A industria fonográfica fez mal as pessoas? A internet deixou as pessoas mais preguiçosas? Consumir música perdeu a essência? Vamos refletir um pouco
Muito se fala sobre o que aconteceu com a música e principalmente sobre o mercado fonográfico nas últimas décadas, mas o que aconteceu com os fãs de música nos últimos 20 anos? A leitura vai ser longa, dentro desta publicação, mas quero compartilhar com vocês as experiências que eu tive e promover uma reflexão sobre o público que consome música.
Por ser uma crônica misturado com um artigo de opinião, eu, Eduardo da Costa, redator do site do Minuto Indie desde 2017, editor-chefe desde o final de 2018, até quando decidi deixar o cargo há alguns dias pra me dedicar a novos desafios, resolvi contar um pouco da minha percepção dos últimos 20 anos sobre a relação com o público da música, contando tudo o que eu vi (e o que eu lembro), fazendo um balanço do que eu tenho percebido em relação aos fãs de música, já que a minha relação com a música começou desde muito cedo e desde que eu me conheço por gente, sempre estive atrelado com esse universo.
E sim, pra fazer essa reflexão, eu vou contar um pouco da minha história e eu não quero que você que está lendo, pense que eu estou me achando pelo o que eu vivi, mas que reflita, a partir da sua história com a música, se você percebeu o que eu tenho percebido nos últimos anos.
Como eu disse, eu comecei cedo a me envolver com música e achar um universo incrível. Minha mãe sempre me lembra que lá pra 1996 eu já imitava os Mamonas Assassinas quando eles apareciam na TV e que sempre gostou de me amamentar, lá pra 1992/1993 ouvindo Nirvana na MTV, além de eu sempre ter o convívio de estar sempre rodeado de vinis e fitas com programação de rádio. Mas já na creche, lá pra 1998, minha mãe e meu pai trabalhavam fora e por minha vó ser de idade, eles resolveram me colocar no transporte escolar com uma amiga da minha vó (nada de comodidade e sim a única saída pra eu continuar a ir pra creche antes de começar o ensino fundamental), e nesse transporte escolar, o filho da responsável, o famoso “tio da perua“, conversava comigo sobre umas coisas que ouvia e uma vez me mostrou o CD “Lavô tá Novo“, de 1995, dos Raimundos. Não era nem de longe meu primeiro contato com a música, já que mesmo sendo uma criança de 6 anos de idade, eu já tinha ouvido muito discos como “Rock and Roll Over” do Kiss e o “End of Century” dos Ramones.
Mas acho que ali começou uma proximidade maior com a música, porque provavelmente era a primeira vez que eu ouvia abertamente músicas com palavrões e pra uma criança isso é um mundo mágico, não é? No mesmo 1998, meu pai me levou pro meu primeiro show, e que sim, eu gosto muito. Eu vi pela primeira e única vez o Negritude Jr. (risos). Um show gratuito que aconteceu perto de casa e meu pai se revezava quem levava primeiro no colo pra ver o palco, entre eu e o meu irmão mais novo.
De certa forma eu sempre tive contato com o público que consumia música dentro da minha família, com meus pais e meus tios e também pessoas próximas a minha família. Porém, as conversas sobre música começaram em 2000, quando eu entrei no ensino fundamental. Na minha sala eu tive contato com alguns garotos que usavam camisetas do Guns n’ Roses e do Nirvana e eu me interessei pela primeira vez em não só ouvir música, mas em saber música.
A paixão pela música
Você vai me dizer, que monte de blá blá blá, vai logo ao ponto, porém é necessária uma construção antes de eu passar pra uma análise de público. Quando eu comecei a ver que essa molecada escutava as mesmas coisas que eu, mas sabiam mais de histórias e fatos do que eu, na mesma hora eu comecei a tentar saber onde eu poderia saber sobre tudo o que eles sabiam, e foi aí que eu descobri as bancas de jornal (já que eu fui ter meu primeiro celular só lá pra 2004 – um Motorola que tinha visor verde e jogo da cobrinha e sem crédito – e celular com internet só lá pra 2011), que tinham posters, revistas e zines sobre música e foi quando eu comecei a dividir os meus trocos dos pães entre figurinhas e revistas especializadas.
Ali eu percebi que um público muito bem definido, com camisetas de bandas e diferentes das outras pessoas “comuns” que estava ouvindo pagode, axé e rap, se portavam. Foi ai que eu descobri o rockeiro (nossa, descobriu o mundo né? – Pra uma criança de 8 anos de idade, sim).
Ali foi a primeira geração de consumidores de música que eu tive contato direto e sabia o que pensavam, o que escutavam e qual o sentimento deles em relação a música. E ali em 2002 eu tive contato com pessoas que ouviam grunge (uns 10 anos atrasados, não é?). Eu conhecia Nirvana e Pearl Jam de ouvir em rádio e pelo o que a minha mãe me mostrava, só que ali eu tive o meu primeiro contato com o underground, já que eu sai totalmente do convencional e tive contato com Mother Love Bone, Tad, The Melvins, Sonic Youth, Green River e Mudhoney.
