Quarto disco do artista chega cinco anos após o sucesso de Rock’n’Roll Sugar Darling.
“Volto, volto, volto
Eu que sou filho do sol
Volto em luto e choro em pleno Carnaval”
Depois de ganhar o público alternativo brasileiro em 2014 com Rock’n’Roll Sugar Darling, que contou com hits como “Romeo” e “Quero Ser Seu Cão”, Thiago Pethit está de volta. E mais que de volta, ele trouxe um dos discos mais interessantes do ano. O épico e grandioso Mal dos Trópicos é um mito moderno para tempos sombrios, tendo Orfeu como inspiração e a música erudita como base.
O disco de nove faixas, gravado em 2018, foi produzido e arranjado por Diogo Strausz e contou com colaborações especiais como Maria Beraldo, tocando clarinete.
Conceitual desde a capa, com direção de arte de Pedro Inoue, esta foi pensada como uma espécie de achado arqueológico. “A ideia veio do Pedro Inoue. Eu ‘quebrado e eternizado’, como se tivéssemos encontrado um achado arqueológico do período clássico e que pudesse se parecer comigo. Primeiro fizemos as fotos. Uma tarde de fotos em 360 graus, imóvel, com Rafael Barion. Depois as imagens foram computadorizadas pelo CLAN VFX e transformadas em um arquivo 3D. E por fim, o processo final de tratamento de imagem do Nicolas Leite, que foi o mais complicado. Pois esculturas têm uma feição própria e não exatamente humanas. Então, o processo foi basicamente esculpir uma estátua com características do período clássico, mas que ainda assim tivesse algo da minha feição“, conta Thiago.
Em conversa com o Minuto Indie, Pethit falou sobre os tempos modernos, influências e o processo de composição do disco. Confira:
Minuto Indie: Há 5 anos atrás você lançava o ótimo, noturno e voraz Rock’n’Roll Sugar Darling. Agora, o seu Mal dos Trópicos já nasceu clássico. O que mudou de lá pra cá? Houve algum momento crucial para o seu amadurecimento musical?
Thiago Pethit: Bem… cinco anos é bastante tempo! Muita coisa mudou pra mim, e acredito que pro mundo todo também. Nesses cinco anos nós assistimos uma presidente sofrer um impeachment, o Trump ganhar nos Estados Unidos, as fakes new surgirem em todo o mundo, um presidente do Brasil ser eleito e que em menos de 3 meses já se suspeita estar ligado a criminosos e assassinos. Vimos nossa política cultural ser desmontada, as pautas identitárias que eram celebradas em 2014 serem subjugadas… Ufa! Tudo isso mudou os rumos pessoais de muita gente, e certamente os meus. Minha vida mudou e a música acabou refletindo esses momentos, todos cruciais.
MI: É inevitável que, o primeiro vislumbre do disco – tanto a capa, quando o titulo – remeta ao Reflektor do Arcarde Fire. Essa obra teve alguma influência direta no processo de criação?
TP: Rapaz, sabe que não? Estranhamente eu não fiquei muito fã deste disco do Arcade. O que eu me lembrava mais, era de terem usado imagens do filme Orfeu Negro nas turnês e em vídeos, brincando com a ideia do espelho refletido. Mas só agora, depois de lançar o disco é que um fã me enviou a capa de Reflektor e eu entendi que ela é uma obra do Rodin sobre Orfeu e Euridice! Fiquei até mais curioso e arrependido de não ter prestado atenção, escutar mais vezes. Vou tentar fazer isso esses dias. rs
O mito de Orfeu já foi pensado muitas vezes por artistas muito diferentes. De Vinicius de Moraes ao Arcade Fire, pense!
É na verdade bem comum encontrar relações entre as obras, e algumas de fato fizeram parte do meu apanhado.
MI: Falando sobre influências, quais as obras de outras mídias (cinema, literatura) serviram de inspiração para o Mal dos Trópicos?
TP: A primeira ideia que eu tive sobre o disco surgiu por causa de um livro e consequentemente de uma foto. Na virada de 2015 para 2016, a jornalista Lorena Calabria me presenteou com o livro “O Templo” do inglês Stephen Spender. É uma espécie de diário semi biografico com toques de ficção e que conta sobre a juventude do autor. Passando férias no interior da Alemanha – na época da República do Weimer, quando o espírito alemão era ainda libertário e vanguardista – ele descobre o amor, a sexualidade, amizades e mundos novos. Nesse período ele conheceu e se apaixonou pelo fotografo alemão, Herbert List , e eu nunca tinha ouvido falar dele. Fui pesquisar suas fotos, acabei encontrando uma que me deixou fascinado. Chama-se garoto com uma coroa de louros, de 1932 se não me engano. Essa imagem, que tem a ver com um ‘Orfeu’, ficou na minha cabeça por muito tempo.
