e temos que mencionar que seu ex-presidente é um meme. Então, não é algo tão estranho para nós, pois sabemos que ele é o protótipo de líderes, digamos, de direita. E a verdade é que a arte independente existiu e sempre existirá, apesar de tudo. Isso é assim porque acredito ser uma necessidade dos povos se expressarem. Não acho que nenhum governo possa cancelar completamente um evento na Argentina; já vivemos coisas assim. Claramente, tudo isso foi um processo ao longo dos anos para chegarmos onde estamos. Felizmente, há muitas pessoas que são contra e o manifestam abertamente. Não somos a favor da violência, não somos a favor de zombar dos outros, não somos a favor de tirar os remédios de crianças com câncer; isso já é demais, estamos escalando um nível de loucura e isso é horrível. Tentamos nos manter informadas sem deixar que a corrente nos arraste. Se você está o tempo todo assistindo às notícias, tudo parece tão ruim que te deixa numa posição passiva diante do caos. O que queremos sempre é ser sujeitos de direitos, queremos poder expressar, falar, dizer o que nos acontece. Então, bem, não acreditamos que isso vá durar muito, porque o povo argentino tem uma história de resistência.
Duda: Isso vai acabar influenciando o novo disco?
Lúcia: É possível, pois estamos vivendo esse conceito, mas nós não somos uma banda que se apega a uma expressão concreta na lírica. Gostamos muito da metáfora, de abrir mundos possíveis. Então, pode ser que haja um pouco disso, pode ser que haja um pouco da raiva que temos, mas Las Fin del Mundo sempre será nosso refúgio de tudo o que é ruim e o lugar de criação do que queremos. As novas canções podem refletir isso porque estamos vivendo esse conceito. Gostamos da metáfora e de abrir mundos possíveis. Assim, pode haver algo disso nas músicas, talvez um pouco da nossa raiva, mas a banda será sempre nosso refúgio e o lugar onde criamos o que desejamos. Posso dizer que o novo disco virá com um ritmo um pouco mais acelerado, um pouco mais alto. É o que gostamos na banda e estamos indo nessa direção. Há passagens instrumentais e de contemplação, um pouco mais de raiva e um pouco mais de distorção.