A sétima arte é considerada por muitos como a mais completa da lista, pois envolve diversas outras manifestações dentro de suas entranhas. O roteiro, as atuações e a fotografia são alguns aspectos que formam um material audiovisual (em sua maioria). Dentro dessa perspectiva, acredito que a música apresenta um papel fundamental de transmitir o conceito, a sensação ou mensagem estabelecida pelo diretor.

          Sendo assim, sempre achei interessante a capacidade de introduzir canções já existentes dentro de uma narrativa singular. Uma coisa é construir a trilha sonora diretamente para alguma obra, onde diversos momentos existem com a intencionalidade específica de servir determinada cena; outra coisa é encaixar faixas de diversos artistas e, a partir disso, moldá-las de acordo com o pensamento criativo.

          E isso, o diretor Wong Kar-Wai sabe fazer, mas muuuito bem. Nascido em Xangai, ele fez parte da “Segunda Nova Onda”, movimento que aprimorou a técnica de se fazer cinema em Hong Kong e toda a China. Mas, meu foco se encontra nas músicas presentes em suas obras.

          Quem já é familiarizado com os filmes de Kar-Wai vai pegar melhor o que eu quero dizer. Para você que está lendo, se ainda não assistiu nenhum deles, fica aqui minha forte recomendação. Dentro de sua filmografia, existe uma constante energia sentimental, apresentando personagens expressivos, cheios de raiva, amor, dúvidas e mágoas. E o diretor sabe como aumentar essas sensações no último volume, através da fotografia e da trilha sonora. Sua câmera apresenta um cenário majoritariamente urbano, explorando o senso de solidão, mas ostentando belas imagens que passam veracidade ao espectador, e, com isso, acrescenta peso às interpretações.

          Dentro da trilha sonora, o diretor apresenta – entre hits, canções instrumentais e em vários idiomas – dois pontos que marcam seu cinema: as versões em chinês (covers bem bons) e a repetição de algumas faixas chave. O primeiro ponto pode ser exemplificado no trailer de “Happy Together”, com uma puta versão feita por Danny Chung da música que dá título ao filme. Confere ai:

 


          Assim como o cover de “Dreams”, do Cranberries, interpretado pela cantora Faye Wong, as novas versões servem como adaptadores para transformá-las em canais de expressão, que se provam bem úteis durante suas execuções. Além disso, aproximam suas obras aos artistas chineses e, consequentemente, ao povo chinês que as consome.

          O segundo ponto se encontra na repetição de músicas específicas durante alguns de seus longas. Desde o sucesso “California Dreaming” até faixas instrumentais de tango são utilizadas para emular algum sentimento já retratado, quase como recapitulando alguma passagem, ou criando um senso de rotina. Não vou mostrar as cenas em que isso acontece, pois acredito que é uma experiência que dever ser vivida ao assistir um dos filmes de Kar-Wai. Entretanto, o trailer de “Chungking Express”, obra em que essa repetição é feita várias e várias vezes, ressalta outro ponto bem interessante do uso musical aqui: a vibe inconfundível que – geralmente – é estabelecida desde a fase introdutória.

 


          Os filmes de Wong Kar-Wai – apesar de diversos – apresentam certa coerência (quem assiste um de seus longas, já consegue identificar quando a direção está em suas mãos). Graças a música, seus sentimentos ganham peso, as interpretações ganham veracidade, e as histórias ganham intensidade. Mesmo entre dois sentidos extremos, como paixão e ódio, existe uma linha tênue que mostra a tamanha força dessa sentimentalidade, como se os personagens estivessem próximos ao extremo do sentir, envoltos em uma aura urbana que só o diretor consegue executar.

          E as canções presentes em suas obras dão uma baita playlist. Entre os artistas presentes nessa coletânea podemos citar Cat Power, Nat King Cole, Massive Attack e Caetano Veloso, além dos já mostrados aqui. Curtiu? Se liga na playlist logo abaixo, que reúne e dá voz ao que tentei divagar durante todo o texto. Ah, e vários dos filmes de Kar-Wai estão (atualmente) no MUBI. Vale a pena experimentar e conhecer os trabalhos do cara. Só filmão.

 

Wong Kar-Wai
Wong Kar-Wai
Para escrever a matéria, foram considerados: “Amores Expressos” (1994), “Anjos Caídos” (1995), “Felizes Juntos” (1997), “Amor à Flor da Pele” (2000) e “Eros” (2004).

Atualmente, vários de seus filmes se encontram disponíveis no MUBI.

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