Os arrojados traços de Alisson Thiago do Nascimento se colidem ao jazz / math rock do Hoovaranas, em uma experiência única de animação e música

Desde já, digo que aqui temos um dos clipes MAIS ARREBATADORES de uma música em 2025. “Fuga” é mais que um videoclipe: é uma experiência visual que sintetiza caos e simplicidade de forma magistral. Utilizando uma animação baseada em traços soltos e rabiscados, o animador Alisson Thiago do Nascimento traduz musicalmente um senso de urgência e introspecção. A cada quadro, a obra revela detalhes que podem passar despercebidos no fluxo dinâmico, mas que, ao serem pausados, mostram um mosaico intricado de emoções e simbolismos.

A escolha do título, “Fuga”, carrega uma dualidade significativa: a música como um refúgio e a fuga da própria mente, dos tormentos internos e dos sentimentos que nos assombram. Essa ideia se reflete na construção da animação, que oscila entre representações mais concretas e momentos completamente abstratos, criando um ciclo visual e emocional que acompanha a estrutura da canção.

O início estabelece um ponto de conexão entre o protagonista e a música: um ilustrador chega em casa, coloca o vinil para tocar e, ao colocar os fones, visualiza a banda tocando e, consequentemente, as piras que a música provoca. É a introdução perfeita para a jornada sensorial que se segue.

Ao analisar os frames, separo aqui alguns momentos-chave: em 00:55, onde a banda é retratada de forma mais “sólida”, capturando seus trejeitos. Pouco depois, em 00:58, um rabisco na tela marca a transição para a parte mais abstrata e imaginativa do clipe, que passa a se alternar com as cenas da banda.

Destaque também para a cena de 01:18 a 01:26, onde o personagem gira em 360 graus enquanto diferentes imagens piscam rapidamente na tela. Em certos momentos, aparecem desenhos como a representação de som, outra pessoa em um canto, e alterações sutis no rosto do protagonista. Sequências semelhantes ocorrem ao longo do clipe, ampliando a riqueza visual.

Em 01:26, o protagonista sai do close para um enquadramento de corpo inteiro, ganhando uma dimensão levemente alada, até se apequenar e virar tracinhos voando ao fundo. Em seguida, retorna a um tamanho normal, se multiplica, e várias versões suas se replicam umas sobre as outras. Até que uma versão gigante sua, que servia de base, se transforma em uma montanha. O protagonista corre, salta, mergulha, dá mortais e seu mergulho parece interminável.

A transição para 02:43 mostra um momento de pausa: ele está parado, num plano mais aberto, no canto do quadro, como se estivesse observando (ou divagando) diante do horizonte. O som cresce e ondas começam a pairar sobre ele, formando um turbilhão.

Em 03:27, a queda se intensifica. Primeiro devagar, em vários ângulos, depois em loop, no mesmo movimento. Até que ele começa a cair dentro de si mesmo. O corpo está em movimento, mas a mão encosta no chão, criando um contraste de dinamismo e estagnação. A imagem do personagem em um plano americano gira em 360 graus, tornando-se cada vez mais rabiscada e rabiscada, até se transformar em riscos pretos indecifráveis. A cabeça, em um preto mais intenso e concentrado, se dissolve conforme a música atinge seu clímax.

Quando o som volta a se equilibrar, cada instrumento ganha mais espaço e identidade. Em 03:39, há um possível easter egg dos membros da banda aparecendo, ou talvez diferentes versões do protagonista.

No trecho final, a sensação é de estar andando sobre água ou alguma superfície líquida, onde o movimento é mais arrastado. A distorção da imagem pela música se intensifica, diferenciando-se da representação do impacto sonoro na banda, para se tornar o impacto do som na mente, na alma, no estado de espírito.

Em 05:43, o protagonista interage com os riscos, usando-os como apoio para subir uma parede de rabiscos. Sua cabeça se transforma em diversas formas simbólicas: uma estrela, um quadrado apoiado em um dos bicos, dois olhos gigantes sem expressão, dois “X” no lugar dos olhos, um peixe, uma boombox, uma guitarra. Em 06:23, os membros da banda aparecem subindo uma ladeira e fazendo movimentos em uma área aberta que remete à capa do disco.

O clipe também encontra maneiras interessantes de traduzir musicalmente os movimentos, como a representação dos gestos do baterista em 04:01 e os flashes pretos inseridos em notas-chave em 04:34. A anímica é fluida e imaginativa, ao mesmo tempo que cada frame individualmente parece uma arte completa. Isso sugere que o processo de criação pode ter envolvido um “storyboard animado”, onde cada quadro foi tratado como uma composição independente.

A conexão entre imagem e som é o grande triunfo do clipe. O estilo de animação não apenas complementa, mas expande a experiência sensorial da música, intensificando a imersão em uma sonoridade que remete a influências de math rock, midwest emo e bandas como Tricot, Toe, American Football e Pinegrove. Sem precisar de letras, a canção encontra na animação uma nova forma de narrar emoções, provando que a arte, independentemente da mídia, é capaz de ampliar e ressignificar sentimentos humanos.

Autor

Escrito por

Pery Andrade

Ex-estudante de Cinema, além de comunicador, nerdola da música e criador de conteúdo desde 2014 no Canal Musicalize.