uma pequena análise das faixas do novo Disco ‘Tudo Tão certo’ 

 

No dia 10 de setembro, o cantor e compositor Ale Sater lançou seu primeiro projeto solo, o aguardado ‘Tudo Tão Certo’. Ale Sater foi um dos cinco artistas que se apresentaram no último 5 bandas e também faz parte dos vocais e baixos da banda Terno Rei. O disco foi produzido juntamente com o produtor Gustavo Schirmer e lançado pelo selo da Balaclava Records. Ale Sater já vinha fazendo alguns lançamentos solos como “Japão” e “Fantasmas”, o novo disco mantém a essência do Folk melancólico e das batidas de indie pop presente nos seus trabalhos com a banda. As 11 faixas trazem uma sonoridade introspectiva, com letras e metáforas que fazem os ouvintes atingirem seus momentos de reflexão, prato cheio para quem curte a onda “sadcore”. Fiz uma análise de cada faixa presente neste novo trabalho, ela pode ser lida a seguir:

Ale Sater

Anjo 

Anjo é a faixa que abre o disco, uma música mais curta que já apresenta o tom e a linearidade introspectiva e o folk melancólico que esse álbum vai seguir. A música faz várias referências ao tempo passado e à transformação das perdas em algo específico. O som reflete sobre uma situação em que alguém não recebeu proteção de uma maneira idealizada, como se um “anjo” não tivesse estado presente para cuidar dessa pessoa. O verso “tudo que perdi virou parte de mim” revela uma internalização dessas perdas, sugerindo que elas moldaram a identidade do autor. Isso também pode ser visto como uma forma de amadurecimento, onde as cicatrizes emocionais se tornam parte da experiência de vida. O ponto central da música é sobre o amor, fica a entender que apesar das dificuldades e perdas, o amor é uma necessidade fundamental. A repetição do verso “É preciso ter amor” reforça essa ideia para lidar com as adversidades e dificuldades. No geral, a letra parece tratar de uma jornada emocional marcada por perdas, resiliências e uma reflexão sobre o que realmente importa na vida, o amor.

Ontem

“Ontem” foi o single de estreia do disco, a faixa vem acompanhada com um clipe que explora o deslocamento pelas ruas de São Paulo, uma marca registrada na vivência do cantor. A música traz uma sonoridade diferente, com a presença de instrumentos de sopros. A letra traz uma reflexão sobre a passagem do tempo, as transformações internas, o desgaste físico e emocional, e a luta contra o medo e a incerteza. Ao mesmo tempo, há uma mensagem de presença e de persistência, mesmo diante das adversidades e das decepções que o tempo trouxe. Desde o início, a letra nos coloca em um estado de introspecção, com versos como ‘Perto de casa / longe de mim‘, que sugerem uma separação entre o eu atual e o eu do passado e “Minhas costas quebradas / Estradas sem fim” que é uma metáfora de exaustão e desgaste, tanto físico quanto emocional. As “costas quebradas” podem indicar o peso das responsabilidades e desafios enfrentados ao longo da vida, enquanto “estradas sem fim” remete a uma jornada contínua e, talvez, árdua, sem um destino claro. Apesar de todas as dificuldades e mudanças, o cantor se afirma no presente, e a ideia de espera é central, uma espera por algo que, até agora, não chegou.

Quero Estar

A faixa revela uma jornada emocional, onde o autor está dividido entre a dor do passado e a esperança de reencontro. O clipe mostra justamente um casal que tinha uma vida com um contraste que mostra a realidade deles separados com a esperança de realmente acontecer esse reencontro. Ele passou por um processo de fragmentação emocional e agora quer reconectar-se com algo que perdeu, mas o caminho continua cheio de incertezas. A música começa com um desejo do cantor por proximidade e reconciliação, indicando que ele não representa mais um perigo, referindo-se provavelmente a um passado perturbado ou a conflitos internos resolvidos. O refrão repetido “Quero estar de novo” expressa claramente o desejo de reconectar, de estar de novo presente com essa pessoa ou talvez em um estado emocional que ele valoriza. Há um anseio profundo por estar de volta a um lugar ou estado de harmonia. A mensagem que a música traz é de esperança e determinação, mostrando que, apesar de tudo, o desejo de estar junto e de recomeçar é maior do que qualquer outra vontade.

Final de Mim

Essa talvez seja a música mais introspectiva e até mesmo “pesada” do álbum todo, a canção foi mostrada pela primeira vez ao público no festival 5 bandas e vem acompanhada com uns acordes de violão fortes. A letra dessa música carrega um estado de confusão, desespero e uma sensação de perda de controle. A voz lírica está claramente imersa em um estado emocional turbulento, utilizando metáforas para expressar essa luta interna. Essa faixa sugere que o autor está perdido emocionalmente. No início, o estado de embriaguez pode ser interpretado como uma metáfora para a confusão mental ou emocional, e o pedido por alguém para dizer “quando parar” reflete a falta de controle ou direção. Ele parece preso em uma espiral de desordem, sem saber como sair. O refrão “Eu saio por aí / E faço o que eu quiser / A minha direção é qualquer lugar” expressa uma aparente liberdade, mas essa liberdade parece ser vazia. A direção “qualquer lugar” não é uma escolha consciente ou empoderadora, mas sim um indicativo de que ele está perdido, vagando sem rumo. A liberdade que ele mostra é ilusória, pois falta propósito ou uma direção clara. “Eis o final de mim” sugere uma aceitação de que ele chegou a um ponto final, seja em termos emocionais. Esse “final” pode ser interpretado como a exaustão emocional ou a rendição diante de suas lutas. Ele parece acreditar que há pouco mais a ser feito, que sua trajetória o levou a um ponto sem volta.

