Conversamos com a Adorável Clichê sobre esse período sem novos lançamentos, e sobre essa nova fase da banda, com’Derrota’. O que será que ainda está por vir?
A Adorável Clichê foi uma das bandas que fizeram 2018 ser um bom ano para a música nacional. As faixas do disco de estreia, ‘O Que Existe Dentro De Mim‘, mostraram que os jovens músicos catarinenses estavam aqui para acolher corações através da arte. E, quando a gente diz arte, não quer dizer que seja algo de outro mundo, difícil e complexo demais para mentes comuns; pelo contrário, as canções do grupo cativaram o público por refletirem sobre nossas angústias do cotidiano. Assim, até hoje, muita gente põe a dor pra fora com a ajuda dessas canções. Já se foram quase 2 anos sem nenhum novo lançamento, mas, agora, em tempos especialmente sensíveis, a Adorável Clichê desperta com uma novidade: um novo single, chamado ‘Derrota‘, pelo selo Nuzzy Records.
Dessa vez, a faixa lançada pela banda é inspirada em quem pode ser, nas mesmas proporções, o nosso grande aliado e nosso pior inimigo: nós mesmos. Essa ‘Derrota‘ descrita representa medo, ansiedade e desespero, motivados, corriqueiramente, por nossos próprios pensamentos limitadores que nos impedem de seguir. O autoconhecimento, por exemplo, é suficiente para nos levar ao abismo da autossabotagem — afinal, por mais que muitos ainda tentem romantizá-lo, o processo de se conhecer também é doloroso. É aí que a gente sente como se nossa mente hospedasse e escondesse “mil demônios” que insistem em nos dizer “não”.
No caso da Adorável Clichê, é claro que esses dois últimos anos foram determinantes. Aliás, esse tempo sem trazer algo inédito à cena foi uma oportunidade para que eles se descobrissem mais, se reinventassem e, assim, amadurecessem como pessoas e como artistas. Vivemos em tempos estranhos e aflitos agora, bem diferentes de quando a banda estreou com disco, o que faz com que o significado de ‘Derrota‘ seja ainda mais intenso. Afinal, estar em casa — um ato que, ainda, é sinônimo de proteção — faz com que tenhamos mais tempo com nós mesmos e com nossos sentimentos.
A nova fase da Adorável Clichê aflora com o single ‘Derrota‘, mas eles já estão preparando lançamentos futuros… e ainda bem! Bandas como essa precisam estar sempre na ativa, para continuarem acalentando nossa alma, ou, simplesmente, servindo de trilha sonora aos nossos momentos de melancolia, que também são necessários. Nós convidamos os atuais integrantes para baterem um papo conosco sobre todo esse momento especial para a trajetória da Adorável Clichê, e você pode conferir a entrevista completa aqui, agora!
Entrevista com Adorável Clichê
MI – O disco de estreia ‘O Que Existe Dentro De Mim’ foi muito bem recebido pelo público em agosto de 2018, e considerado, inclusive, uma das obras mais especiais da cena do indie nacional dos últimos anos. Bastante gente se apaixonou — e ainda se apaixona — pelo som da Adorável Clichê, através das faixas desse álbum. Depois dele, a banda não lançou mais nenhuma novidade. Imagino que, de lá pra cá, vocês tenham passado por um processo de amadurecimento muito transformador, afinal, foram quase 2 anos sem novas composições lançadas. Como é que foi esse tempo pra vocês?
Gabi – Foi um intervalo transformador. Não se percebe isso rápido, mas em dois anos se muda bastante e muita coisa acontece. Estávamos focados na divulgação do álbum e trabalhando algumas músicas em paralelo – mais nesse último ano -, mas só esse ano parece que conseguimos engatar uma nova linha de composição e produção. Também veio vontade de fazer algo mais profissional, mais “sério”…
MI – Vocês chegaram a planejar um processo pra se concentrarem no amadurecimento da banda e do seu som, ou esse tempo fluiu naturalmente, e quando viram, já estava acontecendo?
Gabi – A gente até tenta planejar, mas não dá (risos). Só dá certo quando flui. Como falei, até tentávamos fazer algumas músicas novas.. Chegamos a tocar a que achávamos que seria o próximo single em alguns shows, mas de repente a coisa mudou e chegou ‘Derrota’ e mais umas duas em que estamos trabalhando. Não temos certeza do que vem, mas vai ser sincero.
MI – O que vocês mais escutaram durante esse tempo todo? Quais artistas e bandas foram e são inspiradores pra vocês?
Gabi – Eu tô viciada em Grimes tem um ano e pouco (risos). Também tenho escutado Joji, The Joy Formidable, um pouco de synthwave, Sky Ferreira e Wallows.
Marlon – Eu só to ouvindo Land of Talk e Men I Trust.
Geisler – Faz um bom tempo que minha banda de principal influência é King Gizzard and the Lizzard Wizard. Gosto demais do peso de alguns álbuns e ainda mais de psicodelia de outros. Fora disso, gosto muito de escutar stoner, como Red Fang e Truckfighters.
