O dia 3 de novembro de 2024 foi especial para qualquer fã do Smashing Pumpkins, pois desde 1998 a banda não aparecia com uma formação tão próxima da clássica. A única vez em que estiveram completos foi em 1996, e quem não viu essa formação lá atrás provavelmente não terá essa chance novamente, já que D’arcy Wretzky, a baixista original, é a única ausente nessa reunião devido a conflitos com Billy Corgan.
E vou te dizer: fez falta. O baixista atual, Jack Bates, é dedicado, mas sem o mesmo carisma e está ali principalmente para cumprir sua função. Em compensação, Kiki Wong, uma das guitarristas, trouxe presença ao grupo. Representando o lado “girl power” da banda, ela se destacou constantemente nas câmeras, com solos e riffs impactantes que demonstraram toda sua habilidade e intensidade.
A energia de Kiki no palco, aliada a uma pegada mais rock, refletiu bem a intenção da banda para o show. Mesmo juntos desde 2018, ainda havia certa apreensão quanto ao entrosamento de Billy Corgan com James Iha e Jimmy Chamberlin. Sabemos bem das divergências que marcaram a trajetória do Smashing Pumpkins. Mas vê-los trocando interações e sorrisos no palco já era um bom sinal de que a experiência seria memorável e satisfatória.
O show começou com “The Everlasting Gaze” (única do álbum Machina/The Machines of God), seguida por “Doomsday Clock” (única de Zeitgeist). Do álbum ATUM, tocaram “That Which Animates the Spirit”, “Beguiled” e “Empires”, surpreendendo ao dar mais atenção a esse trabalho em detrimento do álbum mais recente, Aghori Mhori Mei, representado apenas pela faixa “Sighommi”. É claro que não poderiam faltar clássicos como “Jellybelly” e “Zero”, de Mellon Collie and the Infinite Sadness. Ou seja, das 22 músicas, parece que o lado do rock mais visceral, perfeito para bater cabeça, era o que ia prevalecer como vibe da noite.
Mesmo com o último disco pouco representado, a essência dele estava lá: depois de uma fase de experimentação com sintetizadores e sons oitentistas, o Smashing Pumpkins está novamente abraçando o seu lado mais barulhento e roqueiro.
Essa nova fase, marcada por riffs zig-zag, uma mescla de nu metal com stoner psicodélico, além de um toque sombrio sexy que a banda tão bem sabe acrescentar, remete em parte ao que começou a ser experimentado nos discos do grupo próximo ao fim dos anos 90. Quase metade do setlist trouxe esse lado pesado, equilibrado com outras faixas que unem peso, melancolia, e melodias suaves, mais pops. Essa fusão reflete a essência da banda: única, viajando entre estilos diversos, capaz de oferecer lisergia cósmica, cabeças batendo ao som de músicas furiosas, e catarses grandiosas. O Smashing Pumpkins foi essencial para os anos 90 e se já teve papel ímpar na música daquele período, agora em como essa década tem sido revisitada por centenas de artistas atuais, mostra o como eles talvez já possam ser postos no panteão das grandes bandas de rock da história.
E um destaque especial nesse sentido, de bandas atuais que parecem se inspirar diretamente no legado deles, foi o show de abertura do Terno Rei, que fez uma escolha acertada de repertório. Além da influência dos Pumpkins em seu som e escolha do setlist, a reverência era visível na icônica camisa “Zero ★” de Greg Maya e no depoimento emocionado do vocalista Ale Sater, mencionando que já fizeram “dezenas de shows de abertura, mas aquele era especial” e emendando a faixa de encerramento do set com “Esperando Você”, uma música que reflete a estrutura e o estilo dos riffs característicos da banda de Billy Corgan.
Ao longo do show, ficou claro o quanto foi histórico ver essas lendas do rock reunidas, entregando músicas tão cruciais na formação do público que ali estava presente. Mas, além disso, eles mostraram que não estão ali apenas para viver de nostalgia e deram uma performance digna do auge dos anos 90, só que agora com a harmonia e maturidade conquistadas ao longo de décadas.
De hinos grandiloquentes como “Tonight, Tonight”, “1979” e “Disarm” (sempre arrepiantes), passando por B-sides como “Mayonaise” — que me fez desabar em lágrimas de felicidade agridoce — e covers fantásticos, como a já clássica versão de “Landslide” do Fleetwood Mac no momento acústico do show, até a inusitada (porém ótima recriação) de “Zoo Station” do U2 e chegando ao bis inesperado, com o público já quase indo embora, de “Ziggy Stardust” com James Iha arregaçando nos vocais. A apresentação do Smashing no Brasil depois de quase 10 anos, foi catarse em diferentes formas, estilos e sentimentos, mas que pode ser definida bem pelo momento em uníssono do público com a icônica “Bullet With Butterfly Wings”, música que dá título a tour atual.
A sensação que fica ao fim é de uma banda que entende plenamente seu papel no cenário do rock dos últimos 30 anos, hoje olha com mais carinho para sua própria narrativa e relações entre membros e tem muito orgulho de poder trocar isso com fãs – sejam eles meros espectadores como nós naquela noite, ou novas bandas que vão levar adiante o legado deles, ou subvertê-los, como eles fizeram nos 90 com os artistas que inspiraram eles a criar seu som. O Smashing Pumpkins parece mais atual que nunca, e é fantástico ver eles vivendo esse presente com a intensidade e entrega de sua juventude, nos tempos de ouro da banda.