O single novo do Emicida, Yasuke (Bendito, Louvado Seja), mostra porque o compositor é o melhor rapper brasileiro da atualidade, “brigando” só com cachorro grande como Criolo, Racionais, Rashid, Tássia Reis etc. Arrojado e completamente antenado no que acontece lá fora e aqui, esse single tem tudo que o hip-hop brasileiro de qualidade tem que ter: todas as referências possíveis para uma cultura cosmopolita e miscigenada como a brasileira.

A estrutura mais minimalista de beats em downtempo e flow acelerado que vem fazendo a cabeça dos rappers gringos se soma a uma percussão completamente africana e um refrão que te leva direto pra dentro de um terreiro. Na parte final da música um cavaquinho traz o samba para a mistura, abrasileirando a africanidade do batuque e do coro.

A letra é mais uma porrada  agressiva e intelectual típica do rapper, um mar de referências de cultura e história africana, cultura pop e academicismo ocidental. Yasuke, figura que aparece no título da música, foi um negro que teria se tornado Samurai no japão entre o séc VXI e o séc XVII. Os versos iniciais falam de escravidão e racismo institucionalizado (“Sempre foi quebra de corrente, sem brincadeira/E a sua luta escondida na dança é igual capoeira/Resistência mocada na trança, beleza guerreira), trazendo na sequência a cultura tradicional africana (“A magia de um talo de arruda que vale uma floresta inteira”) e depois versos que fazem claramente uma referência a filosofia africana Ubuntu, que prega a consciência da relação e da interdependência entre indivíduo e coletivo (“As pessoas são como as palavras/ Só tem sentido se junto das outras/Foi sonho, foi rima, hoje é fato pra palco/ Eu e você juntos somos nóiz/ “Nóiz” que ninguém desata”), terminando o jogo de palavras em auto-referência a um verso sempre presente em seu trabalho (“A rua é nóiz!”). Um jogo intrincado de rimas e referências que mostra o imenso talento poético de Emicida.

A letra segue misturando a cultura tradicional do rap como a já citada auto-referência e a ostentação (“Quer saber? A tempo não pergunto quanto as coisa custa”),  invocação de ícones da música negra (Contra mente burra, o infinito vive igual Sun Ra),  Referências pop (Perdeu ‘boy, vim do inferno igual Hellboy) e citações de cultura “erudita” como numa invocação do protagonista de O Guarani, clássico da literatura brasileira de José de Alencar (“Dinheiro nóiz gosta igual Peri, alto, tomamo de assalto”). O rapper faz questão de esbanjar cultura como forma de combate ao racismo e suas ideias mentirosas de inferioridade intelectual de qualquer etnia que não seja branca e termina a letra na auto-referência de novo lembrando da marca de roupas que ele lançou (Lab) em desfile no SPFW em 2016, quando o rapper levou a diversidade negra para as passarelas (“Fiz com a passarela o que eles fez com a cadeia e com a favela/ Enchi de preto”).

Resumindo, uma pedrada violenta nas nossas cabeças. Pra colocar no repeat.

 

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