Trégua

A música explora temas de amor e a busca por cura e redenção. O cantor está disposto a oferecer seu coração e suas inseguranças em troca do apoio de alguém que considera essencial para sua estabilidade emocional. Apesar das dificuldades e da necessidade de se afastar temporariamente, ele promete retornar, reforçando seu compromisso e desejo de reconciliação. A faixa retrata uma luta entre a escuridão e a luz, e uma jornada em busca de conexão e verdade, além de mostrar a profunda dependência emocional do autor em relação a alguém. Essa pessoa é vista como a única capaz de curá-lo e de oferecer amor e apoio. O uso de termos como “morrer” e “perder o chão” sugere que o eu lírico está em uma situação de vulnerabilidade extrema, onde a presença dessa pessoa é essencial para sua estabilidade emocional. O refrão sugere que o eu lírico está saindo, talvez temporariamente, mas promete voltar. A repetição dessa ideia reforça seu compromisso e a certeza de que, apesar da separação, o desejo de retorno e de reconciliação é forte. A repetição enfatiza a certeza e a sinceridade dessa intenção.

Girando em falso

Essa é a faixa mais curta e também a mais metafórica do disco. Arrisco em dizer que é a faixa de passagem do lado A para o lado B se fosse escutar-lá em disco de vinil. Os versos que são somente as frases “O mundo está girando em onda / O mundo está girando em falso” geram uma resposta reflexiva em quem está ouvindo, pode ser uma forma de forçar a introspecção sobre como percebemos e interpretamos o mundo ao nosso redor. A letra parece explorar a ideia de uma realidade que é ao mesmo tempo, fluida e ilusória. A repetição intensifica a sensação de que o mundo está em um estado de constante movimento e engano, refletindo talvez uma crítica ou um comentário sobre a natureza da percepção e da realidade.

Cidade

A música é uma reflexão sobre o passado e a mudança, explorando sentimentos de alienação e desilusão. O eu lírico olha para a cidade com uma mistura de nostalgia e distância, reconhecendo que, embora tenha tido um papel importante em sua vida, agora se vê como um visitante sem uma conexão. As descrições sensoriais e os sentimentos de deslocamento reforçam a transformação e um novo entendimento sobre si e sobre o mundo ao seu redor. Na faixa o eu lírico se sente observado e talvez até alienado dentro da cidade. As “ladeiras” e o “zigue-zague” podem simbolizar uma sensação de desorientação ou dificuldade em se encontrar em um espaço que deveria ser familiar. As metáforas são carregadas de detalhes sensoriais, os letreiros de neon, o cheiro da chuva e a sensação de caos. Essas descrições evocam uma atmosfera vívida e emocionalmente carregada, refletindo uma mistura de lembranças e sensações que definem a experiência urbana.

Ouvi Dizer

Essa é a faixa que a sonoridade me lembrou de alguns Hits do Terno Rei, uma estrutura de instrumentos parecidas com o usual da banda. A letra explora a busca por conexão emocional e a perseverança em face de problemas e rejeições. O autor está determinado a manter a esperança e a serenidade, apesar das dificuldades e das críticas. O desejo de compartilhar a jornada com alguém especial e o esforço para permanecer tranquilo são temas centrais, refletindo um desejo profundo de unidade e reconexão, mesmo quando as circunstâncias são adversas. Nessa música o Ale usa linguagens de repetições, principalmente nos versos “No mesmo barco” e “Você está girando / girando e girando”, que mostra a persistência do desejo de reconexão e a constância das emoções do autor. O “girando” mostra um ciclo contínuo de sentimentos ou de situações que não mudam.

Vejo

Essa faixa foi a que particularmente me chamou mais a atenção, ela se difere de todas as outras por ter uma letra e um som mais agressivo e abraça, mesmo que um pouco, uma psicodélica instrumental. A letra reflete uma jornada pessoal em busca de paz e serenidade, enquanto lida com críticas externas e sentimentos de insuficiência. O cantor deseja se afastar de influências negativas e proteger seu espaço emocional, mas enfrenta a frustração de sentir que seus esforços não foram totalmente eficazes, “Tudo que fiz para me salvar / Não foi suficiente” é repetido, enfatizando a sensação de frustração. A consciência do medo e a rejeição de julgamentos alheios são temas centrais, mostrando uma luta interna para encontrar calma e aceitar a si apesar das dificuldades.

Alguma Coisa

A faixa retrata uma jornada de autoconhecimento e aceitação. A voz lírica está lidando com a perda, a dúvida e a mudança, buscando se libertar das incertezas passadas e se concentrar nas memórias positivas. Durante a música tem um reconhecimento do ciclo vital das coisas, que fica evidente no verso “Amor estranho / Veja só / Tudo tem início, meio e fim” e também uma adaptação a um novo estado de ser, com a aceitação de que a vida continua apesar das mudanças pessoais. A música é uma expressão de resiliência e de busca por paz interior em meio ao processo de transformação e adaptação.

Desvencilhar

Última música do álbum, ela reflete um processo de confusão e transformação emocional causado pela volta de uma pessoa muito amada e que, provavelmente, foi um relacionamento complexo. Fica explicito que ele está lidando com a desordem interna provocada por esta pessoa, confrontando promessas quebradas e a necessidade de se distanciar de um estado anterior. Apesar da confusão e da frustração, há um reconhecimento de que o lugar dele ainda pode estar com essa pessoa, e um desejo de abrir-se para ela, conforme mostrado nos versos finais “Tudo que eu quis / Era deixar você entrar aqui”. A música explora a dualidade entre afastamento e pertencimento, e o impacto emocional de deixar algo que parecia ideal. 

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Autor

Escrito por

João Pedro Cabral

Fotógrafo e estudante de Produção Cultural que só queria ser um dos strokes e coleciona uns discos que encontra por ai.