Para muitos, a ‘salvação do rock’, para outros, um indie rock não muito inovador e superestimado

Qual o parâmetro para medir a importância de um disco? Com certeza não é o comercial, e a estreia do The Stooges é uma prova concreta disso. Seria então a aclamação da crítica? Às vezes… Porque às vezes alguns clássicos só tem o devido reconhecimento depois de um tempo, como foi com o debut do The Velvet Underground. Mais importante do que cópias vendidas e avaliações instantâneas com certeza é o quanto um trabalho reverbera ao longo do tempo. Mas reverbera onde? Na própria música, e fora dela. Esses dois clássicos álbuns citados reverberam até hoje, sendo que ao longo do tempo inspiraram diretamente outros trabalhos que ficariam marcados pela mesma aura. Um dos frutos desse legado foi o Is This It, do The Strokes, também um álbum de estreia, e que acaba de completar 20 anos. Diferente de seus predecessores, Is This It teve uma boa vendagem e aclamação crítica instantaneamente, sendo também um dos maiores combustíveis criativos do rock dos anos 2000. Calma, não estou querendo dizer que Julian Casablancas e sua turma superaram Iggy Pop, Lou Reed e cia, mas com certeza esse paralelo mostra a importância do que os Strokes fizeram.

Bora logo na jugular da questão, muito do legado do disco é discutido não só pelo material do trabalho, mas pelo papel que a banda desempenhou ao serem intitulados como ‘salvadores do rock’. Obviamente eles não salvaram nada, e também nunca inflaram esse tipo de percepção pomposa, como o Oasis fazia nos anos 90. Com certeza eles trouxeram um ar de novidade quando surgiram, e uma direção para o rock. Direção essa que foi uma de algumas presentes na virada dos anos 90/2000. Sendo pragmático, sem se levar por gosto pessoal, a banda dos anos 2000 mesmo não foi o The Strokes, e nem nenhuma banda de indie rock. Faz muito mais sentido esse reconhecimento ficar com um dos nomes da cena new metal, ainda que a contragosto dos hipsters. Nomes como Linkin Park e System Of A Down tiveram muito mais êxito ao furar a bolha roqueira do que as bandas alternativas, mesmo fazendo um som mais pesado. Ou então chutando o balde de vez, dá até pra dizer que o Coldplay e o Foo Fighters trouxeram mais fãs para o rock do que toda essa galera aí. Mas como eu disse no começo do texto, isso tá longe de ser o que mais importa. Então é bom separar essas duas coisas: o hype exagerado de ‘salvadores do rock’ com a música de Is This It.

A primeira vez que escutei Is This It foi praticamente 10 depois do seu lançamento. Sem noção nenhuma de como o disco era visto, ou de como tinha envelhecido até aquele momento, a primeira sensação que veio ao dar de cara com aquilo foi algo do tipo “isso é rock, mas rock é assim?”. Obviamente, na hora eu não saquei, mas esse disco tem todos os trejeitos do imaginário comum do que é uma banda de rock, mas com um verniz de indiferença, de ‘anti-rockstar’. Seja na pose blasé dos vocais de Julian Casablancas, ou nos contidos momentos guitar hero da dupla Albert & Nick, Is This It tem um mix de apelos: juvenil, cult, sexy e divertido. Tão importante quanto a virtuose de um disco, é a sensitividade que ele carrega, um potencial intrínseco de identificação, e olhando em retrospecto, Is This It teve isso quando foi lançado, quando o conheci em 2011, e continua tendo em 2021. Tom McFarland, vocalista da banda Jungle, disse que pra ele esse foi um dos primeiros discos que o fez se sentir pertencente a algo, que o fez “comprar um par de converse e uma calça jeans skinny”. 

The Strokes no MTV $2 Bill concert, 2 de fevereiro de 2002 | Foto por: Jeff Vespa

Esse é um bom ponto porque, quem torce o nariz para o disco até hoje bate na tecla de que o som ‘não é nada demais’, ou ‘é apenas divertido’. Ser ‘apenas divertido’ é como deixar subentendido de que o apelo é meramente juvenil ou coisa do tipo? Muitos grandes discos tem uma estética e uma identificação majoritariamente voltada ao público jovem, mas isso tira a ‘credencial’ da importância de um disco? Compreender um disco e sua influência envolve entender a pretensão (e a não pretensão) do artista. Dessa forma, não é uma heresia o The Strokes pegar o som do Television e do The Velvet Underground e a partir disso fazer um som ‘apenas divertido’, é só uma das muitas possibilidades de canalizar uma influência, relaxa aí. Aliás, esse purismo cult-punk também nunca foi uma bandeira levantada pela banda, como fazem por exemplo nomes atuais como Fontaines D.C. É verdade que durante o processo de gravação a banda se rodeou de discos da cena punk nova-iorquina atrás de inspiração, mas nem em entrevistas ou resenhas da época houve alguma intenção de colocá-los como uma nova geração do punk. Na real, ao longo da carreira grande parte das críticas em relação ao desempenho da banda foi que eles se distanciaram desse som mais cru, e foram flertar sem sucesso com um som mais puxado para para o indie pop. Algo que dá vertigem na galera também é quando o disco é citado como um marco na evolução do indie rock, posto em mesmo nível de importância com trabalhos como The Queen Is Dead (The Smiths, 1986) e Unknown Pleasures (Joy Division, 1979). Nesse caso, muita coisa se mistura de novo, começando pela observação de que o som do The Strokes não parte dessa estética mais melancólica do ‘indie primitivo’, mas até hoje, pra muita gente indie rock é sinônimo direto (e exclusivo) de melancolia. Logo, qualquer trabalho mais festivo e juvenil pode ser visto como ‘apenas divertido’.  

Uma percepção mais coerente da ‘pretensão’ do disco é ver que essa identificação com a juventude da época, é o verdadeiro legado. Agora, se você parte de um ponto de vista colocando o disco em um contexto de ‘reinvenção do rock’ ou coisa parecida, realmente Is This It é um trabalho que não corresponde ao hype. Em muitos momentos, o rock esteve atrelado com a juventude, então quando uma banda surge com 5 caras como modelo ideal do ‘jovem cool’, é claro que essa banda vai ser apontada como um referencial do gênero. Simplesmente o desenrolar intuitivo das coisas. Então uma ótima forma de classificar Is This It entre os clássicos, é colocando-o ao lado de outros discos que propuseram essa linguagem mais jovial, com um som mais divertido e barulhento, como o debut dos Ramones e do Weezer, ou até mesmo trabalhos pós-Is This It, como alguns discos do Mac DeMarco. De um jeito intrínseco e bem arranjado, Is This It é um álbum que engloba todas as facetas do jovem roqueiro, desde o chato blasé ao festeiro desarrumado, o Is This It  ‘é isso aí’.

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Autor

  • Luan Gomes

    Viciado em descobrir sons novos e antigos, mas sem abrir mão de uns hits batidos tipo "The Real Slim Shady" do Eminem. Perde um dia de vida toda vez que vê a pergunta "o rock morreu?"

Escrito por

Luan Gomes

Viciado em descobrir sons novos e antigos, mas sem abrir mão de uns hits batidos tipo "The Real Slim Shady" do Eminem. Perde um dia de vida toda vez que vê a pergunta "o rock morreu?"