Explorando as ideias que deram forma ao single “estocolmo”, Mafius conta para o Minuto Indie suas perspectivas sobre a música e comenta o novo espectro do indie atual
Hoje em dia, fica difícil falar sobre indie, já que muitas bandas caracterizadas pelo estilo independente na verdade não seguem as raízes underground que deram ascensão ao gênero. Ao mesmo tempo em que é natural essa modificação pelo advento de novas formas de produzir, divulgar e escutar música, torna-se complicado se etiquetar em uma sonoridade ou preferência específica de produção. O resultado é taxar a maior parte dos sons que não se encaixam nos moldes mercadológicos como alternativo, independente… indie.
Rotulando ou não, o cenário atual apresenta um grande leque de novos artistas que vêm inovando em seus trabalhos musicais, até mesmo quando resgatam referências antigas para criar um novo som autêntico, multifacetado e que represente seus objetivos destoantes da conquista do grande – e muitas vezes passageiro – sucesso. Dentre todos os novos estilos, a nova geração “indie” nos bombardeia todos os dias com sub-gêneros. Indie-pop, new indie, dark indie, britpop, bedroom pop e por aí vai.
Além de todos derivarem de uma proposta inicial de fazer música independente e desligada de propósitos exclusivamente consumíveis, a maior parte vem sendo reinventada por jovens que começaram tudo em seus próprios quartos, postando tracks em plataformas de música e jogando vídeos caseiros na internet. Na gringa, temos Clairo, Cuco, Gus Dapperton e muitos outros artistas que seguiram a mesma trajetória, apesar de já estarem se destacando na mídia e nas playlists de novos seguidores.
Já no Brasil, a ideia de formar uma banda para tocar nos fins de semana na própria cidade ainda vigora. Algumas começaram assim e já conquistaram um grande público, como Terno Rei, gorduratrans e Holger. Mas a nova cena indie brasileira também traz jovens artistas munidos de uma criatividade latente. Prontos para traduzir as emoções à flor da pele em composições – ou até mesmo encontrar mecanismos obscuros de escondê-las ao mesmo tempo em que precisam expô-las para o mundo -, os novos músicos encaram a criação artística de modo mais leve e realista, sem deixar de lado o talento expressivo e a vontade de evoluir musicalmente.
Mafius é um dos expoentes desse novo cenário. Aos 10 anos, ganhou um violão, aprendeu a tocar assistindo videoaulas e desde então não parou mais. Agora, já aos 17, o artista mineiro integra o coletivo artístico Geração Perdida de Minas Gerais e, após a estreia com o single “trânsitos astrológicos” ainda em 2018, retorna com a melancólica “estocolmo”, lançada no último dia 25. Confira:
“estocolmo” traz a causalidade triste de um tema recorrente com um toque despretensioso. Não é um som amargurado, fechado na única ideia do sofrimento amoroso. A percepção do single varia a cada ouvinte, mas para adentrar sua musicalidade é necessário se deixar levar pelo que provoca pessoalmente. Mafius alia instrumental potente a uma introspecção que é minimizada pela declaração exposta na letra: “você me faz querer morrer / mas eu gosto” se torna facilmente uns dos versos que descrevem muito do que os jovens sentem no caos cotidiano de sobreviver a anseios e relações voláteis.
Para adentrar um pouco mais as ideias que envolvem o single e suas perspectivas sobre o novo espectro da geração indie que está surgindo, convidamos Mafius para bater um papo com o Minuto Indie.
MI: Qual sua ideia geral sobre o processo de criação de “estocolmo”?
Mafius: Eu acho essa música a mais “tranquila” que eu já fiz. A letra é triste, mas não fiz necessariamente em um momento triste. Foi bem massa compor ela. Eu estava em um bar na Serra com meus amigos Fernando Motta e Pedro Flores e, por algum acaso, um deles estava com um violão e a gente compôs a música ali na hora. É a que eu mais gosto também, por causa dessa vibe despretensiosa que ela tem.
MI: O novo single antecede seus novos projetos?
Mafius: Sim! Faz parte do meu primeiro EP, “tela azul”, que eu pretendo lançar agora nesse mês de abril. Eu fui para São Paulo gravar no estúdio Fiaca e foi muito massa. Chamei meus amigos Eliott da Eliminadorzinho, Guigas da Quasar, Celso e Marchioretto da Pelocurto e o Fernando Motta, que sempre me acompanha em quase tudo o que eu faço. Eles fizeram minha banda de apoio, e quase tudo de instrumento que está nesse EP foram eles que reproduziram. Foi gravado inteiramente na fita numa Tascam Portastudio 4 canais pelo Thales Castanheira, pelo Chris Kuntz e o Yann Dardenne, ambos da Goldenloki, e não usamos computador em quase nada pra gravar essa parada. Tiveram algumas limitações, mas no final os resultados sonoros que essas limitações proporcionaram ficaram muito bons. Um ‘lo-fizinho’ bem massa, o calorzinho da fita e aquela vibe de que parece que a música tá sendo tocada ali, agora, enquanto você ouve.
MI: Quais são suas maiores inspirações e referências?
Mafius: Eu pego muita referência de umas bandas dos anos 90, tipo Duster, Sebadoh, Yo La Tengo… e essa safra nova do indie que tá vindo né, o famoso bedroom pop, slacker rock, sei lá. O que eu tenho mais influência desses projetos mais atuais é Eyedress, Terno Rei e Porches.
MI: Qual seu objetivo na música?
Mafius: Meu objetivo na música, no momento, é conhecer o máximo de pessoas através dela. Eu nunca fui o cara mais sociável do rolê e, querendo ou não, minhas músicas fazem as pessoas virem até mim e falar sobre, conversar sobre as coisas que tão escutando, que tão achando massa, ou até mesmo passar um feedback maneiro. Não sou muito iludido com essa coisa de “fazer sucesso” e “ficar rico”, nessa parada de música independente, até as pessoas que têm mais play e fazem mais shows têm um trabalho fora da música e não vivem disso. Sei lá. Não consigo imaginar meu som sendo ouvido em massa e hypando demais, então, no momento, eu só quero gastar minha onda em produzir ele e que as pessoas se sintam confortáveis e gastem a onda ouvindo ele.
MI: Você se considera pertencente a um novo espectro da geração indie que está surgindo agora?
Mafius: Eu acho que sim. Tenho muitas influências desses projetos mais novos. Mas ao meu ver é muita referência antiga em comum com essas bandas: as guitarras com chorus chupadonas do Prince e esses synths anos 80. Mas eu gosto da faceta moderna que esse estilo pegou e acho bem massa estar no meio disso tudo. Aqui no Brasil esse estilo tá meio que pegando agora e tem muitas bandas boas fazendo som assim, tipo o Terno Rei e as bandas da Balaclava no geral.
Conversando com Mafius, a conclusão é que a nova geração de artistas, seja taxada como indie ou não, está cada vez menos preocupada em fazer sons para estourar nas redes e alcançar sucesso, o que é essencial para manter a energia criativa propulsando nas produções musicais. Exaltando a vontade de fazer música e criar materiais cada vez mais voltados para a curtição pessoal de cada um, o novo espectro de artistas traça um caminho otimista para a arte no geral, que, muitas vezes, é a principal ou única válvula de escape tanto de quem faz quanto de quem aprecia. Quanto aos novos artistas, aprecie sem moderação. Abra uma cerveja, acenda um cigarro, coloque Mafius para tocar e deixe a música te levar pela onda.