
Nova faixa antecipa o clima do álbum de estreia da banda que nasceu em 2019 e que chega a um novo ciclo com uma sonoridade mais colaborativa, madura e calejada de reflexões sobre a última década
Porto Alegre é uma cidade que pulsa entre extremos, só quem vive a energia do caos e da sobriedade pode compreender. Nos últimos anos, mesmo sob o trauma da pandemia, a devastação das enchentes de exatos 365 dias atrás, a cena alternativa segue revelando sons que resistem — e se reinventam.
A Shaun é um exemplo disso. Cheia de referências do britpop, rock alternativo, mas sem perder o groove urbano experimental e crônicas do dia a dia, a banda vem desde 2019 cruzando o lirismo do cotidiano com batidas que fazem dançar e pensar ao mesmo tempo. Agora, eles lançam “Anjos & Demônios”, o primeiro single do aguardado disco de estreia que deve ser lançado ainda em 2025.
A faixa, que chega à meia-noite desta sexta-feira, 9 de maio, nas plataformas digitais pela Frase Records, marca uma nova formação: agora com sete integrantes, a Shaun — liderada pelo vocalista e compositor João Carneiro — entra em uma nova etapa de maturidade coletiva. Idades diferentes, reflexões geracionais e olhares para o mesmo horizonte se cruzam numa experimentação sonora que coloca o grupo como um dos nomes mais promissores da cena indie BR.
Produzida por John Vitto, “Anjos e Demônios” nos convida a uma viagem pelas ruas e sentimentos da cidade — entre esperanças, colapsos e contradições. E, para entender melhor tudo o que pulsa por trás da faixa, conversamos com exclusividade com João Carneiro (voz e guitarra), Eduardo Comerlato (guitarra) e Joana Luna (percussão e voz) sobre a nova fase da banda, o processo de criação do disco e o que significa fazer música independente em uma Porto Alegre quase pós-apocalíptica em 2025.
Minuto Indie – Estamos falando de uma cena que foi, há um ano, devastada. É impossível não falar disso, principalmente quando os singles de vocês sempre trazem uma visão muito forte de cidade. Como é lançar um single agora, nesse contexto, com tudo o que Porto Alegre passou?
João Carneiro – Eu acho que é um desafio, assim, de não parecer leviano em relação a isso. Tipo, “ah, não, nada aconteceu aqui, a gente está muito feliz e tal”. É impossível, não tem como não considerar isso. Inclusive, nosso antigo baterista, o Bruninho, a casa dele ficou debaixo d’água. De alguma maneira, cada um de nós foi afetado um pouco — alguns diretamente, outros não. Mas, no mínimo, por ver outras pessoas sendo muito afetadas: familiares, outros amigos, amigos de outras bandas também. Isso é algo muito assustador. Ver gente perdendo vidas, histórias. Mas a gente está vendo que as pessoas aos poucos estão querendo ir a shows de novo, sair, enrolar na rua, estar com os amigos, conhecer novas pessoas. Então, acho que tem um pouco disso: de estar interagindo com a cidade. Tudo isso acontece na cidade, a cidade é o palco desse sentimento. De certamente estamos traduzindo isso nessa canção.
MI – E como é que foi esse processo, então, da nova formação?
JC – A Shaun é uma banda que começou as atividades no final de 2019. Então, quando a gente estava começando a marcar show e lançar coisa, veio a pandemia — que, óbvio, não só pra nós, pra todo mundo — de uma maneira global e muito absurda também. É, eu acho que algumas reinvenções foram por necessidade. Por exemplo, um dos nossos antigos guitarristas, o Léo Braga, foi morar no Rio de Janeiro. Aí veio o John, que é o cara que hoje está produzindo as músicas — a gente está gravando na casa dele. Algumas reinvenções são por necessidade e acabam sendo — graças ao destino — boas pra nós, até quando são por necessidade. Por exemplo, a entrada da Jo na banda, que aconteceu este ano, mas o convite tinha sido feito em 2020. Só que ela morava em Portugal na época, então ela veio pra cá, pra estudar aqui. E o Dudu é um que está desde a primeira gravação da Shaun também. Hoje é o momento mais coletivo, em que as coisas estão acontecendo com todo mundo se sentindo muito à vontade e participando. Existe uma colaboração maior. Isso nos dá liberdade para experimentar mais e misturar as referências de cada um.
MI – E de que forma isso se reflete na sonoridade de vocês?
