Tendo como inspiração elementos como o fogo, terra, água e ar  – consciente e inconsciente, a banda paulista Suco de Lucuma lança seu primeiro álbum de estúdio duplo chamado “Quase Rosa, Quase Azul”. Confira, com a gente, o release especial da obra e entrevista exclusiva com a banda!  

Começando a partir do lado “Quase Rosa” da obra do grupo Suco de Lúcuma, as primeiras faixas de “Quase Rosa, Quase Azul” soam como uma programação: além de um mero aparelho eletrônico como um rádio, CD ou computador, as canções, aqui, falam sobre o lembrar – ou, o esquecer. Mesmo que você não queira, exatamente, esquecer. É como uma armadilha, uma arma de sobrevivência do seu cérebro. 

Aqui tá faltando espaço
Preciso deletar
Sem memória, sem memória

Fotos, sonhos
Caminham vendados rostos
Que eu queria lembrar

Esqueço e não acredito
Esqueço, escapo
Esc-escape this trap!

Eu queria falar do lindo, belo
E do fantástico, mas
Tá faltando espaço

SUCO DE LÚCUMA: A TÉCNICA DO AUTOMATISMO 

Suco de Lúcuma possui como apoio letras cruas e honestas e feitas de modo totalmente livre: os artistas utilizaram técnicas como o Automatismo, que consistiu em gravar várias falas, continuamente, logo após acordar. Ao serem questionados sobre a existência de uma relação entre o atual contexto que estamos vivenciando e a construção das letras, arranjos e melodias, Bechet e Thom, membros da banda, falaram um pouco sobre como se deu esse entendimento e construção:

As composições no geral foram feitas de uma maneira espontânea e intuitiva. Utilizamos algumas técnicas surrealistas e experimentos durante o processo, uma que foi muito usada foi o Automatismo, onde falamos continuamente sem pausas gravando tudo no celular ou escrevendo rapidamente os primeiros pensamentos após acordar. Com esse material, passamos por um processo de racionalização para logo fazer recortes e deixar lacunas pras pessoas preencherem partindo da sua própria experiência, parecido aos Cut/Ups de Burroughs e Ginsberg. As gravações do baixo e bateria aconteceram em 2018 e a mixagem e pós-produção começaram na metade de 2019, quando todas as músicas já estavam prontas. Foi tudo muito antes da pandemia. Mas tem essa relação; pra nós o ouvinte é uma peça importante da obra. Na capa cinzaque é uma soma das capas rosa e azul feita digitalmentese forma um triângulo entre os pontos que estão fora da mancha e o ponto no centro da imagem. Nos discos Rosa e Azul falta um dos pontos em cada um para completar o triângulo, e pra nós isso simboliza a necessidade dessa pessoa, desse terceiro elemento que fecha o sentido emocional dos discos.

Suco de Lúcuma – álbum “Quase Rosa, Quase Azul” (capa cinza)

VIAJANDO ENTRE O ROSA E O AZUL

As concepções estéticas, visuais e sonoras – desde os timbres progressivos e fluídos até o uso de cores específicas para o lado A e B de “Quase Rosa, Quase Azul”, nos levam para uma onda, uma maré de autoconhecimento, reflexão e questionamentos que nos tiram da posição confortável que, usualmente, estamos acostumados a estar. É como o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), mas, dessa vez, o eu-lírico escolhe lembrar – mantém as memórias, escapa da armadilha e, por fim, sai ileso:

A emoção estoura
Se converte em cor
o silêncio estoura
Se converte em som

Afinal, ressignificar faz parte do processo de existir – e resistir. Ao transformar as emoções em cores e o silêncio em som, Suco de Lúcuma nos permite viajar entre os dois hemisférios de nosso cérebro – algo lido, em senso-comum, como: “racionalidade x criatividade”. A luta, e o luto. Norte, Sul. Razão, emoção. Rosa, Azul. Apesar de desempenharem funções diferentes, ambos os lados são complementares para entrarmos em sincronia com nós mesmos. 

Suco de Lúcuma, álbum “Quase Rosa, Quase Azul” (capa rosa)

Em faixas como “Ausência”, é nítido essa dualidade e honestidade do eu-lírico ao retratar um cenário presente no atual contexto de relacionamentos em nosso cotidiano. Sejam amorosos ou não, a tendência, segundo pensadores como Bauman, é que as relações se tornem cada vez mais temporárias, rápidas e imediatas, tal qual acontece na sociedade de consumo. É o que o filósofo chama de amor e relações líquidas. 