Ali eu percebi que existia um nicho muito mais específico do que as pessoas que eu já conheciam, entendiam de música, mas iam atrás das referências das bandas famosas e o que as influenciavam. Comecei a ir em shows em 2004, ainda meio grungezinho, mas eu tive um contato maior com uma cena que estava explodindo no Brasil, que era o Hardcore. Eu conhecia o básico do Punk com 12 anos, como Ramones e Sex Pistols, só que aquele nicho explodiu. O CPM 22, certamente o maior nome dessa “cena” dos anos 2000, já tava em alta há quase 4 anos, o Charlie Brown Jr. e o Raimundos já tinham carreiras consolidadas há quase 10 anos, porém foi uma transformação na música como um todo.
https://www.youtube.com/watch?v=Bh1dPRCCfI4
Entrei em contato com a segunda geração que consumia música com o qual eu tive contato, uma galera ligada ao skate e que se dividia em duas partes, uma mais mainstream, que estava ligada na MTV com Pitty, Los Hermanos e Detonautas Rock Clube e a galera mais underground, que estava ligada a bandas que estavam explodindo junto com o CPM 22, como o Dead Fish e outras bandas menores que já lotavam grandes espaços, como o Dance of Days, Sugar Kane, Fresno, Hateen, Questions, Fistt, Cueio Limão, Blind Pigs e muitas outras que também acabaram tocando inúmeras vezes em programas específicos na Music Television. Na gringa, bandas como Evanescence, Linkin Park, Limp Bizkit e Slipknot despontavam no New/Nu Metal, e o Green Day e o Offspring, que já faziam sucesso há anos, trouxeram pras rádios o Pop Punk com o Simple Plan, o Good Charlotte e o My Chemical Romance.
A própria MTV tinha uma ramificação gigantesca pra passar em sua programação, Ao mesmo tempo que mostrava o New Metal, o Pop Punk e o Hardcore, havia uma gama grande de bandas alternativas, como o próprio Los Hermanos, o Gram, o MopTop e outras que diversificavam demais a programação do Control Freak, do Disk MTV, do Top10 MTV e do Jornal da MTV, que não só mostravam as bandas consolidadas, tinham praticamente 10 novas bandas pra mostrar por dia.
As pessoas entre 12 e 25 anos simplesmente ouviam música e queriam estar nos shows, era comum perceber que as pessoas ouviam mais de uma vertente dentro do rock e quase não se importavam com isso, já que vários segmentos estavam pipocando e a partir de 2004/2005 veio a explosão do que a gente vulgarmente chamou de Emo e que não tinha nada a ver com o Emotional Hardcore que se fez presente principalmente nos EUA durante os anos 90.
Pra quem é mais novo e não viveu essa época (e olha que eu não sou tão velho assim), já percebeu que eu convivi com 2 gerações que não só consumiam música, mas consumiam tudo o que ela trazia. Posters, revistas, camisetas, jornais, CDs e tudo o que as bandas lançassem, mas o mais importante, lotavam shows e mais shows, pois ali se encontravam, conversavam sobre as suas bandas favoritas e conheciam novas bandas (essa parte inclusive, era a mais importante, porque ainda com a internet doméstica engatinhando no Brasil, fora o trama virtual, a forma mais fácil de se conhecer bandas novas era: indo a shows).
Quando eu entrei no ensino médio, era muito comum que diversas pessoas tivessem bandas e as vezes essas pessoas tinham mais de uma banda. Eu produzi meu primeiro show em 2009 com mais 4 amigos, a Mayara Puertas que hoje é vocalista do Torture Squad, importante banda do metal nacional, o Jorge que até quanto eu tive contato com ele, ainda estava muito envolvido com música e produção, o Caique e o José Vitor, e chamamos o Rock Rocket (outra banda consagrada da MTV alternativa dos anos 2000) e eu percebia que as pessoas, por mais que não conhecessem todas as bandas que tocavam, queriam estar em shows, principalmente por saber que certamente iriam conhecer alguém que estava tocando no dia.
E ai 2010 virou a década, e a internet se consolidou de vez no país (já estava consolidada, mas eu queria colocar uma frase de efeito aqui). A maior parte das casas, pelo menos aqui em São Paulo, tinham acesso a internet e o Orkut estava deixando de ser foco. Me lembro de que quase na mesma época que eu recebi meu convite do Orkut, lá pra 2005, eu abri meu MySpace, exclusivamente pra conhecer mais bandas, minhas comunidades da rede azul e vermelha eram basicamente sobre música e em 2008 eu abri meu Fotolog para: saber sobre os próximos shows de bandas. Essas redes sociais viviam repletas de bandas e muita gente que queria baixar música e de lá pra cá, as coisas que já estava fáceis por conta do Trama Virtual, Emule, Shareaza, Ares e Torrent, ficou ainda mais fácil, já que a industria fonográfica simplesmente perdeu o controle do compartilhamento de músicas.
