Albúm demonstra maturidade e, segundo a banda, marca um recomeço para o grupo

 

A banda Bratislava lançou recentemente o seu quinto e homônimo álbum de estúdio. O disco celebra os 15 anos de existência do grupo que é composto atualmente por Victor Meira, responsável pelas letras, vozes e teclas da banda, José Roberto Orlando (baixo), Felipe Gonçalves (guitarra), Gustavo Franco (bateria) e Jonas Andrade (guitarra).

O álbum é um relato de aceitação e maturidade e desperta diferentes sentimentos aos ouvintes. Um trabalho que traz letras e sonoridades mais introspectivas e reflexivas, e também outras canções mais agressivas e agitadas, que lembram muito a sonoridade daquela crescente onda de rock nos anos 2000. O disco cria paralelos entre dilemas e apresenta uma banda colocando a arte como uma ponte que interliga tudo. Uma coisa em particular que chama bastante a atenção na construção desse álbum foi a criação de clipes estáticos mostrando momentos do grupo ou ilustrações para todas as faixas em seu canal no YouTube. A banda encara o momento como um fechamento de ciclo e espaço para um marco de recomeço que une todos os pontos dessa história, criando não só uma discografia coesa, mas a ideia de uma obra central única. Venho trazer uma análise de cada faixa:

 

Capa do disco

 

Nossa Voz  

Nossa voz é a faixa que abre o disco, ela se encaixa nas faixas que possuem uma guitarra mais pesada e um rock mais gritante. A letra dessa música retrata uma sensação profunda de perda e impotência diante de circunstâncias destrutivas e inevitáveis. O autor enfrenta o colapso de algo significativo, simbolizado por imagens intensas como a vertigem, o sangue e o vulcão explodindo no céu. A sensação de fracasso, exemplificada pela tentativa falha de escapar, carrega um peso existencial, onde até os “ossos” se tornam uma carga pesada demais para suportar. No entanto, mesmo em meio à destruição, há um fio de esperança: a “voz” permanece como último vestígio, um símbolo de resistência e memória. A imagem do renascimento das cinzas evoca uma resiliência em meio ao caos, uma luta para preservar o que restou de uma conexão ou identidade que foi devastada. A letra transmite um misto de melancolia e força, refletindo a busca por sobrevivência emocional.

Casa em Chamas

Essa faixa foi um dos singles lançados previamente antes do álbum, A letra transmite uma sensação de incapacidade de se mover ou de agir, mesmo quando a gente percebe que a casa está pegando fogo. As imagens sugerem uma apatia diante de uma crise iminente ou já em curso, como se houvesse uma dissociação emocional do caos ao redor. Essa desconexão é reforçada pela sensação de estar ausente e fora de alcance, incapaz de agir apesar de reconhecer as luzes e os alarmes. Há também uma atração pelo abismo e pela escuridão, uma espécie de rendição a esse estado de descontrole e vazio. A repetição dos versos na música reforça essa impotência e a sensação de estar preso em um ciclo de inércia, onde o retorno à normalidade ou à sensibilidade se torna cada vez mais incerto.

Deixa a Criança Dançar

Essa faixa é a que mais me chamou atenção, ela mostra como a banda consegue transacionar e alternar ritmos, trazendo batidas leves e cativantes no início para ir aos poucos levando a batidas mais pesadas e atmosféricas. A música explora o confronto entre a dúvida e a espontaneidade, simbolizado pela figura da “criança”. O eu lírico parece estar em uma busca por algo, mas encontra frustração e dor no processo, com imagens como “queimar os dedos” e “corte nos lábios”, sugerindo que essa procura envolve sofrimento. No entanto, a música propõe uma solução para essa angústia: deixar a criança interna “dançar”, ou seja, permitir que a inocência e o espírito livre floresçam como uma forma de enfrentar as dificuldades.