Sinto muito usar você
Pro meu dia passar
Quis dividir meu prazer
Teu delírio doce

É onde eu quero flutuar, quero flutuar
Quero te amar, quero te amar

Sinto muito gostar de você
Pro meu dia passar
Quis ouvir teu rio trazer
Flores num instante
Que eu vou agarrar, eu vou agarrar
Mas vai acabar, mas vai acabar

Em, “Jardim Suspenso”, faixa seguinte, o movimento é o mesmo: a persona retratada se vê de fora para dentro ao abrir uma ideia, um caminho com várias cores, uma maré no oceano que permite que seu lado racional seja desabado para dar chance ao alto, ao silêncio, a aquilo que o faz encontrar o som – neste post há uma resenha do lançamento do single, confira! 

Não se apresse
Respire e regresse
Criança do meu coração

Continuando os elementos psicodélicos, progressivos e surrealistas, faixas como “Dada” nos teletransportam para o inconsciente a partir de palavras inaudíveis para o público – aqui, você é quem faz a letra. O que você escuta, o que você vê?

A canção soa como reflexos de um regresso, um passado – a criança interior que foi recuperada e abraçada. E, tudo isso, com a mudança constante de imagens e cores, como mandalas que permitem que o ouvinte sinta-se em casa. Relaxe, reme o barco, continue andando: está tudo bem.  

Sobe a sombra quase inteira
Dessas nuvens sobrepostas ao calor
Será que entre essa gente
Esqueci dos teus olhos também?

Me lembro vagamente
Da tua pele, areia, algodão
Da mancha velha no teu tênis
Do teu jeito de chorar

Uma luz percorre os prédios
Atravessa o quintal, o mar
Desemboca no mistério
De aguardar eu me lembrar

Minhas pernas, os meus braços
Me abandonaram lá
Sem noção de quanto tempo
Quanto tempo

Permita perder-se, mas não vá se perder por aí. Se lembre, mas reinicie o sistema. Volte, dê alguns passos, siga adiante. O silêncio, a som, a luz, o escuro, são elementos que nos permitem vislumbrar a nossa existência de forma diferente – como uma gravação em fitas-cassete de toda a sua vida passando por seus olhos. O que você fará com ela?  

QUASE ROSA, QUASE AZUL

Suco de Lúcuma nos permite viajar entre esses extremos: entre as paredes do seu quarto, da sala, e, claro, da sua mente. A cada cor que vislumbra o sol, um disco, um pingo de chuva, uma memória que você preferiu apagar – mas que insiste em voltar. Além da diversificação de elementos visuais e sonoros, as faixas também são dinâmicas no que tangem à linguagem. Em “Trayecto”, por exemplo, a banda nos permite viajar entre timbres de guitarra e estrofes em espanhol:

Que habrá sucedido en realidad?
El cielo gira y gira
El camino se desmancha
Y sobra solo tu rostro
Nada más

A partir desse processo, o lado “Quase Rosa” se fecha com “Xis Brio”, onde o eu-lírico indaga várias vezes se “era você” aquele que ele via, provavelmente, em seus sonhos e viagens astrais entre o mundo das memórias e experiências. Termina, porém, com um apelo: 

Não venha me tirar o brilho, tenho espaço pra você
Veja em mim teus olhos frios, se deslocam
Se deslocam sem saber

Suco de Lúcuma, álbum “Quase Rosa, Quase Azul” (capa azul)

Cada vez que você escuta, seja o álbum completo ou uma das faixas, abre-se um leque de possibilidades e novas percepções e interpretações que flutuam entre as diversas correntes artísticas e musicais apresentadas por Suco de Lúcuma. Há influências clássicas do rock independente, progressivo e lo-fi, que nos remetem tanto a referências nacionais (MPB) quanto internacionais, como Tame ImpalaPink Floyd. Em entrevista, eles também fizeram questão de realçar o lado emocional e interpretativo de suas composições líricas e sonoras: 

Duas músicas entraram na playlist Indie Brasil do Spotify e também saímos na capa da Indie Brasil no Deezer. É muito bom saber que os discos estão causando um efeito positivo nas pessoas. Queríamos que a ambiguidade das letras levasse o ouvinte a criar conexões com significados pessoais, e que as interpretações do disco deixem em evidência características da personalidade de quem ouve. A gente não desistiu do lançamento na quarentena precisamente por acreditar que as pessoas poderiam conectar com os discos de uma maneira diferente devido a se encontrarem em distanciamento social.