A mudança no consumo de música
Se entre 2005 e 2010 o Emo tomou conta do Brasil e as pessoas já eram muito fãs de tudo o que acontecia na música, de uma forma bem monstruosa, e fãs que faziam loucuras pelos seus artistas sempre existiram, fã clubes então, dentro do Axé eram maiores ainda que dentro do Rock e da música alternativa. Mas a virada da década veio a terceira geração de consumidores de música que eu tive contato, a geração download.
Agora não se precisava mais ir nas bancas comprar revistas, os zines feitos a mão agora tinham mais espaço dentro de blogs virtuais e consumir música se tornou cada vez mais fácil, já que você poderia conhecer qualquer artista em qualquer lugar do mundo e com isso veio o meu primeiro choque: a diminuição de público nos shows. O Brasil sempre teve grandes festivais, como o Rock in Rio e o Planeta Atlântida, mas entre 2003 e 2010, os pequenos festivais lotavam espaços gigantescos pra 5 mil, 8 mil, 10 mil pessoas e muitas vezes as bandas não eram conhecidas do grande público e muito menos tocavam em rádios populares ou iam a programas de televisão em grandes emissoras.
Foi perceptível que com a quantidade de novas bandas surgindo, foi ficando cada vez mais difícil de sem aprofundar no que acontecia na música e a própria MTV mostrava isso em sua programação, enquanto alguns VJ’s mais antigos como Rafa Losso, Casé, Marina Person e João Gordo mostravam muito profundamente casos e fatos, a partir dos anos 2010 a emissora começou a trazer menos informação e mais entretenimento, entendendo que seu público estava mudando drasticamente. Era cada vez mais raro ter programas com camadas mais profundas e gincanas e comédias começaram a tomar conta do canal. Mas ainda era possível ver um público jovem querendo saber mais sobre o nicho que estava inserido.
A próxima geração
Depois que a MTV acabou, isso pode ter trazido uma grande mudança pra quem consome música, logo depois começaram a pipocar na internet os serviços de streaming que facilitavam ainda mais o consumo não só de música, como de outros assuntos. E ai veio a quarta geração de consumidores de música que eu tive contato na minha vida, que é a geração streaming. E hoje se você está lendo essa publicação, é porque conhece o canal ou sabe da existência do nosso site, por conta da vontade de saber mais sobre música sempre. Mas você também percebeu, mesmo que a sua jornada dentro do mundo da música seja curto, que o público mudou muito.
E eu percebo cada vez mais, e não precisa ser um especialista no assunto, como está cada vez mais difícil tirar as pessoas de casa pra assistir um show, e acredito que isso vem acontecendo desde 2012/2013 com mais intensidade. Não é desmerecendo e nem criticando algo, que é até desrespeitoso com o trabalho de muita gente, mas eu percebo que apenas os grandes festivais hoje são fortes o suficiente para tirar as pessoas em peso de suas casas. A experiência é incrível e única, porém, será que conseguimos desfrutar de tudo o que a música pode trazer pra gente indo em shows uma ou duas vezes por ano?
Fato é que o consumo de música foi retomado pelas menagers, através dos serviços, agora legais, de execução de música na internet. E com isso, sites e mais sites também perceberam que houve uma queda no aprofundamento do saber música e o aumento do consumo de playlists e músicas indicadas, sejam pelos próprios serviços de streaming, quanto por pessoas que usam suas influências pra divulgar música. Além disso, apesar do fácil acesso a internet, está cada vez mais forte a denominação de “one hit wonder“, em que cada vez mais conhecemos bandas e artistas que fazem grande sucesso com um single e logo após caem no esquecimento de forma vertiginosa.
https://www.youtube.com/watch?v=OlV03ACqsT0
Reflexão
O mundo se modificou e o a música também se adequou a seus consumidores, e cada vez menos vemos pessoas infiltradas na música de forma profunda. As pessoas que contam histórias, fatos e casos do mundo da música também tiveram que se readequar e encontraram no YouTube e nos serviços de podcats, bons caminhos para levar mais conhecimento e mais camadas a esse universo.
Mas será que as pessoas estão cada vez menos se interessando pelo o que a música é e se aproximando cada vez mais do que a música oferece naquele momento?
O bombardeamento de informações nos força a consumir o maior número de informações no menor tempo possível e é cada vez mais complicado digerir tudo isso. Mas há um culpado nisso? Essa mudança é boa ou ruim? O jeito de se consumir música hoje em dia é errado ou só uma evolução?
Provavelmente a gente só vai descobrir isso daqui alguns anos. Vale a reflexão.
https://www.youtube.com/watch?v=xrvkX5EEEYA
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