JC – No processo de experimentação como um todo, sabe? Tem vários momentos da música… onde estávamos lá no estúdio e as coisas vão ganhando brilho, sabe? Porque tem as contribuições de cada um. Por exemplo, um dos sons que a gente está gravando, que vai estar no disco e vai ser um dos singles, é uma música da Joana. Já é um outro ponto de vista de composição, uma outra maneira de achar um falar, mantendo a unidade do nosso universo. Então, acho que essa riqueza só vai aumentando.
Joana – Toda a galera é tudo muito amiga, assim e isso permite que a gente trabalhe de uma forma muito coletiva e espontânea. Teve uma composição minha ali, ou seja, a galera foi dando espaço, dando ideia junto, em cima de uma música minha. Tá sendo um espaço bem… um espaço seguro, assim.
Eduardo – E é muito interessante ver como isso funciona no coletivo, porque a gente tem um ponto positivo que é a banda ser muito grande, né? A gente tem muitos integrantes, e isso é muito bom no projeto de composição, de ideias, porque vai agregando referências que nem sempre são as mesmas entre todos — e isso deixa a sonoridade bem mais rica.
MI – “Anjos e Demônios” soa como uma canção sobre estar perdido, mas em movimento. Sobre dúvidas, fé, política cotidiana e a tensão entre ser jovem e se tornar adulto, mas sem soar piegas ou clichê. Mas como vocês definem esse sentimento?
JC – Eu vou fazer 30. O Dudu tem 28, vai fazer 29, outros mais adiante os 30, temos idades bem diferentes. Então eu acho que falar desse sopro de… do juventude é a esperança pra que isso se prolongue também um pouco mais, sabe? Porque não dá pra gente se basear no último sopro de juventude por números. A pessoa pode ter 60 anos e ser jovem, 70 anos e ter um espírito jovem. Eu acho que isso é uma coisa que não vai deixar de existir, essa esperança da jovialidade, certamente meio ingênuo e sonhador também. E nesse contexto em que a gente vive agora, meio que é um reflexo geracional que tenhamos perdido um pouco a esperança. Eu perdi minha mãe já, então isso pra mim é uma coisa que me fez encarar muita coisa. Perder o pai e a mãe é uma coisa que faz a pessoa não ser jovem mais, também, sabe?
Eduardo – Acho que o “Último Sopro de Juventude” tem a ver um pouco também com a letra da música, porque a gente teve um debate sobre um trechinho da letra ali, que era o “vinte e tantos anos” ou “vinte e poucos anos”. A gente não sabia que termo usar, né? Mas eu acho que a brincadeira com o “Último Sopro de Juventude” tem a ver com essa parte da letra também.
João – Exato, na época em que comecei a escrever essa música eu estava em uma fase diferente. A música tinha sido feita já, escrita há uns dois anos. Aí, mais perto dos 30, eu já tô me sentindo muito velho e nos últimos anos, não só eu, claro, mas todos nós passamos por muitas coisas que acabam se refletindo nesse sentimento que de certa forma é até agridoce.
MI – Para finalizar, como é ser uma banda da cena independente de Porto Alegre, fora do eixo Rio-São Paulo em 2025?
João – A gente vive uma experiência que outras regiões talvez não tenham vivido, como a enchente. Isso uniu as bandas, criou uma necessidade de estar na rua, de fazer arte pra se manter vivo. E isso acontece mesmo entre bandas com sons muito diferentes. A nossa preocupação nunca foi agradar todo mundo. A gente fala do Olívio Dutra numa música — uma banda que quer ser neutra ou popzona talvez não fizesse isso. Mas a gente quer falar o que pensa. E vejo que várias bandas da cena têm esse mesmo espírito. Hoje somos uma cena que mesmo sob diferentes formatos, sonoridades, estamos buscando espaço, e dividindo o mesmo público que circula no mesmo universo. A gente não quer soar como banda de rádio. Mas a gente quer que as pessoas ouçam o que a gente tem a dizer. Isso é sobre estar vivo.
Em primeira mão no Minuto Indie: ouça agora “Anjos e Demônios”, novo single da Shaun que chega acompanhado de um clipe dirigido por Bruno Bujes:
Ficha Técnica:
Música por João Carneiro
Eduardo Comerlato – guitarras
Eliéser Lemes – bateria
Joana Luna – percussão
João Carneiro – voz, guitarras e fernet
John Vitto – produção, guitarras e vozes
Lucas Juswiak – baixo
Samuel Kirst – teclas