Valeu

Essa música também saiu como single antes do álbum, é uma música mais calma e tranquila comparada as batidas das anteriores, possui uma batida e instrumentalização gostosa de ouvir com a letra reflexiva que reflete uma mistura de exaustão e aceitação de momentos banais que, ao mesmo tempo, carregam um tom de estranheza. O “homem-cão” na avenida e o ato de mexer o chá enquanto vê “maravilhas” sugerem um cenário cotidiano que ganha um toque surreal, destacando a percepção alterada do eu lírico diante da rotina. Ele está cansado, como se estivesse em um estado de apatia ou desconexão, e a decisão de “não forçar” mostra uma entrega ao momento, preferindo não pressionar nada além do necessário. Nos refrões da música, a repetição de “valeu, te vejo em breve” e “tudo de bom, vou lembrar” confere uma sensação de passagem leve, quase como se estivesse se despedindo de uma fase, pessoa ou encontro, mas com gratidão. A expressão “Que dia estranho” reforça essa percepção de que algo incomum permeia o ambiente, sem, no entanto, ser ameaçador. Há também um momento de intimidade e contemplação nos versos “fica deitada para eu te admirar”, onde o eu lírico parece encontrar paz na presença do outro, mas, ao mesmo tempo, reflete sobre a dificuldade de se acostumar com essa sensação. A música fala sobre a importância de não apressar as coisas, de deixar os sentimentos fluírem naturalmente, enquanto aceita a beleza e a estranheza de cada despedida e reconexão.

Fica Mais Leve

Esta música transmite uma sensação de desapego e busca por leveza, em meio a momentos de calma e contemplação. O eu lírico descreve cenas cotidianas, onde a presença de outra pessoa torna o tempo mais significativo, a ponto de ele desejar que “o tempo não passe”. No entanto, há também uma necessidade de pausa e desconexão, como quando ele “precisava desligar, parar, respirar”, indicando um equilíbrio entre a intensidade do presente e o desejo de se libertar de qualquer peso emocional ou mental. O refrão sugere uma filosofia de vida mais desapegada, onde o eu lírico escolhe deixar o que não lhe faz bem para trás. O vento e o furacão são metáforas da impermanência, como forças que podem levar embora as preocupações ou sentimentos que já não servem, deixando apenas o essencial. A música sugere que, ao se deixar levar pelo fluxo natural das coisas, as emoções e os desejos encontram uma nova forma de respirar. O vento, ao mesmo tempo que carrega embora o que não é necessário, também traz de volta uma sensação de liberdade e renovação. O ritmo de repetição reforça a ideia de desapego contínuo, de um ciclo em que se solta, se perde de vista e se volta a respirar, mais leve e livre.

Cine Delírio

A faixa mais introspectiva e melancólica desse álbum, Cine Delírio explora profundamente o medo e a ansiedade, especialmente em relação ao desconhecido e ao futuro. O eu lírico expressa uma tendência a sofrer por antecipação, projetando seus medos e evitando encarar as “cenas fortes” da vida. A metáfora do “filme sem final” e do “cine delírio” sugere uma vida sem desfecho claro, onde os acontecimentos se revelam de forma incontrolável e, muitas vezes, dolorosa. O autor se vê preso em um ciclo de expectativas negativas, onde imagina o pior e evita o confronto com as realidades difíceis. No entanto, há uma virada no final, onde o eu lírico, ao relembrar o “fim da infância”, sugere uma reconciliação com seus medos, talvez encontrando um caminho para superar o trauma e recuperar a capacidade de sonhar.

Alma Mágica

A letra de Alma mágica aborda temas como a morte, o luto e a transcendência, em uma reflexão profunda sobre a perda e o mistério da vida. O eu lírico lida com a dor de uma despedida que não aconteceu, uma morte que não o “atravessou” naquele momento, mas que permanece iminente. A faixa transita entre a fragilidade da vida e a esperança de uma continuidade além do físico, oferecendo uma reflexão poética e melancólica sobre a morte e o amor. Essa busca por significado na ausência e a recusa em esquecer tornam a música uma poderosa meditação sobre a natureza do amor e da vida após a morte, onde o eu lírico se recusa a deixar de lado a magia que essa relação trouxe.

