A banda estadunidense flerta com o indie rock psicodélico e lança EP com ‘mantra’ da pandemia
Com as medidas preventivas ao coronavírus em 2020, no auge da crise sanitária nos Estados Unidos, a população norte-americana buscou o isolamento social e recorreu a serviços providos pela internet para se entreterem remotamente, como o uso de redes sociais e plataformas de streaming. Nesse período, o Beach Fuzz se destaca no universo online e ganha relevância no cenário do indie rock.
A partir de uma descontraída jam session – improvisação de instrumentos – entre Ross Aronow (guitarra e vocal), Jack Venneri (baixo) e John Crane (bateria), quando ainda frequentavam o ensino médio, em 2017, surgiu a ideia da composição e gravação de músicas em conjunto. Se juntaram aos amigos Eric Juelke (guitarra) e Jack Dratch (teclado) e, de um jogo de ideias, foi idealizado o nome “Beach Fuzz”.
“No começo, o Eric e o Jack (Dratch) se juntaram apenas para as apresentações ao vivo, mas naturalmente passaram a compor com a gente. Assim, gravamos o nosso primeiro EP [autointitulado, em 2018] e, quando nos tornamos um quinteto, gravamos o nosso primeiro álbum”, conta Aronow em entrevista ao Minuto Indie.
Compostas em garagens e em porões, suas canções transmitem influências sonoras animadas e com um toque intimista – um cliché de vibe underground. Dessa realidade do subsolo, a banda emerge ao fazer barulho na internet.
Com o objetivo de exporem os seus trabalhos, ainda desconhecidos, criaram uma conta no TikTok – o aplicativo mais popular durante a pandemia – e começaram a publicar trechos de suas autorias, de ensaios, de shows e de tutoriais. Inesperadamente, os vídeos bem humorados tiveram uma grande repercussão e o sucesso, que se limitava ao circuito de shows em porões no estado da Filadélfia, ganha novos horizontes. Nesse hiato de shows em função da covid-19, a banda se tornou ainda mais famosa.
“Éramos apenas cinco garotos tocando em porões da Filadélfia e pensávamos que isso seria o máximo que alcançaríamos com o projeto. Durante a pandemia, comecei a postar alguns clipes dos nossos shows e de outras coisas, e aí isso começou a ganhar mais visualizações e a influenciar no algoritmo do nosso Spotify”, explica Juelke, o guitarrista.
@beachfuzzmusic Rusty Jams #beachfuzz #casual
Musicalmente, o Beach Fuzz é influenciado por conjuntos locais ao mesmo tempo em que também apresenta uma estética sonora que remete a traços de bandas de rock psicodélico, como o Tame Impala, e de cantores, como o Mac DeMarco.
O som ecoado pelas guitarras, vestidos por um frequente uso de reverb como efeito, e as linhas de baixo convidam o público para dançar e se revezam com baladinhas mais lentas. As viradas na bateria trazem um calor frenético – e causam aquele efeito contagiante de balançar a cabeça e interagir com o som – enquanto o teclado soa como um abraço, um detalhe que traz a sensação de proximidade com o público.
O seu primeiro álbum, “Casual Encounters”, lançado em julho de 2019, é um perfil de pensamentos e impulsos adolescentes, entre vivências e histórias fictícias que nascem da imaginação. O título é também o nome da faixa responsável pela abertura do disco, que conta a participação nos vocais de Natalie Crane, irmã do baterista John Crane.
Detalhadamente, Aronow classifica a faixa como uma das suas favoritas e descreve como a decisão de incluir uma voz feminina foi algo puramente espontâneo.
“Se não me engano, essa foi a segunda música que fizemos no álbum. Nós fomos para casa, depois da escola, e gravamos o instrumental lá. O John não tinha um carro e a irmã dele passou para busca-lo. Quando ela chegou, perguntamos se ela poderia cantar e ela aceitou”.