Felipe – Ultimamente, estou ouvindo bastante Leprous, Haken, Devin Townsend, FM, Zinatra, W.A.S.P., Morphine, Whitesnake e um monte de synthwave.
MI – Independente de qualquer coisa ou qualquer planejamento, é óbvio que vocês não faziam ideia de como seria o futuro. Vocês surgem agora, em julho, lançando um novo — e importantíssimo — single. O ano é 2020 e, principalmente, devido à pandemia, o caos parece estar pra todo lado. De que forma isso impacta na vida de vocês como artistas e como parceiros de banda?
Gabi – É difícil. Pra ser sincera, é difícil principalmente se você se importa com o que vão pensar. As pessoas estão se julgando de todos os lados e tem muita gente sofrendo. A gente sente isso também e sente medo pelas pessoas próximas. Acho que tratar a música como um possível alívio pras outras pessoas dá uma apaziguada na sensação de “culpa” por seguir em frente. Agora temos que nos virar pra tentar produzir coisas sinceras e orgânicas de uma forma sintética, à distância… sendo que estamos juntos desde o ensino médio. Talvez seja necessário uma dose de telepatia, um outro nível de conexão emocional….. Acho, na verdade, que essa música pode responder a pergunta melhor do que eu.
MI – Justamente por causa desse momento atual, em que as pessoas precisam ficar em casa pra se protegerem, os lançamentos de produtos culturais estão sendo ainda mais importantes. Apesar de o setor cultural ter sido o primeiro afetado dessa história toda, são justamente os artistas que não pararam e tentaram dar um jeito de continuar fazendo o que amam e o que conforta o coração das pessoas, por mais que algumas não reconheçam isso. De que forma vocês imaginam que o público vai receber esse novo single da Adorável Clichê?
Gabi – Esperamos que com coração aberto.
MI – E não só como artistas, mas também como pessoas, o que mudou em vocês — e pra vocês — de 2018 pra cá?
Gabi – Ficamos mais “chatos”. Estamos escolhendo melhor com o que gastar energia pessoal e profissionalmente. Até por questões de saúde mental/emocional. Acho que é o caminho natural.
MI – Não é só a qualidade sonora, esse rock triste que vocês fazem, que acolhe o público. As pessoas também se sentem abraçadas pelas letras das canções. Os desabafos e angústias do cotidiano da vida adulta continuam sendo a proposta presente no trabalho da banda, mesmo agora, em uma nova fase?
Gabi – Com certeza. No final, vamos chegando à conclusão de que esse “desabafo” marca a identidade da banda de alguma forma. Antes da adolescência, de se ver tendo que fazer escolhas, “perdendo amigos”, encarando as realidades da vida… Agora sinto que passamos pra fase adulta… Onde você tem que seguir em frente (como o tema de Derrota). Mas pode ser arrogância minha pensar assim.
MI – Esse single que vocês estão lançando, chamado ‘Derrota’, reflete sobre várias coisas que ocupam nossa mente em qualquer crise existencial. É sobre o sentimento de não conseguir se encontrar, sobre como as coisas podem mudar com o tempo e por aí vai. De onde vieram as inspirações na hora de criar essa canção?
Gabi – As inspirações foram diversas, mas uma boa parte da área profissional.. Ou não profissional, mas relacionada ao que se faz da vida, sabe? Objetivos, metas, dúvidas sobre em que se focar… No caso, a banda entra nisso também.
MI – Qual é o sentimento de vocês em estarem entregando ao mundo esse single e dando os primeiros passos desse mais novo momento da Adorável Clichê?
Gabi – Meio que um “de volta pra minha casa” (risos). Acho que é uma sensação predominante na banda a de que “nela” é onde nos sentimos mais a vontade, mais com o coração. Estar de novo “na ativa” é uma grande alegria e um alívio. Apesar de não estarmos mais com o Diogo, antigo baterista.
MI – Mas e aí? O que está por vir, da banda para o mundo, que vocês já podem contar agora?
Gabi – Estamos com pelo menos 2 outros singles em processamento. Uma atitude que estamos pensando em tomar é a de gravar em um estúdio com mais estrutura, terceirizando esse processo, assim como mix e master. Quem sabe até utilizando a ajuda de um produtor externo.
Ouça ‘Derrota’, o novo single da Adorável Clichê
Acompanhe a letra:
Não é assim ruim
Me deixar mais pra lá
Que quanto mais eu corro, tento
Mais difícil e distante fica
Eu não consigo me achar
Eu não consigo me achar
Queria acertar
Alguém pra confirmar
Com o tempo tudo centra, encontra
Com o tempo tudo acalma, volta
Eu não tenho tempo
Alegria passa a murchar com tanto desperdício
Tanto recomeço em vão
E acima de toda certeza
Grita bem mais alto: mil demônios dizem que eu não
Eu não tenho tempo
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