Era 2016 e eu sentia que era hora de encerrar a turnê de RnR Sugar Darling. Havia algo no ar que me fazia pensar que aquela narrativa de celebração das minorias e diversidades já não fazia sentido, eu não sabia bem dizer o porquê. E aí voltamos ao livro: ele é dividido em duas partes – a primeira essa que contei – a segunda já em 1938, quando o Stephen Spender voltou a Alemanha e seus poucos amigos que ainda estavam por lá, ou sentiam medo, ou haviam se alistado nas tropas da juventude hitlerista. Todo o espirito libertino e livre de antes tinha sido engolido pelo começo do nazismo.
MI: Em qual momento você decidiu ou descobriu que a música erudita modelaria o seu disco?
TP: Quando eu decidi diminuir o ritmo da turnê (ela se encerrou mesmo em janeiro de 2017) eu tive um momento de ressaca. Eu estive desde 2008 lançando trabalhos e seguindo em turnês, emendando uma coisa na outra sem nunca ter parado. Sempre correndo atrás do próximo projeto, de pagar os boletos em dia, de tentar crescer na carreira. E bem, eu sou independente mesmo, em todos os sentidos. Eu faço tudo, produção, burocracias, divulgação, e ainda sou o artista. Isso aumenta muito a carga de trabalho.
Essa ressaca foi bem real. Eu não conseguia nem pensar em fazer e nem em escutar música.
Meu interesse por música erudita aconteceu de um jeito engraçado. Nessa época, eu só conseguia ouvir música se estava no carro e no transito. E aí eu ligava nas rádios FM, essas todas que tocam música brasileira, rock, etc. E era um jabá atrás de outro. Só músicas da fase em que as gravadoras vendiam e as que elas ainda fazem questão de pagar jabá. E eu pensava: Porra, não tem uma rádio que não toque essas merdas de anos atrás?
Daí dia eu acabei caindo na Cultura FM, que é uma rádio de música clássica e que bem, eu não era muito interessado nisso mas só de saber que os jabazeiros também não devem ser, eu gostei mais da ideia. E ouvir aquelas seleções me pareceu mais legal. Foi assim. Acabou virando uma paixão! Mas eu ainda não imaginava que isso pudesse influenciar meu trabalho.
Só mesmo quando eu comecei a compor as músicas e pensar sobre o conceito do disco e entender que queria uma linguagem mais “épica” é que eu entendi tudo podia se casar.
Tenho a impressão de que somente essas narrativas épicas são capazes de traduzir a complexidade do que estamos vivendo.
MI: Qual a diferença de compor um disco mais diverso e um disco conceitual? É mais fácil ou mais difícil?
TP: Não sei se existe essa diferença pra mim. Eu não pensei neles exatamente dessa forma. São discos que eu quis fazer, que tinham a ver comigo e com o momento em que foram criados. Foram igualmente fáceis e difíceis, cada um a seu modo. Mas cada um é também reflexo de seu tempo. E existem sim tempos mais difíceis que outros.
MI: De 2014, lançamento do seu último disco, até 2019, ouve um boom na música brasileira. Novos artistas surgiram, a musica independe alcançou proporções maiores, o público passou a abraçar gêneros mais diversos. Como você vê esse novo movimento? Você acredita que isso te incentivou a experimentar mais?
TP: Vejo muitos movimentos que são bastante importantes. O que me deixa mais feliz é ter visto toda a geração queer e que carrega consiga questões de sexualidade, e pautas de gênero, terem ganhado espaço e provado que há um mercado muito maior do que se supunha para todos. Em 2010, quando eu comecei, eu era quase que isoladamente o único artista gay assumido da minha geração. Eu jamais sonharia que um dia teríamos uma drag como a Pabllo entre os maiores artistas pops e de mainstream do país. É muito bom poder voltar, cinco anos depois, e coexistir com toda essa geração. Isso certamente me deixa mais a vontade para criar e fazer o que tenho desejo de fazer.
MI: E quais os novos artistas ou bandas dessa “nova” música brasileira você mais escuta?
TP: Sou fã confesso de Linn da Quebrada e da Jup do Bairro. Tenho adoração pelo Baco Exu do Blues. Gosto muito de Thassia Reis, Maria Beraldo e Teto Preto. Acho que são os que eu mais tenho escutado nos últimos anos.
Junto com o álbum em todas as plataformas streaming, ele também lança uma série de áudio vídeos, dirigidos por Camila Cornelsen e com direção de arte da ManMade.
Ouça Mal dos Trópicos:
Minuto Indie no YouTube:
https://youtu.be/Gn67gPypHQc