Em seguida, Crane complementa a fala do vocalista.
“Eu lembro disso! É engraçado quando ela vem aos nossos shows, porque ela sai da plateia, sobe no palco e canta a parte dela. As pessoas também acham descontraído e eu acho que ela gosta disso. ‘Casual Encounters’ é a minha música favorita no álbum, muitas pessoas nos conhecem por causa dela e ela é um bom reflexo do nosso som”.
O álbum é muito fluido, com músicas que dialogam entre si e que carregam nomes divertidos, como “Walter’s Song” e o interlúdio “Ron´s Steakhouse” – que faz referência ao mascote “Ronald”, da rede de fast food Mcdonalds.
“Esse título é meio que uma piada interna. Quando começamos a tocar em shows, entre os ensaios e antes das apresentações, nós costumávamos passar no Mcdonalds e pegar alguns lanches. No caso, o ‘steakhouse’ – traduzido para o português como churrascaria – faz referências aos hambúrgueres”, relembra Juelke.
Em 2020, os garotos pretendiam produzir e lançar um segundo álbum. Entretanto, a pandemia atrasou os seus planos. Mesmo assim, o quinteto divulgou o single “Talking by the River”, com duas canções que são faíscas do que poderia ter sido o “álbum cancelado”.
Enquanto Crane e Juelke classificam músicas do primeiro disco como aquelas que representam o espírito da banda – “Casual Encounters” e “Join the Club”, respectivamente –, por motivos diferentes, Aronow e Venneri optam pela faixa “Talking”, presente no single.
“Para mim, sinto que, musicalmente, talvez a ‘Talking’ carregue o espírito da banda”, diz o vocalista.
“Eu estava pensando na mesma música (risos). Acho que liricamente seria essa a que mais nos representa”, responde Venneri, o baixista.
Entre as tantas tragédias e incertezas durante a atual crise sanitária, as composições seguintes se afastam do universo imaginativo adolescente e entram em assuntos mais profundos. Assim, o EP “Holding On”, divulgado em março de 2021, foi construído a partir da temática da pandemia.
O título do lançamento – traduzido como “Aguentando Firme” –, soa como um mantra diante do caos provocado pelo coronavírus e é justificado por Juelke como o sentimento em comum que todos nós temos ao vivenciar essa nova realidade e uma ansiedade sobre seguir adiante com as nossas vidas.
“Nós tínhamos muitas demos instrumentais inacabadas e, partir daí, começamos a escolher sobre como trabalharíamos. Todas as letras desse EP foram escritas durante a pandemia e muitos desse elementos acabam chegando na música”, acrescenta Aronow.
A sonoridade do lançamento vai para uma vertente do indie pop – inclusive, me remete a elementos do álbum “Sacred Hearts Club” (2017), do Foster the People. “Feels Like Forever” abre o EP e trata de um olhar que percebe diferenças entre duas pessoas, resultante de um longo intervalo sem contato. “Small Talk” também se destaca ao fugir do tema central e abordar o amadurecimento entre a fase da adolescência e o período “quase adulto” – universitário.
Pensando em formas de fazer desse projeto independente algo financeiramente autossustentável – já que o streaming, praticamente, não gera receita para os artistas –, o Beach Fuzz passou a produzir e vender produtos com a marca da banda, incluindo camisetas e o EP “Holding On” em formato de disco de vinil.
Para a banda, o seu futuro segue incerto, com os integrantes focados em seus respectivos projetos universitários devido a incapacidade de organizar shows no momento atual. Nesse intervalo, seguem produzindo e publicando vídeos criativos.
Hoje, o Beach Fuzz cresce e segue como um grupo independente cujo o seu único objetivo permanece resumido em apenas um elemento: fazer músicas em conjunto. Porém, quando os shows voltarem a acontecer, acredito que os porões da Filadélfia não serão grandes o suficiente para comportar o tamanho do sucesso desse quinteto.
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