O lado “Quase Azul” começa de modo mais agitado e “agressivo” – como uma superação ao lado rosa do álbum, que é marcado pela inconsciência e melancolia da introspecção e sensação de abandono presente nas letras. Dessa vez, parece haver um entendimento, um equilíbrio, como yin-yang. Uma das primeiras faixas é “Fios de Desejo”, cheque uma das performances ao vivo da banda abaixo:

SUCO DE LÚCUMA: CURIOSIDADES E RECADOS

Para aqueles que estão curiosos sobre a banda ou buscando ainda mais interpretações sobre o álbum “Quase Rosa, Quase Azul”, perguntamos também para Suco de Lúcuma a origem do nome da banda e do álbum do grupo. Saca só como se deu a produção: 

O nome da banda veio através de uma música chamada “Jugo de Lucuma” da banda Invisíble, do artista argentino Luis Alberto Spinetta, uma forte influência pra mim (Bechet). Ao mesmo tempo, gostamos do efeito que o nome gera nas pessoas ao não saber o que é uma Lúcuma, transformando algo cotidiano e simples (um suco de fruta), em algo maior. O nome também representa uma parte da minha infância, a distância entre a realidade que passou e a que acontece agora, e como se manifesta nas composições. Já o nome do disco partiu da criação da capa, que aconteceu também de maneira intuitiva e que inicialmente era apenas uma. No início de 2018 não tínhamos ideia que faríamos um disco conceitual duplo, apenas queríamos uma imagem, então peguei umas tintas velhas e as espremi num papel que logo em seguida dobrei no meio. O resultado foi fotografado e experimentamos diferentes tonalidades, onde acabamos entre duas opções, uma com fundo azul e outra com fundo rosa. Na época optamos pela capa Rosa se tornar a imagem da banda e desde esse momento se tornou também um elemento determinante nas composições e nas letras, acabou sendo uma espécie de guia espiritual, uma imagem que víamos constantemente. A ideia dos discos e do nome foram vindo aos poucos, começamos a assumir essa dualidade e perceber relações ocultas entre as músicas, a gente realmente abraçou muito isso. Tinha umas músicas que ouvíamos e falávamos “nossa isso soa meio rosa, isso soa mais o azul”, começamos a encaixar e definir esse paralelismo e junto ao lançamento do segundo single “Fios de Desejo”, em abril de 2019, decidimos que o disco seria duplo e que usaríamos a capa azul também

Sobre o atual contexto de pandemia e isolamento social, Suco de Lúcuma também deixou seu recado ao leitor e fã: 

Tem bastante gente encarando esse período de quarentena de maneira fria, segurando lançamentos, com justificativas mercadológicas. Achamos que apesar de fazer sentido logístico e racional, não podemos esquecer que a arte, a política e a sociedade formam uma coisa só, e que o artista não deve deixar de expressar seus sentimentos. Nosso pedido pros artistas é não parar de compor nem materializar as emoções, muito menos em momentos difíceis como este. As ideias podem de alguma maneira influenciar outra pessoa, ou fazer ela sentir que não está sozinha. A gente acha que isso é muito importante e pedimos para não esquecer que, antes de tudo, a música é uma expressão artística e faz parte da vida das pessoas.

Suco de Lúcuma nas redes sociais e streaming 

Ouça o álbum completo e conheça mais da banda a partir de seu site, Instagram e canal no Youtube. Os álbuns também estão disponíveis nas plataformas Deezer e Spotify!

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Autor

  • Tainara Fantin

    Formada em Ciências Sociais e pós-graduada em Jornalismo Digital fascinada pelas seguintes áreas de estudo: etnomusicologia, sociologia urbana e análise de discurso. Fotógrafa independente. Atualmente, faço graduação em Tecnologia de Eventos e Letras e, nas horas vagas, continuo apaixonada por música, cinema e literatura. instagram.com/tfntn • instagram.com/adaylnthelife fb.me/tainarafantin • fb.me/casualsabotage twitter.com/d4rksidem00n

Escrito por

Tainara Fantin

Formada em Ciências Sociais e pós-graduada em Jornalismo Digital fascinada pelas seguintes áreas de estudo: etnomusicologia, sociologia urbana e análise de discurso. Fotógrafa independente. Atualmente, faço graduação em Tecnologia de Eventos e Letras e, nas horas vagas, continuo apaixonada por música, cinema e literatura.

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