Sabor Fantasma

Foi o single de estreia do álbum, uma primeira amostra do que viria nesse novo disco. A música fala sobre a intensidade da saudade, o desejo de preservar o que já foi e a luta para encontrar conforto em uma presença que, embora ausente fisicamente, permanece viva na mente e nos sentidos. O eu lírico está imerso em uma saudade que escorre na memória, associada a um espaço vazio, onde a ausência é tão real quanto a presença já foi. O gosto é um elemento evidente na canção, com imagens de “melaço” e “alcaçuz” que evocam a doçura e o prazer sensorial, enquanto o desejo de não esquecer esse sabor torna-se uma maneira de manter viva a lembrança de alguém amado. 

Te Deixar pra Trás

O ritmo dessa música me transmitiu uma nostalgia estranha e agradável, me imaginei escutando ela na playlist de jogos de skate como o Tony Hawk Pro skater, o que acho que combinaria perfeitamente. A música explora uma luta interna entre o desejo de avançar e a dificuldade de deixar o passado para trás, como se o eu lírico estivesse em uma jornada emocional intensa, tentando alcançar algo ou alguém que parece sempre fora de alcance. O sonho que “deve a infância” sugere uma nostalgia, uma conexão com tempos mais simples que agora se tornaram complicados e carregados de expectativas. A repetição de “te deixar pra trás” reflete a dualidade do personagem. Ele deseja avançar, mas, ao mesmo tempo sente a pressão emocional de segurar o que está no passado. O eu lírico se pergunta sobre o valor de sua jornada e, ao final, a música transmite uma luta emocional intensa entre a necessidade de avançar e o apego ao que foi vivido, criando um espaço de reflexão sobre as relações e o crescimento pessoal.

Deve ser Normal

Essa faixa reflete uma crítica social e uma análise das complexidades da vida contemporânea, A repetição da frase “deve ser normal” em várias partes da letra traz uma sensação de resignação, como se o eu lírico estivesse tentando se convencer de que a confusão e o desamparo são parte da vida cotidiana. Essa repetição também cria uma atmosfera de busca por validação. A letra é um convite à reflexão sobre a condição humana, as relações sociais e a maneira como lidamos com as expectativas e a realidade que nos cercam.

Quando você chegar

A faixa que mais me cativou dentre todas, é uma celebração do amor e da esperança, onde cada verso evoca uma mistura de emoção, desejo e otimismo. Essa expectativa de um novo começo, com a transformação que o amor pode proporcionar, torna a letra não apenas uma declaração de amor, mas também uma reflexão sobre a capacidade do amor de curar e renascer. Os versos que falam sobre transformar o mundo ao receber a pessoa amada refletem uma crença poderosa no amor como agente de mudança. A expectativa de que “tudo vai ficar certo” sugere uma certeza interna de que a presença dessa pessoa trará uma nova perspectiva e um renascimento emocional.

Amorte

A faixa reflete uma profunda ambivalência em relação ao tempo e ao amor, capturando a luta interna do eu lírico entre o desejo de permanecer em um momento de suspensão e a inevitabilidade da mudança. Com a repetição de pedidos para “deixar mais um pouco”, a letra expressa uma resistência emocional à passagem do tempo, revelando uma tristeza compartilhada sobre o que poderia ter sido. A metáfora da “carta do algoz” destaca a autocrítica e a dificuldade em lidar com os papéis dolorosos que assumimos nas relações. Assim, a música se torna um eco poderoso das complexidades do amor e da fragilidade das expectativas humanas, ressoando com aqueles que já enfrentaram a transição entre o passado e o futuro.

 

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Autor

Escrito por

João Pedro Cabral

Fotógrafo e estudante de Produção Cultural que só queria ser um dos strokes e coleciona uns discos que encontra por ai.